O mistério da morte súbita de epiléticos

Fenômeno pouco conhecido é também raramente comentado com os pacientes; neurologistas se sentem desconfortáveis com o alerta

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Por Gina Kolata
Atualização:
Cerca de três milhões de norte-americanos e 50 milhões de pessoas em todo o mundo têm epilepsia Foto: NYT

Aterrorizada, Shena Pearson não conseguia se mover enquanto assistia a apresentação de power-point. Esse era seu primeiro encontro em uma fundação para epiléticos, em busca de ajuda para seu filho de 12 anos, Trysten, quando um neurologista exibiu um slide sobre uma coisa chamada SUDEP.

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Aquela era a sigla em inglês para a morte repentina inesperada em epilepsia. O neurologista que atendia seu filho jamais havia falado a respeito.

"Ai meu Deus, meu filho corre um risco sério", pensou Shena.

A morte repentina inesperada em epilepsia é um fenômeno pouco conhecido e raramente comentado, mas agora, depois de uma série de protestos, o governo norte-americano deu início a um programa para compreender melhor o problema. Ainda assim, uma pergunta persiste: em que momento o paciente deve ser alertado sobre o problema?

De certa forma, o fato de muitos neurologistas não se sentirem confortáveis para mencionar a morte repentina para pacientes epiléticos tem relação com a época em que era comum que médicos e familiares não contassem aos pacientes que eles tinham câncer, pois aquilo era assustador demais. Entretanto, atualmente, os pacientes são informados não apenas sobre o câncer, mas também sobre outras doenças potencialmente fatais, como um aneurisma cerebral inoperável que pode se romper a qualquer momento e matar uma pessoa. Portanto, o silêncio sobre o risco de morte em epilepsia parece ser uma anomalia.

O SUDEP funciona assim: uma pessoa com epilepsia - convulsões provocadas por picos de eletricidade no cérebro - morre sem causa aparente. Com frequência, o epilético vai se deitar e é encontrado morto na manhã seguinte. Em alguns casos, existe evidência indireta de uma convulsão, como urina nos lençóis, olhos vermelhos, ou a língua mordida, o que leva a crer que prevenir ao máximo as convulsões com a ajuda de medicamentos pode diminuir os riscos dos pacientes. Mas ainda existem muitos mistérios em torno da doença.

Os neurologistas afirmam que a morte repentina inesperada em epilepsia é a segunda causa neurológica de morte prematura, ficando atrás apenas dos AVCs. A SUDEP mata em média 2.600 pessoas por ano nos EUA - porém, inúmeros profissionais acreditam que o número real deve ser maior -, cerca de uma em cada mil pessoas com epilepsia. Para quem não controla as convulsões com medicamentos, o número pode chegar a uma em cada 150 pessoas.

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Cerca de três milhões de norte-americanos e 50 milhões de pessoas em todo o mundo têm epilepsia. Quase um terço dos norte-americanos com epilepsia apresenta episódios de convulsão, afirmou o Dr. Daniel Friedman, pesquisador da Universidade de Nova York. Isso significa que cerca de um milhão de americanos correm risco de morte repentina.

O filho de Shena tinha ao menos 24 convulsões por ano, apesar dos medicamentos. Ela não tinha coragem de contar a ele sobre o risco de morte repentina. Contudo, ele descobriu sozinho três meses depois. O garoto estava participando de um grupo de apoio a epiléticos perto de casa no Condado de Galveston, no Texas, e ouviu algumas pessoas conversando a respeito.

Shena e o filho não foram as únicas pessoas a descobrir o fato acidentalmente. Apesar de grandes organizações profissionais como a Sociedade Americana de Epilepsia e importantes pesquisadores pedirem para que os pacientes sejam plenamente informados, os neurologistas muitos vezes evitam o tema. O problema é que, ao menos por enquanto, as estimativas de risco são incertas e não há formas comprovadas de prevenir o problema.

Um estudo nacional envolvendo neurologistas revelou que pouquíssimos médicos falam aos pacientes com epilepsia sobre a morte repentina. Isso levou o Dr. William Gaillard, diretor do programa de epilepsia do Sistema Nacional de Saúde Pediátrica, a pesquisar os neuropediatras que participam de seu programa. A maioria contou que não menciona nada às famílias.

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"Muitos dos meus colegas, incluindo eu mesmo, somos criaturas paternalistas", afirmou Gaillard em uma entrevista. "Muita gente não fala a respeito porque os riscos são baixos e não há nada que possamos fazer para evitar o problema. Eles tomaram uma decisão em nome dos pacientes".

Porém, Gaillard e outros profissionais acreditam que as famílias têm o direito de saber. Além disso, afirmou o Dr. Orrin Devinsky, diretor do centro de epilepsia do Centro Médico Langone, da NYU, saber do problema pode incentivar os pacientes a trabalharem em parceria com os médicos para controlar as convulsões, já que a morte pode ocorrer logo após um episódio.

O Dr. Walter Koroshetz, diretor do Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e AVCs, enfrentou esse problema em sua própria família. Em 1990, seu pai, que apresentou um caso tardio de epilepsia, foi até a geladeira um dia para buscar algo para comer. Ele teve uma convulsão, caiu e morreu. Cinco anos antes, um tio da família do pai morreu em decorrência da SUDEP depois de também desenvolver uma epilepsia tardia. Mas Koroshetz, que já era neurologista e sabia sobre a morte repentina inesperada em epilepsia, nunca havia mencionado o problema ao seu pai.

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"Eu achava que isso não iria ajudá-lo", disse.

Muitos neurologistas afirmam que não aprenderam sobre a SUDEP na faculdade de medicina.

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"Mesmo entre os neurologistas, o problema não era conhecido, divulgado e discutido até bem recentemente", afirmou o Dr. Samden Lhatoo, professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Case Western Reserve.

Devinsky, de 59 anos, afirmou que "pessoas com formação médica em ótimas instituições e que passaram pelo meu treinamento jamais haviam abordado o problema".

Foi só quando o grupo Cidadãos Unidos pela Pesquisa em Epilepsia, ou CURE, na sigla em inglês, entrou em contato com Koroshetz e perguntou como caminhava a pesquisa sobre morte repentina inesperada em epilepsia, que o governo federal entrou em ação. Agora, o Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e AVCs deu início a um importante programa de pesquisa. Os pesquisadores afirmam que, até o momento, tudo indica que a tempestade elétrica cerebral que ocorre durante uma crise tônico-clônica - na qual a pessoa fica inconsciente e convulsiona - pode levar o coração a parar de bater a o cérebro a deixar de funcionar em algumas pessoas.

Um dos objetivos da pesquisa é descobrir a verdadeira incidência do fenômeno e estudar os cérebros de pacientes que tiveram morte repentina inesperada em epilepsia. Mas não tem sido fácil. Com frequência, especialmente entre pacientes idosos, o legista atribui a morte a problemas cardíacos, mesmo quando se sabe que a pessoa era epilética e que não há indícios de problemas cardíacos na vítima, afirmou Devinsky.

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