O remédio certo para a economia mundial

Lidar com a pandemia envolve todo o governo, não apenas o sistema de saúde

PUBLICIDADE

Por The Economist
Atualização:

Não é uma luta justa, mas é uma luta que muitos países enfrentarão da mesma forma. Onde não é debelada, a pandemia de Covid-19 dobra a cada cinco a seis dias. Quando você receber a próxima edição da revista The Economist, o surto poderá, teoricamente, ter infectado o dobro do número de pessoas de hoje. Os governos podem diminuir esse ritmo feroz, mas o tempo burocrático não é o mesmo que o tempo do vírus. E, no momento, governos de todo o mundo estão sem reação.

A doença está em 85 países e territórios, em comparação aos 50 da semana passada. Já foram registrados mais de 95 mil casos e 3,2 mil mortes. No entanto, nossa análise, baseada nas viagem de e para a China, sugere que muitos países que registraram dezenas de casos, têm centenas de outros circulando sem serem detectados. Irã, Coreia do Sul e Itália estão "exportando" o vírus. 

Segundo a OMS, alguns países não estão levando a sério a ameaça do coronavírus. Foto: Alex Plavevski/EPA/EFE

PUBLICIDADE

Os EUA registraram 159 casos em 14 estados, mas desde 1º de março, realizaram testes em apenas 472 pessoas quando a Coreia do Sul testou 10 mil por dia. Agora que os Estados Unidos estão analisando, certamente descobrirão mais casos de infecção - e possivelmente constatarão que há uma epidemia em curso.

Onde quer que o vírus ocorra, contê-lo e abrandar seus efeitos envolverá mais do que médicos e paramédicos. A Organização Mundial da Saúde aprendeu da China como os sistemas de saúde devem lidar com o problema. A mesma atitude será necessária em todo o governo, especialmente no que diz respeito à proteção das pessoas e das empresas, pois as cadeias de suprimentos se rompem, e os temerosos e doentes se isolam.

A primeira tarefa é conseguir mão de obra e recursos para os hospitais. A China convocou 40 mil trabalhadores da saúde para a província de Hubei. A Grã-Bretanha pode convocar médicos que já estão aposentados. Nesta semana, o Banco Mundial disponibilizou US $ 12 bilhões e o FMI, US $ 50 bilhões, para o combate ao covid-19. 

O Fundo Global, destinado ao combate de doenças como malária e tuberculose, disse que os países poderão trocar verbas. Nos Estados Unidos, o Congresso está alocando US $ 8,3 bilhões em financiamento. O país possui alguns dos hospitais mais avançados do mundo, mas seu sistema de saúde fragmentado tem pouca capacidade disponível. Será necessário muito mais dinheiro.

Igualmente importante é retardar a propagação da doença, fazendo com que os pacientes a se apresentem para se submeterem a testes enquanto os surtos forem pequenos e possíveis de conter. Talvez isto não seja possível em muitos países, incluindo grande parte dos Estados Unidos, onde 28 milhões de pessoas estão sem cobertura de saúde e muitos mais precisam pagar grande parte de seu próprio tratamento.

Publicidade

As pessoas também precisam se isolar se tiverem sintomas leves, como cerca de 80% deles têm. Aqui (nos Estados Unidos) a licença médica é importante porque muitas pessoas não podem se dar ao luxo de perder um dia de trabalho. 

Nos Estados Unidos, um quarto dos funcionários não tem acesso à licença médica paga e apenas um ou outro estados e prefeituras oferecem benefícios por doença. Muitas vezes, os trabalhadores autônomos, 20% da força de trabalho da Itália, não se qualificam. Um estudo constatou que, em epidemias, a garantia do subsídio por doença reduz a propagação da gripe nos Estados Unidos em 40%.

A licença médica também ajuda a amenizar o ônus da demanda que, juntamente com um choque de oferta e o pânico geral, está atingindo as economias. Esses três fatores, como mostra a China, podem ter um efeito dramático na produção. Em fevereiro, a atividade manufatureira despencou desde que este dado começou a ser levantado vez em 2004. No trimestre até março, a economia como um todo encolheu pela primeira vez desde a morte de Mao Zedong.

