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Na corrida contra a epidemia, pesquisas buscam soro

Ideia é que ele possa ser ministrado às grávidas que sejam contaminadas pelo vírus da zika, a fim de proteger os bebês

Por Clarissa Thomé
Atualização:
Leda Castilho, professora da Coppe/UFRJ: 'Cavalos vão produzir anticorpos' Foto: Fabio Motta

RIO - Na corrida contra o tempo para enfrentar a epidemia de microcefalia, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Vital Brazil está trabalhando para desenvolver um soro contra o vírus da zika. A ideia é que o produto seja injetado nas grávidas que contraírem a doença para diminuir a carga viral no organismo e assim reduzir o risco de transmissão aos fetos.

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A pesquisa por um soro foi citada como prioritária pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, na visita da diretora geral da Organização Mundial de Saúde, Margaret Chan. A expectativa é de que o soro leve menos tempo de desenvolvimento do que uma vacina. Ainda assim, serão necessários de dois a três anos até que esteja liberado para uso humano.

A pesquisa começa no Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe, o instituto de pós-graduação em engenharia da UFRJ. Células manipuladas geneticamente produzem proteínas da estrutura externa do vírus. “Essas cópias das proteínas do vírus, chamadas de proteínas recombinantes, mimetizam o vírus e podem levar à formação de anticorpos anti-zika”, explica a engenheira química Leda Castilho, coordenadora do LECC, que, em paralelo aos trabalhos da equipe de seu laboratório na Coppe, irá se juntar a um grupo dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês), na busca por uma vacina de DNA contra o vírus.

As células manipuladas geneticamente são colocadas em biorreatores (tanques de crescimento), para que as proteínas sejam produzidas em escala. Depois, passam por um processo de purificação para isolá-las de outras substâncias. Essas proteínas estruturais do vírus serão inoculadas em cavalos, criados pelo Instituto Vital Brazil, para estimular o sistema imune dos animais – é o mesmo processo para a produção do soro antiofídico ou antirrábico.

“Vamos induzir no cavalo produção maciça de anticorpos. Purificamos esses anticorpos, que estarão na ampola, em forma do soro. No organismo de quem foi contaminado pelo zika, o anticorpo reconhece esse vírus e se liga ao vírus, inibindo a atividade dele. O soro não é preventivo. É terapêutico. Vai ser aplicado em quem tem o diagnóstico positivo do zika”, explicou Claudio Maurício Souza, diretor científico do Vital Brazil. “A redução da carga viral é uma etapa importante na redução das complicações que estão sendo atribuídas à zika, como a microcefalia e a síndrome de Guillain-Barré”.

Leda Castilho já vinha desenvolvendo, em parceria com Bio-Manguinhos, instituto ligado à Fundação Oswaldo Cruz, uma vacina inativada contra febre amarela, um vírus da mesma família da zika. Além disso, seu laboratório vem há vários anos desenvolvendo outras proteínas recombinantes para uso como biofármacos. Em janeiro, ela decidiu direcionar os esforços do seu laboratório para as pesquisas sobre zika. Enquanto recursos de editais de pesquisa não chegam, direcionou verbas de outros projetos para a pesquisa genética inicial, que é menos cara. Identificou três linhagens de células mais favoráveis para a produção das proteínas do vírus zika – humana, de macaco e de hamster.

Além do soro, as cópias da proteína do zika serão usadas para o desenvolvimento de uma vacina baseada em cópias tridimensionais do vírus, mas que não têm o seu genoma. Esse trabalho será conduzido em parceria com o instituto português IBET e a universidade mexicana UNAM. “Essa estrutura 3D recombinante pode ser injetada em pessoas. A vacina do HPV e da Hepatite B são feitas dessa forma. O organismo vê essa estrutura exógena e gera anticorpos contra ela. E quando a pessoa for infectada pelo vírus zika, os anticorpos vão agir contra ele”, explica.

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Em outra linha de pesquisa, Leda firmou parceria com o instituto alemão Max Planck e com o Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, coordenado por Amílcar Tanuri, que fez o primeiro sequenciamento completo do genoma do zika no Brasil e identificou o vírus em dois bebês que tinham microcefalia e morreram na Paraíba. Nessa vertente do trabalho, vão estudar um outro tipo de vacina: com o vírus inativado ou atenuado.

Para driblar a falta de recursos, recorre à criatividade. Pediu empréstimo de equipamentos a empresas de biorreatores para montar o sistema no laboratório de Tanuri. Conseguiu de uma empresa alemã a doação de meio de cultivo para as células. Serão necessários 200 litros para três meses. “Se fôssemos comprar no Brasil, gastaríamos R$ 100 mil só com meio de cultivo”, afirma Leda.

“É um momento tão grave que exige um esforço mundial. Esse esforço tem que ser conjunto e tem que ser de acesso aberto. O objetivo maior é encontrar ferramentas para conter essa ameaça emergente que é o zika vírus”, afirmou. “Quem é um pouco mais velho lembra das pessoas com sequelas da talidomida. Elas têm uma deficiência física, mas têm a mente sã e podem trabalhar e ter uma vida normal. O zika está levando a uma coisa muito mais séria, que é uma geração de microcéfalos. E os bebês que sobreviverem, em sua maioria, vão ser dependentes pelo resto da vida”.

EUA. Leda embarca na primeira quinzena de março para os Estados Unidos, onde participará por cinco meses de uma pesquisa para chegar à vacina da zika por terceiro caminho: uma vacina de DNA. “Os genes que codificam as proteínas estruturais do vírus, aqueles mesmos que a gente insere nas células de mamíferos cultivadas em biorreatores para obter as cópias das proteínas, podem ser injetados nas pessoas e o próprio organismo produzirá as cópias da estrutura externa vírus. E quando isso acontece, o organismo reconhece como uma estrutura exógena, produz anticorpos anti-zika que protegem a pessoa”, explica.

Ela ressalta, no entanto, que vacinas demoram, em média, 10 anos para ficarem prontas. “A comunidade científica brasileira e internacional está trabalhando. Mas leva um tempo. O que a gente pode fazer de imediato é o que Oswaldo Cruz fez há mais de cem anos: combater o mosquito. Eliminar bromélias, não acumular água parada, fechar ralos. Nos bairros nobres, muitas piscinas das coberturas não são limpas. Vi isso agora em janeiro, na Gávea. Estive no telhado de um prédio e vi piscinas abandonadas, podendo servir como imensos criadouros de mosquito”.

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