No enfrentamento à pandemia, Pará já ocupa quase a totalidade de leitos de UTI

Na capital Belém, 100% dos leitos estão ocupados; destes, 80% com pacientes suspeitos ou confirmados com covid-19

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Por Flávia Ribeiro
Atualização:

BELÉM - Pouco mais de um mês após a confirmação do primeiro caso de covid-19, o Pará já alcança 97% da taxa de ocupação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) disponíveis no Estado. Na capital, Belém, a situação é pior: 100% dos leitos de UTI foram ocupados e 80% do total é com paciente suspeitos ou confirmados da doença.

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O primeiro caso no Estado foi em 18 de março. Hoje, são 902 casos confirmados, 284 em análise e o registro de 35 óbitos, segundo o primeiro boletim epidemiológico desta segunda-feira, 20. Os dados são das Secretarias de Saúde do município e do Estado.

Em Belém, há 125 leitos de UTIs e 1.118 de enfermaria, além de 90 leitos de observação nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), segundo a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). Em nota, a pasta informou que “os serviços de saúde estão operando com capacidade máxima, mas continuam recebendo usuários, pois são as unidades de porta aberta do município”.

A reportagem perguntou ao Governo do Estado quantos leitos haviam, mas a nota enviada não informou. No entanto, nas redes sociais houve o anúncio da entrega de 20 novos leitos de UTIs para o tratamento de pacientes da covid-19, no Hospital de Campanha do Hangar, em Belém. A postagem relata que serão mais 17. Somados aos 45 instalados no Hospital Abelardo Santos, em Icoaraci, o Pará terá 186 leitos para atender a população.

A falta de leitos já é sentida pela população que procura atendimento e não encontra. Nem mesmo em hospitais particulares. A chefe de cozinha Nara Tabosa, por exemplo, conta que o ex-marido, Rolando Baptista, de 46 anos, não conseguiu atendimento nem mesmo quando a família optou por pagar. “Ele ainda foi levado a um hospital particular e mesmo assim não conseguiu ser atendido.

As irmãs dele tentaram vários até conseguirem um pneumologista, que comprovou 50% de comprometimento dos pulmões. O médico disse que deveríamos tentar uma internação com urgência porque ainda não era o caso de UTI, mas, se demorasse, a vida dele estaria em risco”, disse Nara. “O médico indicou uma UPA que não estava tão lotada. Ele foi atendido e encaminhado para o hospital de campanha. O nosso medo era que ele morresse em casa porque estava muito debilitado”.

Em suas redes sociais, ela faz uma espécie de diário de como foi cuidar do ex-marido. Ele teve que se afastar da família, pois a atual companheira amamentava seu filho, de 9 meses. A filha de Rolando e Nara foi para a casa de uma avó. “Foi tudo rápido. Ele começou a ter sintomas numa quarta-feira, antes da Páscoa. No domingo, já estava bem ruim. Já desconfiávamos da covid-19. A família tentou atendimento e não conseguiu. Nesse período, ele viu duas pessoas morrerem com sintomas similares ao dele e isso o abalou. A família teve que pagar pelo teste em um hospital particular e comprovaram a infecção”, lembrou.

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Segundo a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), apenas os casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) têm, obrigatoriamente, as amostras coletadas para análise do novo coronavírus, nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Sespa informa que foram distribuídos aos municípios paraenses aproximadamente 15 mil testes rápidos destinados exclusivamente para detectar anticorpos do novo coronavírus em profissionais de Saúde e profissionais de Segurança Pública. O repasse faz parte do primeiro lote de um total de cinco milhões de testes rápidos adquiridos pela Vale e doados ao Ministério da Saúde. Em Belém, foram feitos 1.385 testes.

Hospital de Campanha para atender pacientes da covid-19, montado no Hangar Centro de Convenções, em Belém, Pará. Foto: Raimundo Paccó/FramePhoto/Pagos

Sub-notificações

O critério de só fazer teste em paciente graves traz a desconfiança de que os dados oficiais não sejam condizentes com a realidade da pandemia no Estado. E a Sesma reconhece isso. “Certamente há um grande número de subnotificação considerando que não há como realizar exames para todas as pessoas que apresentam sintomas. No momento, o exame está sendo priorizado para os casos mais graves”, justificou.

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A pasta também informou que todos os profissionais de saúde que apresentem sintomas devem ser afastados do trabalho e testados para covid-19. “Os serviços de saúde receberam o teste rápido para realizar em profissionais de saúde que apresentem sintomas da doença”, ratificou em nota.

A ativista de direitos humanos Rebecca Souza, por exemplo, desconfia de que a mãe tenha adquirido a doença durante a internação hospitalar. Elioneide Souza sofreu um acidente vascular cerebral no dia 9 de março e faleceu em 12 de abril. “O laudo da morte foi de covid-19, o médico disse que não tinha certeza de que a causa da morte havia sido só resultante do AVC porque o raio-x indicava a possibilidade”, lembrou a filha.

A ativista lembra que, durante os dias de internação, o hospital particular em que a mãe estava internada alegou que a paciente havia contraído pneumonia. “Nós estranhamos porque há 10 anos, ela havia sofrido oito AVCs. Além disso, também era hipertensa e diabética. Ela chegou a passar três meses internada e nunca teve pneumonia. Receitaram antibiótico por 10 dias e ela ia quase todos os dias fazer raio-x e só diziam que estava controlado”, declarou Rebecca.

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Foi quando a mãe começou a tossir e ter piora no quadro clínico. “Ela foi para unidade de recuperação para ser entubada, onde não poderiam ficar acompanhantes e quase todos os pacientes estavam com covid-19. Soubemos que ela fez o teste, mas não apresentaram o resultado”, ressaltou.

“Meu irmão chegou a assinar documentos autorizando o uso da cloroquina. Do dia 9 de março ao dia 12 de abril, quando ela faleceu, os médicos negaram a possibilidade de ter sido infectada. Só na hora em que fomos remover o corpo, o laudo nem citava o AVC, mas sim o código da suspeita de covid-19”, destacou.

A nota da Sesma informa que os óbitos com suspeita de coronavírus estão sendo investigados. “Muitos deles já haviam coletado amostra antes do óbito e tiveram o diagnóstico confirmado. O protocolo pede que na ocorrência de óbitos por suspeita de covid-19 seja mencionada a suspeita na declaração de óbito e seja coletada uma amostra pós-morte para o esclarecimento do diagnóstico”, afirmou a pasta.

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