A OCDE prevê que, este ano, o crescimento global será o menor desde 2009. Estudo da Universidade Nacional Australiana sugere que o PIB dos EUA e da Europa será 2% menor do que se não tivesse ocorrido a pandemia, e talvez 8% menor se o número de mortes for muitas vezes maior que o esperado. Nos mercados financeiros, as quedas das bolsa expressam o medo. A emissão de títulos da dívida das empresas em Wall Street praticamente parou. O rendimento dos títulos do Tesouro de dez anos caiu abaixo de 1% pela primeira vez na história.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Nos países ricos, os esforços econômicos têm procurado na maior parte acalmar os mercados financeiros. No dia 3 de março, o Federal Reserve (Banco Central americano) cortou os juros quinze dias antes da reunião (do Comitê) de sua política monetária, e em meio ponto percentual, corte considerado inusitadamente alto. Os bancos centrais da Austrália, Canadá e Indonésia também agiram. O Banco da Inglaterra e o Banco Central Europeu também deverão flexibilizar a sua política.

Entretanto, esta desaceleração não é uma crise econômica prevista nos manuais. A redução dos juros facilitará o custo dos empréstimos e dará mais confiança, mas todo o crédito barato não conseguirá impedir que as pessoas adoeçam. A política monetária não pode reparar a interrupção das cadeias de suprimentos ou tentar as pessoas ansiosas a se arriscarem a sair. Estas limitações óbvias ajudam a explicar por que motivo os mercados de ações não se recuperaram depois do corte do FED.

Será melhor respaldar a economia diretamente, ajudando as pessoas e as empresas afetadas a pagarem as contas e tomarem dinheiro emprestado, se precisarem. Para os indivíduos, a prioridade deveria ser o pagamento da assistência médica e a concessão de licenças médicas remuneradas. 

Publicidade

O governo Trump estuda a possibilidade de pagar as contas de alguns hospitais para as pessoas que têm o vírus. O governo do Japão cobrirá os salários dos pais que ficam em casa para cuidar dos filhos ou dos parentes; o de Cingapura ajudará os motoristas de táxis e seus chefes cujos funcionários foram afetados pela doença. E haverá necessidade de muitas outras iniciativas do gênero.

Para as companhias, o grande problema será a liquidez. E embora este choque não deva se igualar à crise financeira, este período mostrará como fazer frente a um aperto de liquidez. As empresasque perdem faturamento terão de encarar as contas de impostos, salários e dos juros. Aliviar esta carga, enquanto a epidemia durar, poderá evitar falências e demissões desnecessárias. O perdão temporário dos impostos e dos custos dos salários poderá ajudar.

Os empregadores podem ser encorajados a optar pela redução dos expedientes para todos os seus empregados, em lugar de demitir alguns deles.

As autoridades poderão fundar bancospara oferecer empréstimos a empresas com graves problemas, como fizeram durante a crise financeira e como a China está fazendo hoje. A Chinatambém está mandando aos bancos irem com calma com os devedores inadimplentes. 

Os governos ocidentais não podem fazer isto, mas é do interesse dos credores, em todas as partes do mundo, mostrar tolerânciapara com os tomadores com aperto de caixa, assim como os bancos fizeram para os funcionários do setor público durante o fechamento do governo dos EUA em 2018-19.

 Existe tensão. A política da área de saúde visa poupar os hospitais baixando o pico da epidemia para que seja menos intensa, ainda que se prolongue. Por outro lado, a política econômica visa minimizar o período de fechamento das fábricas e a ausência da mão de obra. Os governo por fim terão de encontrar o justo equilíbrio. Entretanto, hoje, estão tão atrasados em relação à epidemia que a prioridade terá de ser reduzir o seu avanço. / Tradução de Anna Capovilla

© 2020 The Economist Newspaper Limited. Direitos reservados. Publicado sob licença. O texto original em inglês está em www.economist.com

Publicidade