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Mudança de divulgação ocorreu após Bolsonaro exigir número de mortes por covid abaixo de mil por dia

Solução foi separar os óbitos ocorridos nas últimas 24 horas das mortes de datas anteriores, mas que só foram confirmadas naquele período

Por Jussara Soares e Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - A mudança na forma como o Ministério da Saúde divulga dados sobre a covid-19 ocorreu após o presidente Jair Bolsonaro determinar que o número de mortes ficasse abaixo de mil por dia. A ordem foi repassada ao ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, que entregou a demanda à sua equipe. 

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Para se enquadrar no limite imposto pelo chefe do Executivo, a solução foi separar óbitos ocorridos nas últimas 24 horas das que haviam ocorrido em dias anteriores, mas só confirmadas naquele período.  Até a semana passada, o Ministério da Saúde somava todas as mortes registradas em um mesmo dia, independentemente de quando ela havia ocorrido.

A estratégia do Palácio do Planalto é uma tentativa de demonstrar que não há uma escalada da doença fora de controle e, ao mesmo tempo, apontar que há um exagero da imprensa. A ideia de Bolsonaro é mostrar que o número de mortes nunca esteve acima de mil por dia, mas apenas a consolidação dos dados de pacientes que morreram em datas anteriores. O Brasil tem 37.312 óbitos e 685.427 casos confirmados da covid-19. É o segundo país em número de contaminados, e o terceiro em mortes.

A ginástica na forma como trata os dados foi sugerida em um vídeo do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e defensor de Bolsonaro, no qual diz “não condizer com a realidade” informar que mais de mil mortes pela covid-19 foram confirmadas num único dia. A publicação do apoiador do governo foi enviada pelo secretário-executivo da Saúde, coronel Elcio Franco Filho, para a sua equipe. A distribuição do vídeo foi noticiada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pelo Estadão. 

Mudança de divulgação de dados de coronavírus ocorreu após Bolsonaro exigir que número de mortes ficasse abaixo de mil por dia Foto: Joédson Alves/EFE

A somatória dos dados segue o padrão internacional. O problema de dividir os números é que a pasta deixaria de fora os pacientes que tiveram a morte confirmada por covid-19 fora do período contabilizado. Por exemplo, uma pessoa que morreu na segunda-feira, mas só teve a comprovação de que a causa foi o coronavírus um dia depois, não apareceria na estatística de terça-feira nem em qualquer outra, uma vez que o governo não divulga mais o histórico.

General do Exército, Pazuello, que não é médico, assumiu provisoriamente o comando da Saúde em 15 de maio e vem adotando medidas que atendem ao desejo de Bolsonaro. Ele já ampliou as orientações de uso da cloroquina, demitiu funcionários que assinaram uma nota sobre aborto distorcida por apoiadores do presidente e acabou com as entrevistas diárias de técnicos sobre o enfrentamento da doença. Os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich deixaram o governo após resistirem em seguir as diretrizes do Palácio do Planalto.

O Brasil superou o número de mil mortes diárias pela primeira vez em 19 de maio. No dia 3 de junho, o país bateu recorde com o registro de 1349 óbitos em 24 horas. Foi nesta data que o governo atrasou pela primeira vez a divulgação do balanço da pandemia, que passou a ser enviado por volta das 22h. No dia seguinte, novo recorde: 1.473 óbitos e mais um atraso.

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Na última sexta-feira, 5, terceiro dia seguido de atraso, o presidente se recusou a responder de quem havia partido a determinação para postergar a publicação dos dados.Na ocasião, ele disse: “Acabou matéria no Jornal Nacional”, referindo-se ao telejornal da TV Globo, o de maior audiência no país.  

Na mesma sexta-feira, o portal do Ministério da Saúde com o balanço da pandemia saiu do ar.Após 19 horas, a página retornou, mas passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia.Os números consolidados da doença e os históricos da doença desapareceram. No domingo, 7, o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas. O erro foi corrigido nesta segunda-feira.

Nesta segunda, 8, em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de covid-19, os veículos O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Extra, G1 e UOL decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. O balanço diário será fechado às 20h.

Após a repercussão negativa das restrições de acesso às informações da pandemia, a avaliação do governo é que a equipe do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello executou mal a determinação do presidente. A ordem agora é ajustar a divulgação dos dados para demonstrar que foi um erro e não uma falta de transparência.

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Ministério da Saúde promete 'plataforma interativa'

O Ministério da Saúde promete divulgar os dados em uma "plataforma interativa", a ser lançada nesta semana, destacando casos por data de ocorrência, em vez da confirmação do registro da morte.  A ideia é mostrar quantos óbitos ocorreram no dia da divulgação, ainda que este dado se altere posteriormente pela confirmação dos casos que estavam em análise.

O padrão internacional é diferente. Os países tem apontado quantos óbitos foram confirmados na data, mesmo que tenham acontecido semanas atrás.  Segundo técnicos do ministério, após repercussão negativa, a ideia não é esconder óbitos de dias anteriores, mas destacar apenas os que ocorreram e foram confirmados nas últimas 24 horas.

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Desde o início da pandemia, Bolsonaro minimiza o impacto da crise sanitária. O presidente defende o fim do isolamento social e quer a retomada das atividades econômicas. Apesar da curva ainda em ascensão da doença, ele já pediu para empresários para que pressionem governadores pela extinção da quarentena.

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