'Minha sensação foi a de ganhar na loteria', diz paciente

Tratamento promissor que eliminou câncer de mama da americana Judy Perkins ainda é experimental e, apesar do excelente resultado, ainda está distante da realidade dos consultórios

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Por Fabio de Castro
Atualização:

Além das drogas imunoterápicas, já rotineiras, há outras abordagens que envolvem a imunoterapia celular. Em maio, um estudo publicado na revista Nature Medicine revelou que a americana Judy Perkins, com câncer de mama metastático, teve o tumor eliminado com um tratamento experimental com base na imunoterapia celular. 

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A notícia foi comemorada por cientistas e oncologistas como um grande passo na revolução imunoterápica em andamento, mas ainda não há nada parecido que possa ser aplicado nos consultórios, em nenhum país do mundo. 

A própria Judy afirma que se sentiu uma exceção quando os médicos anunciaram, em 2016, que ela estava livre do câncer. "Minha sensação foi a de ganhar na loteria com esse tratamento. Tem sido maravilhoso voltar à vida. Mas sei que tive sorte", disse a americana ao Estado.

A engenheira americana Judy Perkins, 49 anos, foi selecionada para o teste de uma nova imunoterapia depois de passar por diversas sessões de quimioterapia fracassadas e ver seu câncer de mama se espalhar pelo organismo; o próprio sistema imunológico da paciente eliminou as células tumorais e ela está livre do câncer há 2 anos. Foto: Judy Perkins

Segundo Judy, apesar do impacto mundial do resultado de seu tratamento, é preciso lembrar que ele é experimental e não funciona para todos. "Quando os resultados dos meus testes clínicos foram publicados, em maio, houve uma grande comoção sobre o tratamento que eu recebi. Mas duas amigas que conheci durante o processo - e que tiveram o mesmo tratamento - não tiveram a mesma sorte", contou. 

Uma de suas colegas de tratamento, Janice Satterfield, morreu ainda durante o procedimento. A outra, Cindy Krieg, morreu alguns meses depois da finalização da imunoterapia. "É duro ver minhas amigas morrerem. Eu fui uma exceção, o que dá uma sensação estranha, porque eu já estava me preparando para morrer", disse Judy.

Diagnosticada em 2003 com uma lesão pré-cancerosa, Judy conta que inicialmente não se preocupou muito. "Me disseram que era um câncer de mama em 'estágio zero'. Fiz uma mastectomia do lado esquerdo e achei que havia me livrado do problema. Mas em agosto de 2013, durante um auto-exame de rotina, percebi um caroço no local da mastectomia. Fui diagnosticada com um câncer de mama metastático em estágio 4. Foi um choque, eu afundei. Me disseram que eu poderia viver mais três anos. Eu tinha 47."

Logo após o diagnóstico, Judy descobriu que tinha um grande tumor no esterno e diversos outros nos gânglios linfáticos. "Eu passei por uma dúzia de terapias padrão. Quando fiz a quimioterapia, eu não tive grandes efeitos colaterais. Mas estava arrasada. Usei o tempo que me restava para viajar com a família. Fui conhecer o Grand Canyon e o Nepal", disse.

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Mais tarde, Judy saiu em busca de um teste clínico de imunoterapia, porque ouvira falar de um paciente que foi tratado com sucesso de um glioblastoma - um tipo de câncer no cérebro. 

Ela não encontrou o teste, mas, em um seminário sobre direito relacionado a câncer de mama, conheceu uma pesquisadora da equipe de Steven Rosenberg, do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. Rosemberg estava realizando testes clínicos de imunoterapia celular para câncer de mama. 

"Fui aceita no teste clínico e comecei a preparação em agosto de 2015. No outono, quando minhas células-T estavam sendo preparadas, o câncer se espalhou para o meu fígado. Nessa época, minha condição tinha se deteriorado consideravelmente. Em dezembro de 2015, comecei o tratamento imunoterápico", contou.

Judy conta que sempre sabia quando um tratamento estava funcionando ou não e, nesse caso, não foi diferente. "Dez dias após o início do tratamento, eu já podia sentir que o tumor no meu peito estava amolecendo e encolhendo. Quando voltei à Flórida, o tumor se dissolveu completamente. Então eu já sabia que o tratamento estava funcionando. Eu só não sabia se o efeito seria duradouro", disse. 

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Após um novo exame em março de 2016, os médicos disseram a Judy que 60% dos tumores haviam desaparecido. 

"Embora fosse uma boa notícia, eu continuei preocupada, achando que os outros 40% iam continuar se espalhando e iam me matar. Os médicos, porém, estavam muito animados. Eles me explicaram que sempre que um paciente tem esse tipo de resposta o desdobramento mais típico é que eles se livrem do câncer. Foi assim mesmo. Em maio de 2016, os exames mostravam que o corpo estava limpo e eu estava curada. Eu permaneci assim desde então".

A imunoterapia celular utilizada por Judy é muito diferente das drogas imunoterápicas disponíveis nos consultórios. Os cientistas sequenciaram o DNA e o RNA de um de seus tumores e também de uma amostra de tecido normal, a fim de descobrir quais mutações eram exclusivas de seu câncer. Eles identificaram 62 mutações diferentes nas células tumorais da paciente.

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Os cientistas, então, testaram diferentes células do sistema imunológico de Judy para descobrir quais delas eram capazes de reconhecer uma ou mais das proteínas com mutações. Elas reconheceram quatro das proteínas mutantes. Os cientistas então multiplicaram essas "super-células" e as injetaram de volta no organismo de Judy. Depois do tratamento, todos os tumores desapareceram. 

De acordo com o oncologista Artur Katz, do Hospital Sírio Libanês, apesar de toda a comoção em torno dos resultados, o caso de Judy é apenas um resultado preliminar de um estudo clínico ainda bem distante da realidade dos consultórios.

"É muito importante que essas pesquisas ocorram, mas esse resultado pertence muito mais à literatura científica do que à realidade clínica. O procedimento realizado parece muito promissor, mas também é bastante complexo, com reprodutibilidade limitada, porque é preciso identificar genes específicos alterados e construir células que reagem com esses antígenos. É algo que eventualmente poderá avançar, mas, hoje, essa descoberta não tem qualquer impacto na vida dos pacientes", explicou Katz.

Segundo ele, o mesmo grupo de Rosenberg - o autor do estudo publicado na Nature Medicine sobre o caso de Judy - publicou um trabalho sobre melanoma, na década de 1980, que parecia extraordinariamente promissor, mas depois foi completamente abandonado.

"Evidentemente, nós da comunidade médica e científica vemos esse tipo de estudo como algo muito positivo e ficamos muito felizes e esperançosos. Mas até que as tecnologias com células possam ser utilizadas de forma ampla, ainda teremos que esperar muito tempo", disse Katz. 

O médico explica que o sucesso do caso de Judy dependeu de determinadas mutações específicas. "Não é todo paciente que se presta a esse tipo de enfoque - ela tinha as mutações adequadas e por isso foi possível criar as células que reconheciam nessas mutações a presença de células inimigas. Também não sabemos como esse resultado se comportará em longo prazo."

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