O que significa a menor efetividade da Coronavac em idosos acima de 80 anos

Pesquisa mostrou que a taxa de proteção chega a 28% nesse grupo após segunda dose; para autor do estudo, seria preciso aplicar reforço ou outro imunizante

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Foto do author Fabiana Cambricoli
Foto do author Renata Okumura
Por Fabiana Cambricoli e Renata Okumura
Atualização:

A menor efetividade da Coronavac em idosos acima de 80 anos, apresentada em um estudo divulgado na última sexta-feira, 21, já levanta a discussão sobre a necessidade de revacinação deste grupo ainda neste ano. Segundo pesquisa publicada, a taxa de proteção da vacina contra qualquer nível da doença em sua forma sintomática cai conforme a idade e varia de 61,8% na faixa etária dos 70 aos 74 anos a 28% acima dos 80 anos. No grupo entre 75 e 79 anos, o índice ficou em 48,9%. Especialistas esclarecem se já é o momento de pensar em um esquema de reforço ainda neste ano.

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Confira perguntas e respostas sobre a eficácia/efetividade da Coronavac:

Qual é a diferença entre eficácia e efetividade?

A eficácia é a taxa de proteção da vacina observada nos estudos clínicos, ou seja, entre os voluntários da pesquisa. A efetividade é a proteção observada "na vida real", ou seja, o desempenho do imunizante quando ele é usado em massa na população em geral. A amostra estudada nos testes clínicos é representativa e já indica a eficácia geral do produto, mas os estudos de efetividade são importantes justamente porque têm o poder de mostrar o desempenho específico da vacina em diferentes grupos populacionais, como os idosos.

O que o novo estudo apontou sobre a efetividade da Coronavac?

A pesquisa mostrou que, na média, a efetividade após 14 dias da segunda dose ficou em 42% no grupo de idosos acima de 70 anos, variando de 61,8% (70 a 74 anos) a até 28% (80 anos ou mais). Na faixa etária dos 75 aos 79 anos, a taxa ficou em 48,9%.

Esses índices diferem dos encontrados nos testes clínicos?

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Os testes clínicos da Coronavac no Brasil demonstraram uma eficácia geral de 50,7%, podendo chegar a 62% se o intervalo entre a primeira e a segunda dose for igual ou superior a 21 dias. Na maioria das faixas etárias, portanto, a efetividade em idosos foi superior ou muito similar à eficácia verificada nos estudos clínicos. A maior preocupação é sobre o grupo de idosos maiores de 80 anos.

 

Funcionário do Instituto Butantan fecha uma caixa com doses da Coronavac Foto: Amanda Perobelli/ Reuters

  

Qual é a efetividade da Coronavac contra hospitalizações e mortes entre idosos?

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Os dados apresentados na última sexta-feira referem-se à taxa de proteção global da vacina, ou seja, a efetividade dela contra qualquer grau de covid-19 sintomática entre idosos. Ainda estão sendo analisados os dados de efetividade contra internações e óbitos em pessoas maiores de 60 anos. Esse novo estudo deve ser apresentado dentro de um mês pelo grupo de pesquisa Vebra Covid-19 Brasil. 

Estudo do tipo feito no Chile e divulgado no mês passado apontou 80% de proteção da Coronavac contra mortes e 85% contra hospitalizações, considerando o período de 14 dias após a segunda dose. Os dados do estudo chileno, porém, não foram detalhados por faixa etária.

Como esses dados devem impactar o esquema atual de vacinação?

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A menor efetividade da Coronavac entre idosos mais velhos já abriu um debate sobre a necessidade de aplicação de uma dose de reforço ou novo esquema vacinal para maiores de 80 anos. Parte dos cientistas acredita ser necessário aguardar dados que avaliem o desempenho do imunizante sobre as internações e os óbitos de idosos para decidir sobre a necessidade de revacinação. Outra parte dos especialistas acredita que a oferta de um reforço será inevitável e deva ocorrer ainda neste ano.

Como os cientistas acreditam que deveria ser feita a revacinação?

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Para um dos autores do estudo, o infectologista Julio Croda, da Fiocruz, a aplicação de uma dose de reforço ou o início de um novo esquema com vacinas mais efetivas para idosos, como a da Pfizer, deveria ser feito ainda neste ano, após o término da imunização dos grupos prioritários. "Esses dados do estudo trazem evidências de que a gente tem de acelerar nossa vacinação para iniciar o mais rápido possível, quando for permitido (a revacinação). O que a gente está pensando neste momento é revacinar para prevenir ainda mais o adoecimento nesse grupo acima de 80 anos, que é o que tem o maior risco e é uma parcela pequena da população", diz.

Ele ressalta que, apesar da queda da efetividade com a idade, a Coronavac ainda tem bom desempenho, até superior ao dos estudos clínicos, para as demais faixas etárias e, por isso, deve continuar sendo usada nos demais grupos populacionais e para a segunda dose dos que ainda não a receberam.

