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Ministro admite que há racismo no atendimento do SUS

Por Agencia Estado
Atualização:

Há racismo no atendimento a negros no Sistema Único de Saúde (SUS). A discriminação, que foi admitida ontem pelo próprio ministro da Saúde, Agenor Álvares, se reflete em diagnósticos incompletos, exames que deixam de ser feitos, recusa de se tocar o paciente e até desprezo em emergências. "Esse racismo cria condições muito perversas que temos de combater. Queremos criar valores de solidariedade em relação à população negra", afirmou o ministro, que participou ontem da abertura de seminário no Rio em que foram discutidas as bases para a nova Política Nacional de Saúde da População Negra. No evento, o ministro disse que existem indicadores de que o atendimento aos negros é diferente do atendimento aos não negros. De acordo com ele, o objetivo do programa é reduzir a incidência de aids, tuberculose, hipertensão arterial, câncer de útero e mortalidade materna, que têm maior incidência na população negra. "Se isso ocorre por falta de atendimento, é uma falha que temos de corrigir", avaliou o ministro. Segundo a coordenadora do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do ministério, Ana Costa, a taxa de mortalidade materna na Região Sudeste, por exemplo, é mais que o dobro para mulheres negras em comparação com as brancas (4,79 e 2,09 mulheres por 100 mil habitantes, respectivamente). As taxas de mortalidade por contaminação pelo HIV também são maiores entre negras (12,29 mulheres por 100 mil habitantes) do que entre brancas (5,45 em 100 mil). Ana confirma que há 'práticas cristalizadas' de discriminação e racismo nos atendimentos. "Várias pesquisas mostram, por exemplo, que mulheres negras não são tocadas nos exames. Temos evidências de que, numa fila de emergência, o negro é preterido em relação ao branco." Parto sem Anestesia Um dos estudos citados ontem pelo ministro da Saúde foi realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz entre 1999 e 2001. Depois da análise dos prontuários médicos e de entrevistas com 9.633 grávidas atendidas no município do Rio em maternidades públicas, conveniadas com o SUS e particulares, eles descobriram, por exemplo, que a proporção de mães que não tiveram acesso à anestesia foi maior entre as negras e pardas. Elas também penaram muito mais na peregrinação até a sala de parto. A proporção das que não conseguiram ser atendidas na primeira maternidade procurada foi de 31,8% entre as negras e 28,8% entre as pardas. Já entre as mães de cor branca a taxa é 18,5%. A pesquisa demonstrou ainda outras faces do racismo na saúde. Durante a gestação, as mulheres brancas declararam ter sido menos acometidas por sífilis e doenças hipertensivas, que podem ser identificadas durante o pré-natal. Entre as negras, a incidência de problemas de pressão alta foi 50% maior do que a encontrada entre as brancas. Falta de Interesse "O Brasil investe pouquíssimo em pesquisas sob a saúde da raça negra", afirma Antônio Chacra, chefe da Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo. "Com exceção de algumas doenças, como hipertensão (mais freqüente na raça negra) e osteoporose (menos comum entre eles) os médicos conhecem pouco o organismo do negro." De acordo com a cardiologista Nadine Clausell, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, o problema central é a "carência em informações científicas com foco em características raciais". Nadine está envolvida na primeira pesquisa nacional sobre insuficiência cardíaca em pacientes negros, prevista para começar no ano que vem. O trabalho, que terá a colaboração de pesquisadores americanos, vai definir quais os fatores de risco, a incidência de doenças cardíacas e a resposta a medicamentos dos pacientes negros brasileiros. Agora o ministério promete destinar R$ 3 milhões para 60 projetos de pesquisa que têm como foco a saúde da população negra. Militantes do movimento negro comemoraram. "O SUS foi criado para servir o cidadão, mas na verdade serve de acordo com classe social e cor. À medida que as novas políticas forem implantadas, acredito que vamos reverter isso", afirmou a coordenadora da ONG Criola, Lúcia Xavier. Colaborou Adriana Dias Lopes, com Agência Brasil

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