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Morte de morcegos pode causar prejuízos econômicos e ambientais

Redução de animais impacta na proliferação de insetos, causa danos ecológicos e faz agricultura dos EUA gastar R$ 6 bi anuais com pesticidas

Por Alexandre Gonçalves - O Estado de S. Paulo
Atualização:

SÃO PAULO - A morte de morcegos pode trazer um prejuízo anual de R$ 6 bilhões para a agricultura americana por gastos com pesticida e queda de produtividade. Atualmente, as populações do animal sofrem um grave declínio nos EUA. Os autores do estudo publicado na Science afirmam que as conclusões servem de alerta para outros países, entre eles o Brasil.

 

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Cerca de 1 milhão de morcegos americanos morreram nos últimos anos. Com isso, até 1,3 mil toneladas de insetos deixaram de ser devoradas anualmente, ameaçando cultivos e florestas. "Sem dúvida, morcegos insetívoros também desempenham um papel importante no controle de pragas no Brasil", afirma o autor do artigo, Justin Boyles, da Universidade de Pretória, na África do Sul.

 

Os pesquisadores Susi Pacheco, do Instituto Sauver, em Porto Alegre, e Carlos Esbérard, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), realizaram um cálculo semelhante ao dos americanos. "Cerca de 500 morcegos insetívoros, cada um pesando 10 gramas, consumiriam 6 toneladas de insetos por ano", pondera Susi. "Além disso, como há uma grande diversidade de morcegos no Brasil, eles realizam outros serviços importantes para a regeneração de florestas: polinização e dispersão de sementes", pondera Boyles.

 

O brasileiro Marco Mello, pós-doutorando da Universidade de Ulm, na Alemanha, publicou há um mês um artigo na PLoS One sobre as interações entre plantas frutíferas e morcegos no Brasil. Eles constituem o segundo grupo dispersor de sementes mais importante. Perdem apenas para as aves.

 

Mello mostrou que as redes de alimentação que envolvem morcegos são mais suscetíveis à extinção que as que envolvem aves. Na prática, o desaparecimento de uma espécie causa um impacto maior na saúde do ecossistema. Outros estudos apontam que os morcegos costumam cuidar da dispersão das sementes de plantas pioneiras - aquelas que iniciam um processo de reflorestamento. As aves seriam responsáveis principalmente pelas árvores mais tardias. Ou seja, em áreas degradadas ou fragmentadas, os morcegos desempenhariam um papel importante.

 

 

Lacunas. Apesar de estudos como o de Mello, os especialistas são unânimes ao afirmar que ainda conhecemos pouco sobre os mamíferos voadores no Brasil. Para Ludmilla Aguiar, da Universidade de Brasília (UnB), faltam estudos para entender o serviço prestado por morcegos nos diversos ecossistemas do País. "A gente mal sabe que tipo de insetos eles comem", afirma Ludmilla. "O Cerrado, bioma com maior número de áreas agrícolas, tem muitos morcegos insetívoros. Precisamos estudar seu comportamento."

 

Ela participa de um projeto de pesquisa que relaciona a ocorrência de morcegos no Cerrado - por meio do som dos animais - à presença de pragas. "Dados preliminares mostram que há relação: com certeza, eles se alimentam desses insetos", afirma Ludmilla.

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O presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (Sbeq), Ricardo Moratelli, sublinha a necessidade de mais taxonomistas - profissionais especializados na classificação de espécies - para realizar inventários da fauna de morcegos. "Sem isso, não dá para dizer quando uma espécie está ameaçada", explica Moratelli, pesquisador da Fiocruz, no Rio. Ele também reclama da falta de editais de financiamento para promover um conhecimento mais aprofundado das espécies, não restrito a simples inventários.

 

Por enquanto, apenas uma espécie - o morceguinho-do-cerrado - mereceu um plano especial de manejo do Ministério do Meio Ambiente. O diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias, explica que o morceguinho-do-cerrado, uma espécie que se alimenta de néctar, possui uma distribuição relativamente restrita no território nacional. "Espécies assim são mais vulneráveis que aquelas menos especializadas, encontradas em mais lugares."

 

Bráulio afirma que, a pedido do ministério, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) está se reunindo com especialistas para atualizar a avaliação do estado de conservação das espécies da fauna brasileira. Possivelmente, até o fim do ano, haverá uma nova lista de morcegos ameaçados. Ao Estado, Thomas Kunz, coautor do estudo na Science, sublinhou a importância de aumentar as "informações empíricas" sobre os morcegos brasileiros para aprimorar políticas de conservação.

 

Iniciativas. Para promover a consciência da importância ambiental dos morcegos, as Nações Unidas declararam 2011 o ano desses animais. Em 2007, constituiu-se a Rede Latino-Americana para a Conservação dos Morcegos (Relcom), com pesquisadores de diversos países. Em agosto, a rede divulgou um documento intitulado Estratégia para a Conservação, com metas e objetivos para os próximos anos. Um dos pontos do documento é o combate ao preconceito.

 

"As pessoas associam automaticamente o morcego à raiva", afirma Wilson Uieda, da Unesp de Botucatu. "Não é correto: não há motivo para pânico." Ele sublinha que, das mais de 170 espécies de morcego do País, 3 se alimentam de sangue e só 1 prefere mamíferos. "É necessário ensinar às pessoas a importância desses animais", pondera o cientista.

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