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O médico de família está de volta

Por Agencia Estado
Atualização:

Resgatado por movimentos de profissionais da saúde, com o aval dos conselhos de medicina, o atendimento à moda antiga - que lembra o tradicional clínico-geral que ia à casa do paciente e o encarava como um todo - ressurge. A diferença é que o médico de família retorna como uma especialidade, que já forma os primeiros residentes. A idéia é que as pessoas voltem a ter um médico que seja referência na vida familiar e que acompanhe o histórico de avós, pais, mães e filhos. No setor público, essa valorização começou há alguns anos, impulsionada pelo Programa Saúde da Família (PSF), que reúne profissionais da saúde para atuarem em comunidades. Agora, os médicos de família começam também a se expandir no setor privado, em consultórios, planos de saúde e hospitais - um trabalho que não pretende reverter a segmentação provocada pelas especializações, mas atuar em parceria com elas. O problema é que muitos dos 27 mil médicos que trabalham na área no País, segundo as sociedades de medicina de família, não têm a especialização, uma lacuna que começa a ser preenchida com uma série de programas de formação que têm sido criados - ajudando na divulgação desse tipo de especialidade e elevando o tema à disciplina acadêmica. Encaminhamento - "A gente tenta trazer um pouco da nostalgia, mas não tem nada a ver com aquele médico de antigamente que tinha uma idéia geral de tudo, mas sabia pouco. O médico de família hoje em dia precisa saber muito de muito e valorizar a tecnologia", afirma a médica Adriana Roncoleta, de 29 anos. Ela fez parte do primeiro grupo de residentes a serem formados na especialidade pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa). "Fiquei sabendo o que era medicina de família quando estava no segundo ano da universidade, mas quando me formei, em 2001, não tinha ainda a residência. Quando soube que tinha sido criada, procurei na hora." Ela diz que muitos de seus pacientes são pessoas que precisam de cinco ou seis médicos, e se sentem perdidos e inseguros. "O médico de família é o médico da pessoa, não do estômago dela, do coração dela, da dor de cabeça dela. Atendemos e acompanhamos a vida do paciente", explica o médico Marco Aurélio Janaudis, secretário-geral da Sobramfa, uma das duas sociedades existentes no Brasil que reúne os profissionais do setor. "Quando ele precisa de um especialista, de uma cirurgia, nós o encaminhamos, mas acompanhamos os resultados, os exames, conversamos com o médico especialista", complementa Janaudis. Atenção e Sensibilidade - Esse tipo de visão auxilia principalmente pacientes que costumam peregrinar de consultório em consultório, atrás de especialistas diferentes para cada problema. "Passa uma confiança para a gente, porque o médico já sabe dos seus exames todos, dos seus problemas", diz o aposentado Benedito Aparecido Santini, de 57 anos. Ele tem diabete e vários outros problemas de saúde. Quando chegou ao médico de família, estava cansado de parar quase toda semana no pronto-socorro. A indicação partiu do Hospital Nove de Julho. "Acho que só o fato de ele ouvir a gente, perguntar como estamos, faz diferença. Foi o primeiro médico que identificou que eu estava com depressão", conta. Depois de Santini, foi a vez de a mulher começar a consultar o mesmo médico. "Eu sou hipertensa, e na época estava vendo em qual médico iria. Acabei indo no mesmo dele. Agora, ele virou o médico do meu filho e da minha nora também." No caso da bióloga Alice Siniauskas Ruiz, de 36 anos, o contato com a especialidade aconteceu por acaso, quando o marido precisou se submeter a uma cirurgia e foi Janaudis quem o atendeu. Ele passou a ser o médico do casal. Quando engravidou, Alice tinha dois médicos: o obstetra e o médico de família. "Hoje, eu, meu marido e meu filho temos o mesmo médico", diz. Gabriel, de três anos, é acompanhado por Janaudis desde a barriga da mãe. Meio-De-Campo - Esse acompanhamento integral pode evitar medicamentos e tratamentos desnecessários, além de baratear custos. "Um grande número de problemas de saúde está relacionado ao fato de um mesmo paciente se tratar com vários profissionais, que muitas vezes não se comunicam e baseiam sua abordagem na prescrição de exames e medicamentos", diz Maria Inez Padula Anderson, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). Quando existe um médico fazendo essa coordenação, e dialogando com as outras especialidades, muitos tratamentos, remédios e até mesmo consultas acabam sendo evitados - uma vantagem que algumas entidades, como a Cassi (sistema de assistência dos funcionários do Banco do Brasil) perceberam, explica Maria Inez. "Elas já estão investindo nessa especialidade." Profissional é base do atendimento em outros países - Países como Canadá, Estados Unidos , Cuba , Inglaterra, Holanda e Portugal têm no especialista em medicina de família e comunidade o principal médico na atenção primária à saúde, ou seja, é o profissional que cuida dos principais problemas de saúde da população e analisa seu contexto social e familiar. Na Inglaterra, cerca de metade dos profissionais é de especialistas na área. Nesse sistema, o foco do cuidado está na saúde do paciente com atuação preventiva - o oposto do modelo brasileiro, focado no tratamento das doenças. No Brasil, desde 1976 existe uma residência chamada Medicina Geral Comunitária, uma das primeiras que foram reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Ela ficou abandonada por muitos anos e não chegou a se desenvolver. Somente em 2002 passou por uma reformulação, foi atualizada e ganhou o nome de Medicina de Família. Hoje, o programa de formação dura três anos e é oferecido, entre outras, pela Universidade de São Paulo, pela Universidade Santo Amaro e pela Faculdade Santa Marcelina. As organizações de classe - a Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa) e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)- também têm seus cursos. A primeira é mais voltada para o atendimento privado, e a segunda, para a rede pública e a atenção comunitária.

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