Medo, sensação de incapacidade e discriminação: o que está por trás do trabalho dos agentes de saúde

Psicólogos dão assistência emocional àqueles que precisam lidar com pressão do ambiente hospitalar durante pandemia do coronavírus

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Por Camila Tuchlinski
6 min de leitura

Sair de casa todos os dias e não ter a certeza de que retornará sem ser contaminado. Essa é a realidade de milhares de médicos, enfermeiros e agentes de saúde que estão nos postos e hospitais durante a pandemia do novo coronavírus. Segundo balanço mais recente do Ministério da Saúde, o Brasil tem 12 mil casos confirmados por meio de exames e 553 mortes.

A instrumentadora cirúrgica Suzan Caroline de Alexandria Nisticó usa máscara, touca, luva e roupa privativa hospitalar, e toma todos os cuidados necessários para se prevenir. “Troco as luvas sempre que toco o paciente ou algo contaminado (sangue) e, caso esteja sem, passo muito álcool gel sempre que encosto em algo”, conta. 

A instrumentadora cirúrgica Suzan Caroline de Alexandria Nisticó. Foto: Arquivo pessoal

Suzan revela que tem sentimentos ambíguos: momentos de angústia, por receio de ser infectada, e bem-estar, por minimizar o sofrimento dos pacientes. “Fico bastante apreensiva. Penso que estou tomando as medidas possíveis para me proteger, que estou tentando aliviar a dor do paciente e que esta é a profissão que escolhi, e isso me acalma. Mas dá medo sim”, desabafa a instrumentadora cirúrgica, que já tem vários conhecidos que foram afastados da área da saúde por suspeita de coronavírus.

A tensão e o medo de adoecer e ser infectado são constantes na vida de quem trabalha atualmente em um hospital. A psicóloga Lucia Alves Penna Rosa enumera as principais queixas relatadas: “Além do medo de ser contaminado pelo coronavírus, há discriminação em vários locais. Apesar de estarem sendo exaltados e aplaudidos, existem grupos que começam a discriminar, que não querem ficar próximos desses profissionais, e isso também traz um esgotamento emocional”. 

A neuropsicóloga Gisele Calia destaca a chamada "síndrome do jaleco branco". “É uma reação de aumento de pressão arterial verificada apenas quando a pessoa fica em frente a um profissional de saúde identificado pelo uniforme branco. Importante lembrar que o aumento da pressão arterial está relacionado à emoção do medo, ao preparo do corpo para fugir ou atacar”, analisa.

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Ao mesmo tempo, o fato de médicos e enfermeiros não terem, muitas vezes, as condições ideais de trabalho pode elevar o nível de estresse. A chamada Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. 

Na atual pandemia, todos esses sinais ultrapassam os muros dos hospitais e acompanham esses profissionais ao longo do dia. “O fato de voltarem para suas casas, onde estão seus filhos, pais e outros parentes, e correrem o risco de levar a contaminação para a família também desencadeia um nível de estresse importante. Eles precisam ser acolhidos por todos: pela população e pelos profissionais que podem ajudar, como psicólogos”, pondera Lucia.

Vivendo uma rotina tão estressante e diante de tamanha pressão, é natural que o profissional de saúde comece a apresentar sinais como insônia, ansiedade, irritabilidade e oscilações de humor. “Alguns podem ter uma certa negatividade, de que nada está adiantando, que nada está sendo suficiente. O cansaço excessivo que também é um sintoma. Os médicos estão trabalhando muitas horas. Tenho acompanhado profissionais que iniciam o plantão cedo e terminam muito tarde. Junta o cansaço excessivo, que é físico e mental, porque é preciso ficar o tempo todo ligado, com uma doença nova, sobre a qual eles também estão aprendendo”, afirma Lucia. O nível alto de estresse e tontura também são símbolos de um esgotamento mental importante.

A psicóloga Lucia Alves Penna Rosa, que também atende profissionais de saúde durante pandemia do novo coronavírus. Foto: Arquivo pessoal

O trabalho psicológico com profissionais da saúde

Para ajudá-los a encontrar um equilíbrio no atual cenário, é necessário um trabalho imediato em psicoterapia. “A gente está só começando. Não estamos no pico do coronavírus, do que vai acontecer, do transbordamento da saúde pública, e eles precisam se preparar para isso também. E a população e os familiares também têm de ajudar”, afirma a psicóloga Lucia Alves Penna Rosa, que integra um grupo de profissionais que atenderão, de forma gratuita, pelo menos 60 profissionais da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo nas próximas semanas.

Segundo ela, médicos, enfermeiros e demais pessoas que estão no meio hospitalar precisam criar uma rede de segurança: pessoas para se conectar, conversar, buscar apoio emocional e falar o que estão sentindo. Seja sobre como lidar com o excesso de trabalho, com a sensação de impotência, com a falta de instrumentos necessários para salvar vidas, sobre muitas vezes ter de escolher entre um paciente e outro. “Ainda não está acontecendo no Brasil, mas provavelmente vai acontecer (ter de escolher quem salvar). O suporte é necessário para resgatar a própria dignidade dessas pessoas porque, diante de situações de muito conflito, você acaba se desconectando da sua própria dignidade”, ressalta Rosa.

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Admitir que a Síndrome de Burnout irá acometer a maioria dos profissionais de saúde é razoável. Porém, é possível prever sintomas de doenças mentais para quando a pandemia acabar, como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). “Médicos e enfermeiros estão vivendo uma crise. Nós todos estamos. Eles não têm um estresse pós-traumático agora porque ainda vivem a crise, não têm sintomas. Mas precisam de um apoio para aprenderem a manejar. Trabalhar a crise é importante para evitar os sintomas do TEPT”, adianta Rosa.

O que é a 'síndrome do jaleco branco'?

Você já ouvir falar que tem gente que só de ouvir o barulho do motorzinho do dentista sente medo? O mesmo ocorre com algumas pessoas que tiveram experiências ruins em ambiente hospitalar. Para além da discriminação, especialistas trabalham com os sintomas da chamada "síndrome do jaleco branco". E não é frescura. Os principais sintomas são: tremores, suore aumento da frequência cardíaca. 

“As pessoas que apresentam esses sintomas involuntários podem tentar diminuir o impacto que o uniforme branco no profissional que a atende lhe causa buscando pensamentos racionais de auto convencimento de que aquela pessoa está ali para a ajudar e que possíveis 'traumas' em relação à dor ou medo de sentir dor relacionados ao jaleco branco são coisas de sua mente infantil e inconsciente”, aconselha a neuropsicóloga Gisele Calia.

Não que seja fácil, mas a tentativa é construir um caminho de pensamentos racionais sobre uma memória inconsciente e infantil anterior. Uma dica prática da especialista, e que vários profissionais utilizam, principalmente pediatras e cardiologistas, é não usar roupa branca.

Dicas para os profissionais de saúde

Para quem trabalha em ambiente hospitalar ou como agente de combate ao novo coronavírus, a psicóloga Lucia Alves Penna Rosa preparou algumas dicas:

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- Ler, ver filmes sobre outros assuntos; - Fazer meditação: Existem muitos sites disponíveis que ajudam e ensinam a relaxar; - Fazer alguma atividade física. - Ficar exposto ao sol dentro de casa, se for possível; - Falar com grupos de amigos online, até mesmo para tomar um vinho “juntos”. - Dormir bem é fundamental para regular o organismo; - Fazer alguma atividade junto com família. Estar integrado num ambiente acolhedor nesse momento é muito importante.

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