'Nunca vi algo tão grosseiro', diz chefe de comissão de ética sobre suspeitas de estudo da Prevent

Como o 'Estado' revelou, a Prevent Senior teve uma pesquisa clínica suspensa após a Conep descobrir que os testes com humanos foram realizados antes que a empresa recebesse o aval

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Por Fabiana Cambricoli
Atualização:

Coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) há quase sete anos e responsável pela apuração de suspeita de fraude científica em um estudo da Prevent Senior com hidroxicloroquina, o médico Jorge Venancio afirmou ao Estado que "nunca viu algo tão grosseiro" ao referir-se às supostas irregularidades cometidas pela operadora. De acordo com Venancio, os indícios de fraude são "fortíssimos".

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Como o Estado revelou na última segunda-feira, 20, a Prevent Senior teve uma pesquisa clínica suspensa após a Conep descobrir que os testes com humanos foram realizados antes que a empresa recebesse o aval da comissão para realizar a pesquisa, o que é proibido no País. Pelas normas brasileiras, toda pesquisa de remédios feita com humanos só pode ser iniciada após autorização do órgão.

O estudo, que buscava avaliar a eficácia da hidroxicloroquina associada ao antibiótico azitromicina contra casos leves de covid-19, teve início no dia 26 de março, mas a aprovação pela Conep só foi dada no dia 14 de abril. Os resultados do estudo foram amplamente divulgados pela operadora para a imprensa no dia 17 em um artigo que mostrava suposto benefício do medicamento na redução de internações pela doença. "É uma história muito estranha você pegar dados retrospectivos que não faziam parte de pesquisa nenhuma e vestir com o número de pesquisa aprovada. O indício de fraude científica é fortíssimo. Nunca tivemos uma coisa tão grosseira desse tipo", disse ele.

Venancio relata que ouviu em audiência o pesquisador responsável por solicitar a autorização do órgão para a pesquisa, Rafael Souza Silva. Ele afirmou não ter participado da elaboração do artigo que trazia os resultados do estudo. A Conep tentou ouvir Rodrigo Esper, primeiro autor do artigo. Inicialmente, ele não prestou esclarecimentos e sua secretária disse que ele estava indisponível. Depois, um advogado que o representa enviou uma carta com suas justificativas.

"Basicamente eles dizem que a pesquisa não começou, que a referência a ela no pré-paper foi um engano e que o pré-paper foi uma divulgação na rede social de um conjunto de experiências que a instituição teve. Tentam diluir que apresentaram uma não pesquisa como pesquisa científica", afirmou Venancio.

O coordenador da Conep conta que tanto a Prevent Senior quanto os pesquisadores Silva e Esper enviaram cartas para a comissão por meio de um mesmo advogado, mas sem procuração formal que comprovasse que o defensor poderia falar em nome deles. "Estaremos cobrando essas procurações para poder levar em conta as referidas cartas. Recebidas as procurações, faremos a avaliação final sobre o caminho a seguir", disse ele, que deverá enviar o caso ao Ministério Público para investigação.

Venancio disse que haverá uma reunião na próxima quarta-feira do plenário da Conep na qual o caso será discutido. Ele diz que, entre os pontos debatidos, estará a decisão de manter a suspensão da pesquisa da Prevent e eventuais sanções para os pesquisadores e a empresa.

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Questionada sobre as suspeitas, a Prevent Senior afirma que "atua em conformidade com as boas práticas médicas e se submete rigorosamente às normas estipuladas pelas autoridades de saúde". A operadora justifica que o artigo divulgado no dia 17 atribuiu, "incorretamente", um número de protocolo na Conep.

"Os dados sobre pacientes contidos no documento não se referem, portanto, à pesquisa autorizada pela comissão do Ministério da Saúde. Trata-se de números reais de atendimento, mas não vinculados ao protocolo clínico relativo ao número da Conep. O objetivo da Prevent é sempre o de compartilhar com outras instituições de saúde os resultados positivos obtidos no tratamento da covid-19. Todos os esclarecimentos serão prestados à Conep e permitirão possíveis ajustes para, em conjunto, encontrarmos respostas apropriadas para o combate ao novo coronavírus", disse a empresa, em nota. A reportagem não conseguiu localizar os pesquisadores Silva e Esper para comentar o caso.

Caixa do remédio sulfato de hidroxicloroquina, conhecido como Reuquinol. Foto: Márcio Pinheiro/SESA

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