Metade dos venezuelanos que vivem no Brasil perdeu emprego ou renda na pandemia, diz estudo

Pesquisa de órgão da ONU diz que maioria (93%) se sentem bem recebidos; estima-se 260 mil migrantes e refugiados do país vizinho

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Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO - Os migrantes venezuelanos vieram para ficar. Embora a pandemia da covid-19 tenha tido impacto negativo nas famílias, sobretudo do ponto de vista econômico, a grande maioria não pensa em voltar ao país de origem e se sente muito bem acolhida no Brasil. Esses são os principais resultados de uma pesquisa feita pela Acnur, a agência da ONU para refugiados, e da ONG SOS Aldeias Infantis. Estima-se que no Brasil vivam 260 mil venezuelanos. 

Pelo menos 48% desses refugiados e imigrantes residentes perdeu o emprego formal ou a renda diária durante a crise sanitária. Mesmo assim, 93% afirmaram ser muito boa (47%) ou boa (45%) sua relação com vizinhos brasileiros. O levantamento apontou também que a grande maioria (77%) declarou nunca ter sofrido discriminação ou xenofobia. Episódios de agressão contra estrageiros, porém, já chegaram a ser registrados em Roraima. Quando perguntados se pretendiam retornar à Venezuela, 78% dos migrantes responderam que não.

Venezuelano Ronny Rivas ao lado da esposa. Foto: Acnur

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É o caso de Ronny Rivas, de 46 anos, que está no Brasil desde 2018, acompanhado da mulher, dos seis filhos e de um neto. Padeiro na Venezuela, ele decidiu emigrar porque não tinha emprego e não conseguia manter a própria padaria diante da inflação desenfreada. Por aqui, arrumar trabalho não tem sido fácil na pandemia, mas a rede de proteção oferece mais estabilidade à família.

“Tem quase três semanas que não faço nada, porque estava tudo fechado por conta da pandemia”, contou ele que mora com a família em São Paulo, após passar um ano e quatro meses em um abrigo. “Mas amanhã vou para o mercado vender milho e alguns salgados.” Apesar das dificuldades, o imigrante não reclama da sorte. “Aqui é muito melhor do que na Venezuela”, disse Ronny. “Graças a Deus estamos aqui.”

Venezuelano Ronny Rivas e de sua família. Foto: Acnur

Solange Oshoa, de 41 anos, também diz que não tem do que reclamar. Como Ronny, ela chegou em 2018 e agora vive em São Paulo com a mãe, quatro filhos e cinco netos. Diferentemente do conterrâneo, ela não perdeu o emprego e segue trabalhando. É auxiliar de logística na empresa Tembici - a startup responsável pelas bicicletas cor de laranja alugadas pelas cidades.

“Minha mãe ficou doente da vesícula, foi atendida, operada aqui. Não faltou nada para ela”, contou Sol, como é conhecida. “Se tivéssemos ficado na Venezuela, ela teria morrido. Não tem nada por lá. Tem muita gente morrendo por falta de atendimento e remédios.”

Segundo ela, a acolhida dos brasileiros com toda a família sempre foi muito boa.“Todos sempre nos trataram com muito carinho, tivemos muita ajuda, sou muito grata”, contou. “Os colegas de trabalho e os clientes também sempre foram legais, nunca tive problemas.”

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O levantamento foi feito com 198 venezuelanos que vivem nos nove municípios de acolhida. Foram usadas entrevistas por telefone ou formulários online. A coleta de informações foi em dezembro de 2020.

Fluxo migratório se intensificou em 2017

O fluxo de refugiados e migrantes provenientes da Venezuela intensificou-se em meados de 2017, segundo a Acnur. Em parceria com várias agências da ONU e organizações da sociedade civil, o governo criou em 2018 a estratégia de interiorização com o objetivo de facilitar a inserção socioeconômica dos venezuelanos e aliviar o impacto no estado de Roraima, por onde costumam entrar.

Ao menos 50 mil pessoas, entre elas Rivas e Sol, já foram realocadas em nove municípios: Igarassu (PE), João Pessoa e Caicó (RN) no Nordeste; São Paulo, Rio e Juiz de Fora (MG), no Sudeste; Porto Alegre e Goirerê (PR), no Sul; e em Brasília, no Centro-Oeste. As famílias são encaminhadas às cidades após passar um período em um centro de acolhida. Lá, recebem aulas de Português e ajuda para arrumar um emprego.

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“Com a pesquisa, estávamos tentando entender o que aconteceu com as pessoas que passaram por esses centros e foram realocadas”, contou o oficial de Meios de Vida e Integração Econômica da Acnur no Brasil, Paulo Sérgio de Almeida. “O resultado é muito interessante porque comprova uma ideia que sempre tivemos; que é fundamental que a interiorização seja sustentável.”

Na análise de Almeida, durante a passagem pelos centros de acolhida, os migrantes tomam conhecimento da rede de proteção disponível, se conectam com outras pessoas, aprendem a se situar naquele território, dispõem de mecanismos de acesso ao trabalho. “Ou seja, eles ganham resiliência, sabem a quem recorrer se acontecer alguma coisa, sabem onde buscar apoio”, explica o especialista. “Os problemas vão surgindo, mas o que relatam é que conseguem enfrentar as dificuldades e encontrar soluções.”

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