Motoristas de apps e taxistas adotam álcool gel, vidro aberto e máscara contra coronavírus

Relatos de taxistas e motoristas de aplicativo apontam redução no número de corridas; alguns já deixaram de trabalhar

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Por Priscila Mengue
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SÃO PAULO - "Pra quem está perguntando como é ser motorista durante o coronavírus. Sabe quando o Titanic estava afundando e a banda continuava tocando? Então, nós somos a banda”, diz uma imagem compartilhada nos últimos dias em redes sociais. 

Taxista Eli Alves utiliza máscara quando busca passageiros no aeroporto Foto: Werther Santana/Estadão

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Com o avanço da pandemia, o temor de se expôr ao vírus tem levado taxistas e motoristas de aplicativo a tomarem medidas de prevenção, como abdicar do ar condicionado e utilizar álcool gel e máscara. A situação também já tem levado alguns profissionais da área a evitar aeroportos e hospitais e, até mesmo, a deixar o ofício por tempo indeterminado.

O motorista de aplicativo Wesley Coelho, de 32 anos, por exemplo, começou a utilizar máscara durante o trabalho há uma semana. "É preocupante sim (a situação), estou me protegendo com álcool e máscara. Acho que é uma maneira de me prevenir. Dizem que não é eficiente (usar máscara) mas também não faz mal", diz ele, que disponibiliza álcool gel para clientes há um ano e meio. "Vou usar luvas descartáveis a partir desta semana.”

Coelho conta que passar o álcool gel se tornou uma das primeiras ações dos passageiros assim que entram no carro. Além disso, percebe uma redução no número de corridas nos últimos dois dias. “No começo, estranharam a máscara. Depois veem que não tenho sintomas e ficam mais à vontade.”

Sócio de empresa de translado de turistas, o taxista Eli Alves, de 53 anos, teve cerca de 40 viagens canceladas desde o fim de semana. Ele chegou a enviar vídeos para hotéis e empresas com quem tem parceria para mostrar as medidas que intensificou e passou a tomar por causa da pandemia, pois cerca de 80% das corridas que atende costumavam ser de turistas.

Taxista passou a higienizar veículo após corridas Foto: Werther Santana/Estadão

Há cerca de 15 dias, Eli pendurou pequenas embalagens de álcool gel nas laterais do carro, que se somam à outra maior, que já costumava disponibilizar e às máscaras que passou a oferecer. Além disso, também usa máscara quando busca clientes em aeroportos e tem um álcool gel de uso pessoal. 

“Quando recepcionamos, já falamos que o ar condicionado não é aconselhado e que é a critério deles (dos passageiros). Mostramos o álcool e as máscaras - mas a maioria já desce (do voo) com elas”, conta. “Todas pessoas que entram no carro têm como primeiro cuidado higienizar as mãos, a maioria sequer deixa pegar a bagagem, o que era de praxe. Estão evitando muito esses contatos, falam pouco.”

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Com o cancelamento de viagens Eli passou a trabalhar principalmente em um ponto de táxi no Bom Retiro, na região central. “O movimento aqui caiu uns 70%. Está terrível, um deserto”, estima. “Estou vindo para a rua mais cedo e vou ficar mais tempo em exposição para tentar amenizar. Mas não está adiantando ficar mais tempo na rua porque não está tendo movimentação de pessoas.”

“Terça e quinta-feira não se encontrava táxi parado nos pontos. Hoje (terça-feira, 17), tem 11 táxis parados só no meu ponto”, comenta. “A média hoje no ponto foi de R$ 100 para cada motorista, sendo que se gasta em média uns R$ 60 de gasolina por dia. E tem mais o gasto para se manter na rua, com almoço, refeição. Praticamente está se saindo na rua para trocar dinheiro.”

Eli Alves oferece máscaras aos clientes que busca em aeroportos Foto: Werther Santana/Estadão

O taxista calcula ter reservas para se manter por quatro meses se a situação não mudar. “O governo precisa tomar medidas, porque os boletos continuam chegando. Quem é autônomo está esperando uma medida mais responsável do governo. É assustador o que está acontecendo.”

Também por causa da pandemia, o motorista George Abbas, de 38 anos, decidiu deixar de fazer corridas na sexta-feira, 13. “Já andava com vidros baixos e com álcool em gel no carro. Agora dei uma parada no trabalho, pois não quero me arriscar e também pelo movimento estar super fraco.”

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“O povo questiona sobre fechar e ligar o ar condicionado, e eu sempre com o mesmo discurso: ‘senhora, é por medida de segurança, minha e sua’”, lembra. “Única medida que eu tomava era, se eu via a pessoa fungando muito, (com) coriza ou espirrasse, eu já logo abaixava os vidros do carro.”

Ele decidiu não renovar o contrato de locação do veículo. “Sabia que íamos entrar numa crise e resolvi não renovar. Vou esperar isso tudo pra ver, mas vejo em grupos, motoristas de Uber falando que não estão fazendo nem o dinheiro do combustível e outros preocupados, pois pagam prestação do carro.”

Grupos compartilham boatos; ventilação e higiene das mãos são cuidados mais importantes

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Em redes sociais e grupos de WhatsApp de motoristas e taxistas, também se proliferam fake news sobre a situação da pandemia e formas de prevenir o contágio. Um dos boatos mais comuns é que estar em um veículo fechado com álcool gel ou manipulá-lo poderia influenciar no teste do bafômetro (o que é falso). Também há relatos de pessoas que estão borrifando álcool dentro dos veículos.

O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), ressalta a necessidade de os ambientes terem a melhor ventilação possível. “(Estar) Em um carro fechado com outras, também corre risco. Por isso, o ideal é, dentro do carro, deixar os vidros abertos para acontecer a ventilação e a troca de ar”, aponta. “O ambiente abafado aumenta a chance de transmissão do vírus.”

Para os motoristas, a recomendação também é apostar na higienização e nos hábitos. “Por estarem sempre em contato com superfícies, volante, painel, precisam procurar higienizar as mãos, higienizar as superfíciese evitar tocar olhos, nariz e boca.”

Uber e 99 dizem que vão pagar motoristas afetados por coronavírus

As principais empresas de transporte por aplicativo ainda não estimam o impacto da pandemia no número de corridas no Brasil. Com o avanço da doença no País, elas preparam medidas para pagar motoristas que foram diagnosticados com o novo coronavírus.

A Didi Chuxing, empresa estrangeira dona da 99 e outros apps fora do País, está criando um fundo de U$ 10 milhões para motoristas e entregadores com o covid-19. “Outras ações sobre bloqueio provisório de motoristas parceiros relacionados ao diagnóstico do coronavírus estão em estudo e serão comunicadas nos próximos dias”, diz a 99 em nota.

Já a Uber anunciou que prestará “assistência financeira” por 14 dias aos motoristas diagnosticados com o vírus ou que tiverem a quarentena solicitada por uma autoridade de saúde. O pagamento será calculado a partir da média de rendimentos diários dos últimos seis meses de trabalho do motorista.

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