PUBLICIDADE

Mosquitos transgênicos são lançados contra a dengue em Piracicaba

Ao cruzarem com fêmeas comuns, machos do 'Aedes' modificados geram filhotes que morrem antes de atingir a idade reprodutiva

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

Atualizada às 18h26

Em Piracicaba, o projeto piloto será desenvolvido no bairro Cecap, com maior incidência de dengue; os primeiros mosquitos serão soltos em abril Foto: Hélvio Romero/Estadão

PUBLICIDADE

PIRACICABA - Mosquitos Aedes aegypti modificados geneticamente serão introduzidos a partir de abril nas casas dos 5 mil moradores do bairro Cecap, na zona leste de Piracicaba, interior de São Paulo, para combater a dengue. Os insetos, todos eles machos, vão atrair as fêmeas e iniciar um ciclo de reprodução que não se completará: os filhotes nascerão programados para morrer antes de atingir a idade reprodutiva. O que se espera é que, num período de 4 a 6 meses, a população do mosquito transmissor da dengue e da chikungunya seja drasticamente reduzida. 

O projeto, pioneiro em escala piloto, foi lançado nesta segunda-feira, 2, e envolve uma parceria entre a prefeitura e a filial no Brasil da empresa britânica Oxitec, que desenvolveu a linhagem transgênica batizada de OX513A. O macho da espécie ganhou genes extras que o tornaram bom reprodutor, mas com ciclo de vida curto.

A empresa obteve da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorização para soltar os mosquitos. "Este é nosso primeiro projeto desde a aprovação da CTNBio e diretamente em parceria com o município. Estamos providenciando a aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciarmos a fase comercial", disse o diretor de desenvolvimento de negócios da Oxitec, Glen Slade.

Segundo ele, a tecnologia funciona onde há concentração do mosquito, por isso pode ser empregado em grande cidades, como a capital. "O mosquito se desloca num raio de 50 metros, por isso escolhemos bairros com infestação ou áreas de risco que podem ser numa cidade pequena ou num grande centro. Conforme a população, aumentamos a escala do projeto." 

A prefeitura de Piracicaba vai pagar R$ 150 mil pelo programa, valor simbólico, segundo o prefeito Gabriel Ferrato dos Santos (PSDB) se comparado aos R$ 7 milhões gastos anualmente apenas na prevenção e combate ao mosquito. A cidade registrou este ano 88 casos de dengue, 280% a mais que no mesmo período do ano passado. O número de casos é baixo, se comparado com cidades vizinhas, como Limeira e Rio Claro, que enfrentam epidemia da doença.
Foco. O problema é que a maior incidência está bairro Cecap, com 20% dos casos. Equipes da prefeitura e da Oxitec já percorrem as casas para orientar os moradores inclusive sobre o cuidado de não usar inseticidas depois que os "Aedes do Bem", como são chamados os transgênicos, forem soltos nas casas. "Temos de explicar aos moradores por que, afinal, estamos soltando mais mosquitos no seu bairro", disse Guilherme Trivellato, gerente de projetos. Os agentes enfatizam que os machos transgênicos não picam as pessoas e têm vida curta, entre 2 e 4 dias. 
A estudante Ana Laura Pitombeira, de 10 anos, disse que os professores falaram sobre o projeto na sua escola. "Fiquei curiosa e decidi ver de perto os bichinhos." Uma gaiola com os Aedes transgênicos estava à disposição dos moradores. Os agentes permitiam que ela tocassem os insetos através da tela. "Estou um pouco assustado, pois se não der certo, pode ser mais difícil de acabar com o transgênico", disse o comerciante Lauro Quesada. 
A previsão é de uma soltura de 1 a 2 milhões de insetos na primeira semana, número que será reduzido à medida que caia a população de fêmeas. O monitoramento da quantidade será feito por meio de insetos e ovos coletados em armadilhas. Os machos têm marcadores fluorescentes, transmitidos aos ovos e larvas. 
Queda significativa. De acordo com Trivellato, após um período de 4 a 6 meses da liberação, o nível da população de mosquito transmissor da dengue na área tratada já terá caído significativamente.
Isso ocorreu na fase de testes nas cidades da Jacobina e Juazeiro, na Bahia, onde bairros receberam exemplares do OX513A. "A redução na quantidade do Aedes aegypti selvagem chegou a 90%", disse. Em Juazeiro, em 2014, um grupo de produtores rurais e pesquisadores em agroecologia protestaram contra a soltura de mosquitos transgênicos. Eles alegaram risco de mutações genéticas e desequilíbrio ambiental. "O Aedes aegypti é exótico e temos um controle muito bom sobre todo o processo", contestou Trivellato. 
Criada em 2002 incubadora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, a Oxitec é pioneira no controle de insetos transmissores de doenças e causadores de danos na agricultura. A filial brasileira tem unidade de produção no Techno Park, em Campinas, com capacidade para produzir dois milhões de Aedes transgênicos por semana. 
O Brasil já registrou 103,1 mil casos de dengue este ano até a semana epidemiológica que se encerrou no dia 14, segundo boletim do Ministério da Saúde. São Paulo é o Estado que tem o maior número de casos e a mais alta evolução da doença. Foram 51.849 registros este ano, contra 5.185 no mesmo período do ano passado. Apenas no interior, pelo menos 53 mortes tiveram diagnóstico de dengue - a maioria ainda aguarda confirmação por laudo do Instituto Adolfo Lutz.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.