A playlist que me fez reconectar com minha filha adolescente; leia relato

'Foi um abraço em forma de áudio', diz mãe; maneira de ouvir a música pode mudar, mas os ganhos de sociabilidade e inteligência emocional que ela proporciona são atemporais

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Por Maggie Smith
Atualização:

Às vezes, ser mãe é morar num país do qual você não fala a língua. As histórias de minha filha Violet, hoje na sétima série, são salpicadas com palavras como vibe, sussa e mara. Quando ela tentou definir emo para mim, foi uma cena de um filme indie: a adolescente exasperada, a mãe sem noção. Mas eu me lembro bem de estar do outro lado dessa dinâmica com minha mãe, mesmo agora aos 45 anos.

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Ainda assim, embora nem sempre usemos o mesmo vocabulário, Violet e eu conversamos – e conversamos muito. Somos próximas e parecidas em muitos aspectos, ambas introvertidas, criativas, curiosas e sarcásticas. Qual é a coisa pela qual nos conectamos mais do que qualquer outra? Nosso amor pela música.

Compartilho música com meus filhos desde antes de eles nascerem: é um jeito de demonstrar amor. Gravei um CD com uma playlist para levar ao hospital no dia do nascimento de Violet, com canções como You Are the Best Thing, de Ray LaMontagne, No One’s Gonna Love You, de Band of Horses, e My Darling, de Wilco. A playlist de Rhett tinha Beautiful Boy, de John Lennon, This Is the Day, de The The, e o cover de What a Wonderful World, de Innocence Mission.

Quando meus filhos cresceram um pouco, deixei uma caixa de CDs na nossa sala, a Pequena Biblioteca de Música, onde eles podiam pegar meus CDs emprestados. Alguns eles aceitaram imediatamente – Bowie, Prince, Queen – mas não todos. Violet ainda não se acostumou com Andrew Bird – ela não curte muito os assobios. Rhett não era fã dos Beastie Boys no começo: “Mãe, eu sei que essa música funciona para você, mas não funciona para mim”. Mas, depois de uma viagem com ‘Paul’s Boutique’ tocando no último, ele se converteu.

Música é a linguagem que me conectou com minha filha adolescente; leia relato Foto: Eric Nopanen/Unsplash.com

Compartilhar música com eles é uma coisa que veio naturalmente, já que é uma das maneiras pelas quais eu me relaciono com meus pais. Quando eu tinha a idade de Violet, 13 anos, era 1990. Quando você ligava o rádio, só ouvia Wilson Phillips ou Poison, mas minhas paredes estavam cobertas de pôsteres dos Beatles. E agradeço muito minha mãe e meu pai por isso. [

Colocávamos um disco de sua vasta coleção – rock dos anos 1970, 1980, pop, folk, Motown – e cantávamos enquanto minha mãe cozinhava ou fazíamos as tarefas domésticas. Meu pai me levou ao National Record Mart para comprar minha primeira fita. Ele não conseguia decidir se ‘Rubber Soul’ ou ‘Revolver’ era o álbum mais fundamental, então voltei para casa com os dois.

A trilha sonora da minha infância era a coleção de discos dos meus pais. Em 2020, meu pai embalou toda a coleção em caixas de plástico e me deu, então agora tenho todos os álbuns que ouvíamos quando eu era criança – não apenas as músicas, mas os discos físicos que estavam nas nossas mãos naquela época. Alguns deles estão muito arranhados para tocar, mas outros ouvimos enquanto eu cozinho ou fazemos trabalhos domésticos.

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Violet, já muito além da minha velha biblioteca de CDs, agora tem um iPhone e está se tornando mestre na arte de criar de playlists. Ela fica de fone desenhando ou fazendo colagens no seu quarto (seu covil, como eu o chamo). Violet tem playlists para diferentes vibes (dá até para ver minha filha revirando os olhos para mim por eu tentar usar essa palavra aqui), diferentes épocas do ano, diferentes pessoas. Seu amor brilha nessas playlists.

No verão passado, ela fez uma com as músicas favoritas de seu irmão: ‘Seat 16B’, de Hello Emerson, ‘Chinatown’, de Luna, ‘Scared of the Dark’, de Lil Wayne, da trilha sonora de ‘Homem-Aranha no Aranhaverso’. Me tocou ver o título “Rhett adora essas músicas” na sua lista de playlists.

Aí, este ano, ela me deu um presente que curto todos os dias desde então: uma playlist que ela fez, chamada “Ei, mãe”. Começou com 4 horas e 47 minutos das minhas músicas favoritas ou de canções que têm algum significado para nós duas, mas ela está sempre acrescentando novas faixas. Agora são mais de sete horas de duração. Eu toco no shuffle quando passeio com o cachorro ou estou no carro, sempre feliz em ouvir The National, Nada Surf, Fruit Bats, Rhett Miller e Teenage Fanclub – músicas que eu adoro, sim. Mas, mais importante: músicas que ela percebeu que eu adoro. É como se fosse um abraço em forma de áudio.

Preciso confessar uma coisa: eu tinha medo de ter uma filha adolescente. Tinha medo de ter uma adolescente na minha casa porque fui uma adolescente tagarela, rebelde e sorrateira. Revirei muito os olhos, dei muitas respostas atravessadas e bati muitas portas. E não fiz nenhuma playlist para meus irmãos mais novos.

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Desde que Violet era bem nova – uns 7 ou 8 anos, talvez – conversamos sobre a adolescência e o que pode acontecer entre mães e filhas. Só quero que você continue falando comigo, eu dizia a ela. Se você achar que estou sendo muito rigorosa, ou se eu achar que você está indo longe demais, vamos conversar. Digo a mesma coisa a ela agora: vamos manter os canais de comunicação abertos sempre, não importa o que aconteça. Vou dizer uma coisa sobre minha filha adolescente: eu a amo, mas também gosto dela. Muito.

Algumas semanas atrás, assistimos ao filme original dos Muppets: as crianças e eu nos aconchegamos com o cachorro no sofá, e é claro que eu chorei quando Caco cantou Rainbow Connection, como sempre. A entrada do banjo me pega toda vez. Alguns dias depois, quando estávamos juntas no carro, coloquei a playlist “Ei, mãe” no modo aleatório, como costumo fazer. Aí começou a tocar Rainbow Connection. Olhei para Violet no banco do passageiro e ela sorriu para mim. “Acabei de adicionar”, ela disse.

*Maggie Smith é autora de vários livros, como GoldenrodGood BonesKeep Moving e Keep Moving: The Journal. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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