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Moradora do interior paulista perde três gerações de sua família: 'Essa doença é horrível'

Jovem relata drama de perder avó, mãe e irmão para coronavírus em dez dias

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA – “Hoje, por volta de 1h30 da manhã, senti uma pontada muito forte no peito, ajoelhei ao pé da cama e falei: 'vou orar pela minha mãe'. E disse: 'Senhor, por favor, salve a minha mãe, pois eu a amo e não quero perdê-la'.” É assim que Marina Angélica Reversi, de 27 anos, moradora de Guapiaçu, no interior de São Paulo, inicia o relato do seu drama. Em dez dias, ela perdeu um irmão, a mãe e a avó. Três gerações da família foram vitimadas pelo coronavírus.

O irmão, o auxiliar de produção Jaiel Giezi Reversi, de 29 anos, foi o primeiro a morrer, no dia 23 de maio, cinco dias após a internação e dois depois de ser entubado. Ele tinha diabetes e hipertensão. Quando Jaiel morreu, a avó de Marina, a catadora de recicláveis Diva Marques Moreira dos Santos, de 80 anos, já estava internada após sofrer um infarto. No hospital, foi diagnosticada com a covid-19 e morreu no dia 30. Internada, a filha dela e mãe de Marina, Marlene Moreira dos Santos, de 51 anos, não pode sequer acompanhar o enterro. Marlene morreu nesta segunda-feira, 1º.

Marina no centro, com a filha Manuella no colo, entre a avó Diva e a mãe Marlene. Todas tiveram coronavírus, mas a mãe e a avó morreram Foto: Arquivo pessoal

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Com “algo engasgado na garganta”, Marina conta que chorou muito e se resignou: “Se o Senhor levar a minha mãe eu ainda vou continuar te amando”, disse, e se deitou. Mesmo tomando remédio, não conseguiu dormir. Às 2h15 recebeu ligação do Hospital de Base de Rio Preto informando que sua mãe teve uma parada cardíaca e não resistiu. “Naquele momento lembrei que tinha orado minutos atrás e ela ainda lutava pela vida, mas quando a entreguei, ela descansou”, comentou. Marina voltou ao cemitério da cidade pela terceira vez em poucos dias, agora para enterrar a mãe.

Ela conta que viveu os piores dias de sua vida para cumprir a formalidade do sepultamento sem poder se despedir de pessoas que amava. “Minha mãe era uma pessoa forte, guerreira, que cuidou da gente com muito amor. Foi a pessoa mais incrível que conheci na vida, assim como era minha avó. Eram mulheres incríveis”, explicou à reportagem. Marina conta que, quando a mãe estava internada, mandou mensagens de celular para ela, contando sobre a morte do Jaiel e sobre o dia em que a avó também se foi. “Falei que tinha dias que eu estava confiante, e outros em que eu pedia a Deus para me pegar no colo. Sou assim mesmo, muito apegada em Deus.”

Em sua página em uma rede social, Marina expressa o amor pela mãe e se diz sua maior fã. “Mãe, mãezinha, eu te amo tanto e está doendo muito, muito mesmo. Como eu queria que tudo isso fosse apenas um pesadelo; sei que fui egoísta, sempre achei que você era propriedade minha, só a minha mãe, eu na verdade sempre fui dependente de você, ainda mais nos últimos anos. Sabe, mãe, esses dias têm sido os piores dias da minha vida, e eu precisei tanto do seu colo.” Ela relata à mãe que está cuidando da filhinha, Manuella, de 4 anos, e do irmão Arthur, de 14. “Mãezinha, eu não estou conseguindo te dizer adeus, não estava preparada para perder vocês três. Sou muito grata também pela avó que você foi para a Manu.”

Quando a avó morreu, com a mãe já internada, Marina também usou a rede social para um desabafo. “O meu coração está aos cacos e a vontade que sinto é de gritar até a voz parar de sair. Eu não sei o porquê disso tudo, não sei o propósito disso tudo, mas eu ainda creio que Deus está no controle.” À reportagem, ela disse que a avó era alegre e divertia as pessoas. Dona Diva usava um carrinho para catar latinhas e ajudava a família com o pouco dinheiro que recebia. “Mesmo quando estava na UTI ela alegrava as pessoas, mostrava o seu lado bom.”

Marina conta que ela e a filha, que gostava de dormir com a avó, também pegaram o coronavírus. “Estou levando a Manu agora para um exame, porque deu que ela teve o vírus, mas não apresentou nenhum sintoma, nem corrimento no nariz. Ela está ótima. O meu exame deu positivo, mas não dá para saber quem pegou de quem. Essa doença é horrível, não perdoa ninguém.” Marina é vendedora, mas está desempregada. Ela teve ajuda da prefeitura para cobrir os custos dos sepultamentos. Guapiaçu, cidade de 21.115 habitantes, registrou 36 casos e 4 mortes pelo coronavírus – incluindo as três da família de Marina.

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A jovem, que é divorciada, disse que busca forças em Deus para seguir adiante, pois, além da filha, tornou-se responsável pelo irmão adolescente. “Não vou estar sozinha, porque Ele vai estar sempre comigo. Não sou de frequentar igreja, mas tenho intimidade com Deus em minha casa.” A parte mais dura da doença, segundo ela, é o afastamento entre pessoas que se amam. “O mais difícil foi despedir deles sem tocar, sem poder ver o rosto, sem ver o semblante e dizer: vão em paz.”

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