Ministro nega problema político com China e culpa alta demanda por falta de insumos de vacina

Brasil precisa de insumos do país asiático para continuar produção de Coronavac; Araújo também disse que compra de doses da Índia está bem encaminhada

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Por Mateus Vargas e Emilly Behnke
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, descartou nesta quarta-feira, 20, quedivergências políticas com a China sejam o motivo do atraso na entrega de insumos para produção de vacinas contra a covid-19 no Brasil. O Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ainda aguardam a chegada de matéria-prima do país asiático para iniciar a produção dos imunizantes no País. O vice-presidente, Hamilton Mourão, também em declaração nesta quarta-feira, disse que há um "movimento positivo" para que as tratativas avancem.

"Temos relação madura, construtiva, muito correta, tranquila com a China", disse Araújo ao participar de uma reunião fechada com deputados, por videoconferência. "Não é um assunto político. É assunto de demanda por um produto", completou ele.

Brasil precisa de insumospara continuar produção de vacinas Foto: Sammer Ai-Doumy/AFP

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O chanceler ainda afirmou que a importação da Índia de 2 milhões de doses prontas da vacina produzida pela Universidade Oxford e o laboratório AstraZeneca está "bem encaminhada''. O governo brasileiro chegou a preparar um avião na semana passada para buscar o imunizante, mas o país asiático negou a liberação imediata. Araújo não apontou data para nenhuma das importações.

O ministro disse que desde dezembro o governo federal conversa com a China para liberar o insumo de produção. A Fiocruz deve fabricar doses no País da vacina de Oxford/AstraZeneca, já o Butantan é responsável pela Coronavac. "Outros países que precisam de IFA (insumo farmacêutico ativo) da China estão basicamente na mesma situação. Inclusive países europeus. Acho que estamos bem colocados nessa situação. Claro que queríamos já ter aqui os insumos. Todo o processo está avançando", disse o ministro. 

O presidente Jair Bolsonaro, porém, já desacreditou a segurança e eficácia da Coronavac e disse que não compraria o produto pela origem chinesa. O produto foi desenvolvido pela Sinovac. “Da China nós não compraremos. É decisão minha. Não acredito que ela transmita segurança suficiente a população pela sua origem, esse é o pensamento nosso", disse Bolsonaro, em 21 de outubro, em entrevista à Jovem Pan.

O próprio chanceler brasileiro também já se envolveu em polêmica com os chineses. Em novembro do ano passado, o Ministério das Relações Exteriores saiu em defesa do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e classificou como "ofensiva" e "desrepeitosa" a reação da embaixada da China a declarações do filho "Zero Três do presidente. Nas redes sociais, Eduardo havia vinculado o governo chinês à “espionagem” por meio da tecnologia 5G, o que provocou protesto dos chineses. Para o Itamaraty, a réplica chinesa criou “fricções desnecessárias” e prejudicou a boa relação entre os países.

Apesar da relação conflituosa,Araújo disse que o governo brasileiro não percebe entrave político para as importações. "Não identificamos nenhum problema de natureza política em relação a esses insumos provenientes da China. Nem nós, Itamaraty, nem nossa embaixada em Pequim identificaram problemas de natureza política, diplomática. Nossa análise é de que há demanda muito grande por estes insumos", disse.

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Mourão fala em 'movimento positivo'

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta quarta-feira, 20, que há um "movimento positivo" para que avancem as tratativas com o governo da China para a aquisição de insumos para a produção da vacina. "De acordo com os dados que eu sei, há um movimento, vamos dizer assim, não vou falar de simpatia, mas um movimento positivo para que as conversações avancem", afirmou. Para Mourão, há uma corrida pela vacina e, por isso, o governo precisa utilizar "as armas da diplomacia".

Nesta manhã, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming, se reuniram para tratar sobre o atraso no envio de insumos para a produção da vacina. Após o encontro, Maia descartou possíveis obstáculos políticos para a entrega dos insumos e disse haver um compromisso do representante da China para acelerar os trâmites para a importação das matérias-primas.

Por outro lado, Maia afirmou ainda ter informações de que não houve diálogo entre o governo brasileiro e a embaixada mesmo com o risco de paralisar a vacinação por falta de insumos. Segundo o vice-presidente, contudo, o governo tem feito sinalizações para manter as conversas para a aquisição dos insumos. Em conversa com jornalistas nesta tarde, ele citou que o Ministério das Relações Exteriores enviou uma carta via embaixada do Brasil na China.

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"A sinalização (para negociação de insumos) está sendo feita. O Ministro das Relações Exteriores, o ministro Ernesto (Araújo), já enviou uma carta para o ministro de Relações Exteriores chinês, isso foi feito via a nossa embaixada na China", disse. O vice-presidente também observou que países produtores de insumos têm "interesses geopolíticos" sobre os imunizantes.

"Essas vacinas usam insumos farmacêuticos ativos, os IFAs, que são produzidos na maior parte em dois países, a Índia e a China, cuja população dá mais de um terço da população mundial. E eles têm os interesses geopolíticos deles, obviamente, a esse respeito. Vamos ter que usar as armas da diplomacia", destacou.

Mourão ressaltou ainda que a politização da vacina "é uma página virada" e que é preciso agora "avançar na vacinação". "A questão é a gente entrar no modo on da produção de vacina com a chegada dos insumos e, consequentemente, os dois centros de produção, o Butantan com a vacina da Sinovac, e a Fiocruz com a vacina da AstraZeneca. Aí vamos atingir aquele objetivo de chegar a 70% da população vacinada (até o fim do ano)", disse.

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Falta de vacinas

O Brasil iniciou no último domingo, 17, as vacinações de grupos prioritários, mas conta nesta primeira etapa com apenas seis milhões de doses da Coronavac, importadas da China. Sem os insumos necessários, a campanha de vacinação corre o risco de ser paralisada. Outros 2 milhões de doses do imunizante de Oxford/AstraZeneca, vindos da Índia, são aguardados, mas sem data para chegar.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, que também participou da reunião com deputados, disse que a ideia é até abril entregar 46 milhões de doses no País. Ele reconheceu que já há atraso de dez dias para entrega de insumos para fabricação, mas disse esperar que o produto chegue ainda neste mês.

Covas ainda alertou que a indefinição do Ministério da Saúde sobre a compra de outras 56 milhões de doses pode fazer o País ficar sem insumos para a fabricação deste lote, que deve ser entregue a partir de abril. O contrato firmado com o Butantan prevê a opção do governo em adquirir a quantidade, mas não é obrigatório.

O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, por sua vez, disse aos deputados que as doses prontas da Índia estão embaladas para entrega ao Brasil, mas não deu data para a entrega. "Existiam algumas condicionantes, como o início da campanha de vacinação na Índia e compromissos que haviam sido assumidos com países vizinhos, que estavam sendo priorizados", disse Krieger aos deputados.

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