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MPTCU entra com representação para manter contrato milionário de hemoderivados

Representação quer garantir a continuidade da Parceria de Desenvolvimento Produtivo do Fator VIII recombinante

Por Ligia Formenti
Atualização:

BRASÍLIA - O Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União ingressou nesta segunda-feira, 17, com uma representação, com pedido de liminar, para garantir a continuidade da Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do Fator VIII recombinante, hemoderivado essencial para pacientes com hemofilia. Semana passada, o Ministério da Saúde suspendeu o acordo, que havia sido feito com a farmacêutica Shire e a estatal do sangue Hemobrás, sob a justificativa de desrespeito às regras do contrato.

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O procurador Marinus Marsico, autor da representação, argumenta que a suspensão coloca em risco o abastecimento de hemoderivados no País, desrespeita a lei e traz prejuízos aos cofres públicos.

Em entrevista ao Estado, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, reagiu atacando todo o MP: “Para variar, o Ministério Público quer entender daquilo que não entende. Fica comprando versão de terceiros e sai atirando sem perguntar. Como vamos falar no processo, tudo ficar esclarecido e vai ficar sendo como dantes.”

O Ministério da Saúde alega que a transferência de tecnologia, em que a Shire “ensinaria” a Hemobrás a fabricar o hemoderivado, está atrasada. Pelo acordo, o prazo para o início da produção em solo brasileiro começaria ainda este ano, o que não ocorreu. “Eles não colocaram nem um tijolo”, disse o ministro, numa referência à fábrica da Hemobrás.

  Foto: Alexandre Gondim|JC Imagem

Marsico, por sua vez, argumenta que a culpa pelo atraso é do próprio Ministério da Saúde. “Ele não tomou as medidas necessárias para que a Hemobrás pudesse dar seguimento na PDP. Quem atrasa não pode alegar atraso para romper o contrato. Esse é um raciocínio de lógica solar”, disse o procurador ao Estado.

Marsico afirma que o Ministério da Saúde reduziu a compra de Fator VIII recombinante acertada na PDP. Isso teria acelerado os problemas financeiros da Hemobrás e, de quebra, os investimentos em obras para adaptação da fábrica.

Na representação, o procurador argumenta que a eventual rescisão contratual resultaria numa perda dos valores já investidos na construção da fábrica da Hemobrás, além da cobrança imediata de uma dívida de mais de US$ 174 milhões que a estatal contraiu com a empresa Shire.

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O rombo foi criado com a alta do dólar. Como os preços do hemoderivado eram definidos pela moeda estrangeira, a dívida aumentou de forma expressiva. Não houve, na avaliação de Marinus, nenhuma medida do Ministério da Saúde para tentar reduzir o problema. “Já pagamos pelo produto. Não temos como pagar duas vezes”, rebateu o ministro.

“São desconhecidas as razões legais, técnicas e de economicidade consideradas pelo Ministério da Saúde, ou mesmo pela Hemobrás, a recomendar o cancelamento da PDP do Fator VIII recombinante”, diz Marsico na representação.

Firmada em 2012, a PDP previa que a Shire deveria transferir toda a tecnologia para produção do hemoderivado à Hemobrás num prazo de até 10 anos. Durante esse período, a empresa ficaria encarregada de abastecer o mercado brasileiro, sem concorrentes.

Trata-se de uma transação milionária. A estimativa é a de que, por mês, sejam gastos R$ 157 milhões com a compra do hemoderivado, produzido a partir de engenharia genética. Considerado um dos tratamentos de ponta, seu preço é 11 vezes maior do que o hemoderivado preparado a partir do plasma humano. Críticos afirmam que o atraso beneficia a empresa. Quanto mais tempo ela postergar a transferência de tecnologia, maior o período em que ela vende, sem concorrentes, hemoderivados de última geração para o Brasil.

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Quando determinou a suspensão da PDP, o ministério concedeu um prazo de 10 dias para que Shire e Hemobrás apresentasse uma proposta de redefinição de acordo. Em entrevista ao Estado, a Shire afirmou ter interesse em negociar.

Na sua representação, Marsico afirma que o fim da PDP, de forma abrupta, poderia trazer riscos para a população de pacientes. “Ao romper o contrato, a empresa fica desobrigada a continuar fornecendo o hemoderivado ao Brasil”, diz o procurador. O ministro, no entanto, garante que esse risco não existe. De acordo com ele, uma compra foi feita para atender a demanda do País até o próximo ano. Além disso, haveria outros fornecedores mundiais.

A suspensão da PDP ocorre um mês depois de o ministro dar pessoalmente início a uma negociação para a construção de uma fábrica de hemoderivados em Maringá (PR), seu reduto eleitoral. Pela proposta inicial, um consórcio seria formado entre os laboratórios públicos estaduais Butantã (SP), Tecpar (PR), Hemobrás e a empresa suíça Octapharma. Os três laboratórios ficariam encarregados da produção de hemoderivados para o País. O Butantã não aceitou a proposta, disse o ministro.

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Para o plano do consórcio ser mantido, o primeiro passo seria terminar a PDP da Hemobrás com a empresa Shire. “A pasta tem de mostrar que é um excelente negócio trocar um fornecedor por outro. Não temos nada com isso, com que empresa o ministério contrata. Nosso interesse é que a política pública seja obedecida e que as leis também não sejam descumpridas”, disse o procurador.

Marsico argumenta não haver alternativas a curto prazo para substituição do fornecedor de Fator VIII recombinante. “Qual alternativa resta? Fazer compras emergenciais de recombinante num mercado oligopolizado?Num país do tamanho do Brasil? Quanto será gasto com isso?”, questiona Marsico. Ele observa não haver nenhuma licitação no momento.

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A representação do MP segue agora para avaliação de uma equipe técnica do TCU. Decorridos três dias, ela é encaminhada para o presidente do TCU. Não há prazo para que ele tome a decisão. Marsico espera que o desfecho seja rápido, por causa das características da representação que, de acordo com a representação “expõem a Hemobrás, o Ministério da Saúde e a União a inaceitáveis riscos e prejuízos contratuais".

Em nota, o vice-presidente da Octapharma no Brasil, Samuel Maurício, afirmou que a empresa segue normas éticas e que a proposta apresentada ao governo é legítima, de acordo com o marco regulatório em vigor.

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