Já Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), acredita que uma revacinação seja necessária no futuro, mas, para isso, são necessários mais dados para dar base a qualquer decisão nesse sentido. "Esse resultado não é motivo para pânico. As vacinas têm como objetivo maior reduzir internações e mortes e os dados publicados foram para qualquer nível de doença. É muito precoce decidir o que fazer agora. Esse dado isolado acende um alerta e reforça que é importantíssimo, principalmente para os mais idosos, manter as medidas de proteção", diz a médica.

Qual é a orientação para quem já tomou ou vai tomar a Coronavac?

A Coronavac confere uma proteção superior a 60% a pessoas com menos de 75 anos e deve continuar sendo usada normalmente na campanha. Aos idosos com 75 anos ou mais, apesar de a vacina conferir menor proteção, ela continua sendo importante para diminuir o risco de hospitalizações e mortes - o índice exato de proteção deverá ser conhecido em breve. Para todos os públicos, especialmente para os mais velhos, é essencial manter as medidas protetivas contra o coronavírus, como uso de máscara, higiene das mãos e distanciamento social.

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Sou idoso, tomei a primeira dose da Coronavac. Devo manter os planos de tomar a segunda?

Sim. A eficácia observada nos estudos só é alcançada 14 dias depois da segunda dose. Procure a segunda aplicação na data agendada pelo posto de saúde e, se ela estiver atrasada, coloque a dose em dia assim que a vacina estiver disponível na sua cidade.

Apenas uma dose não confere proteção?

O estudo sobre a efetividade em idosos brasileiros mostra ainda que a Coronavac não conferiu nenhuma proteção com apenas uma dose, dado especialmente preocupante diante do imenso número de brasileiros que ainda não completaram o esquema vacinal. Como revelado pelo Estadão na última terça-feira, 18,4,5 milhões de pessoas estão com a segunda aplicação da Coronavac atrasada no País. O estudo revela ainda que, entre o 1º e o 13º dia após a segunda aplicação, a proteção é de 18%.

O tema deve ser encaminhado ao Ministério da Saúde?

O infectologista da Fiocruz e autor do estudo, Julio Croda, afirmou que os dados do estudo foram compartilhados com o ministério e que a pasta estuda a necessidade de revacinação desse grupo. O Estadão solicitou entrevista com porta-vozes do Programa Nacional de Imunizações (PNI) sobre o assunto, mas não recebeu resposta.

Membro do grupo de especialistas independentes que assessora o ministério nos temas de vacinação, o imunologista Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina da USP, afirma que o tema já começou a ser discutido informalmente entre os cientistas do comitê e deve ser levado para debate no ministério.

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Podemos cogitar a necessidade de uma vacina mais efetiva aos maiores de 80 anos?

Kalil defende a ideia de oferecer uma dose de reforço ou uma vacina mais efetiva aos maiores de 80 anos assim que possível, mas admite que o debate depende da disponibilidade de imunizantes. "Particularmente acho que, depois de vacinar os mais vulneráveis, deveríamos voltar a imunizar os mais idosos, mas temos de basear isso em dados."

Qual o número de idosos com mais de 80 anos já vacinados?

Segundo dados do Ministério da Saúde, ao menos 4,2 milhões de idosos acima dos 80 anos já receberam ao menos uma dose da vacina contra a covid-19. A maioria tomou Coronavac.

O que sabemos sobre a mistura de doses na imunização contra a covid-19?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) não recomenda a mistura de vacinas diferentes. Ainda não há estudos definitivos sobre as possíveis consequências dessas combinações, mas uma pesquisa preliminar publicada na semana passada mostrou que a combinação das vacinas da Pfizer e de Oxford/AstraZeneca é eficaz e segura, mas os dados ainda precisam ser confirmados. De qualquer forma, na hipótese de idosos com 80 anos ou mais serem revacinados com duas doses de outra vacina em um novo esquema vacinal, isso não seria considerado uma mistura, já que não houve combinação de imunizantes diferentes num mesmo esquema (1ª e 2ª doses).

A eventual revacinação de idosos que tomaram Coronavac é segura?

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A aplicação de uma terceira dose de reforço da Coronavac não deverá apresentar problemas porque a vacina se mostrou segura e o intervalo entre a segunda e a terceira dose seria de meses. No caso da aplicação de outra vacina, especialistas dizem que é preciso validar o método, mas acreditam que também não haverá riscos pelo fato de a revacinação ocorrer meses depois do primeiro esquema vacinal com Coronavac.

Tenho 80 anos ou mais e tomei a Coronavac. Posso procurar doses de outro imunizante?

Não. Os idosos já vacinados não têm no momento nenhuma recomendação nem autorização para receberem doses de outro fabricante. A recomendação principal às pessoas desse grupo populacional é manter as medidas protetivas contra o coronavírus.