O tempo parece passar rápido ou devagar demais na pandemia? Entenda

Ansiedade, relógio biológico, luto: em cada situação, o tempo parece correr num ritmo. Ele pode ser aliado ou vilão, mas é possível ao menos (tentar) controlá-lo. Veja o que dizem os especialistas

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Por Ana Lourenço
Atualização:

Segundo o antropólogo Laércio Fidelis Dias, o tempo pode ser definido como “uma percepção de um movimento contínuo, do qual não temos controle, mas que podemos significar essa experiência e encontrar sentidos que confiram valor para as nossas vidas”. Momentos que passam rápido demais, dias que parecem não passar, encontros que lembramos distantes, mas que, na verdade, ocorreram ontem, e conversas recentes, porém realizadas anos atrás. 

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É normal ficar “perdido no tempo” – especialmente na pandemia. Afinal, nossa percepção muda conforme o humor, momentos da vida ou como certas situações marcantes. “A relação com o tempo é muito tocada pela qualidade emocional do que você está vivendo. Eu sou da área da psicologia analítica e aqui nós falamos que existem duas vivências do tempo: o Chronos e o Kairós. O primeiro é o cronológico, da data para entregar um trabalho, por exemplo. Já o Kairós, não é o tempo racional, mas sim do significado, da oportunidade”, explica a psicóloga Ana Lucia Pandini.

Uma das formas mais clássicas de domesticar o tempo, para proporcionar certa ordem para a sociedade, são os calendários. Ou seja, vivemos o tempo Chronos muito mais do que o Kairós, porém, durante a pandemia, ambos foram prejudicados justamente pela falta de experiências marcantes. 

“O Kairós faz a gente entrar em contato com a plenitude da vida, com a criatividade interior, com a nossa originalidade mais profunda. É aquele tempo que é gostoso de ser vivido. Mas o estresse, o medo e a angústia provoca desgastes físicos e mentais o que fazem a gente ter a percepção de que o tempo Chronos está se arrastando”, diz Ana. 

A rotina de ficar em casa durante o isolamento fez parecer que os dias eram todos iguais, o que gerou a estranha sensação de que estamos ainda em 2020, como se a pandemia fosse um grande ano em vez de dois. “Isso é uma vivência muito difícil e ansiógena para todo mundo. As marcas do tempo, como festas de fim de ano, encontros, vão se dissolvendo, e as pessoas têm essa sensação de que é o ano que não acaba”, completa ela. 

A publicitária Luiza Carvalhoenfrentouansiedade generalizadae burnout na pandemia Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Ansiedade: o futuro presente o tempo todo

A abrupta mudança do dia a dia veio junto com sofrimentos psíquicos e muita ansiedade, algo que a publicitária Luiza Carvalho, de 35 anos, conhece bem. Desde 2009, diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada, ela se trata, mas a pressão de produtividade do trabalho e a similaridade entre os dias fizeram com que o burnout também viesse à tona. “Um dia, em outubro do ano passado, eu apaguei, não conseguia fazer mais nada e estava em casa”, lembra. “Essa coisa de ter uma reunião atrás da outra, de não ter respiro, eu estava sem fazer esporte (muito importante para minha saúde mental). Tudo isso fez com que eu entrasse em desespero.”

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Para aqueles que sofrem com ansiedade, o tempo dura muito – afinal, o futuro se faz presente o tempo todo. “A pandemia fez com que todo mundo passasse por um período de muita ansiedade, só que nós, que já éramos ansiosos, já sabíamos viver com esse sentimento de não saber o que vai acontecer, então eu me senti mais parecida com as outras pessoas, pela primeira vez na vida”, declara.

A questão é: quão grande ou pequeno esse ‘agora’ precisa ser? Quanto tempo você quer que dure o agora?

Alan Burdick, escritor

Como 'domesticar' o tempo 

Uma das formas tradicionais de “domesticar” o tempo são os calendários. A partir deles, conseguimos uma experiência cultural de ordenação. “Um relógio ou um calendário informa quanto tempo se passou desde um certo ‘agora’ – e quanto tempo resta antes de algum ‘agora’ futuro”, pontua Alan Burdick, escritor e autor do livro Por Que o Tempo Voa? (Editora Todavia). “A questão é: quão grande ou pequeno esse ‘agora’ precisa ser? Quanto tempo você quer que dure o agora?”, reflete.

Horas, semanas e anos são importantes na organização do dia a dia, mas é como você preenche esse período que o faz “valer a pena”. Em Oração ao Tempo, por exemplo, Caetano Veloso o descreve como “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos”. A canção, aliás, resume bem a vida da empresária Viviane Vieira, de 49 anos. Depois de três inseminações artificiais, ela ficou grávida aos 43 anos das gêmeas Ana Luisa e Sofia, hoje com 5 anos, de forma natural. “O processo foi muito desgastante, no sentido psicológico e teve também a questão financeira”, conta. Para dar um tempo e refletir sobre o processo, ela decidiu parar o tratamento por oito meses. Nesse período, ela e o marido fizeram uma viagem para espairecer.

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“Lá, eu senti uma tontura muito grande, mas não me ocorreu fazer um exame de farmácia, talvez porque de forma inconsciente eu não queria passar por um erro de novo”, diz. O exame de sangue confirmou: Viviane estava grávida. “Eu não tive essa pressão do relógio biológico, até porque eu não tinha consciência de que após os 35 anos existe uma baixa de óvulos muito grande na mulher”, conta. “Por um lado foi positivo, porque a gente aproveitou muito o nosso casamento. Mas hoje a questão do tempo me preocupa. Ou seja, quero estar com saúde para viver muitos anos e curtir muito as minhas filhas. Quando elas tiverem 20, eu vou ter 64, então a gente tem essa preocupação de deixar elas encaminhadas e serem independentes.” 

Durante a pandemia, para otimizar o tempo, as três passaram a cozinhar juntas. Assim, nasceu o estabelecimento da mãe, a casa de pães artesanais Sabor do Minho.

Na corrida contra o tempo, Viviane Vieira foi mãe das gêmeas Sofia e Ana Luísa aos 44 anos Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

Mecanismo do luto

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O tempo é limitado. Essa é uma verdade para todas as criaturas vivas, mas nós, humanos, somos a única espécie que vive com isso em mente. Com a pandemia, o lembrete ficou ainda mais forte. “O luto me ensinou a viver o presente. Eu não sei se vou estar aqui daqui a dez anos, então eu penso em como posso ser feliz hoje, como eu posso aproveitar”, afirma a estudante Vitória Sterzza, de 22 anos. Em março de 2020 ela perdeu sua mãe, sua avó e seu tio para a covid-19. 

“Do dia para a noite você perde aquilo que era constante, que estava com você o tempo todo. Isso me fez parar no tempo. Tinha a sensação de que estava num filme de terror, que tinham me jogado ali e que o tempo não corria. Era como se todos os dias fossem o dia seguinte da morte da minha mãe”, diz. “Então o mesmo tempo que na época foi meu pior inimigo, porque ele não passava, hoje eu olho para trás e vejo o tanto que eu cresci. Ele me fez entender e aceitar”, conta. 

Em uma cultura de ansiosos, queremos tudo para ontem. Não é permitido dar “tempo ao tempo”, algo fundamental durante o processo de luto. “Só se cura com o tempo. Claro que uma ajuda psicoterapêutica, o apoio das pessoas, é fundamental. Porém, todo ser humano precisa de um ano, dois anos, quanto for, para que sua alma e psique elabore esse processo de partida, de despedida, de separação, de perda”, explica ainda a psicóloga.

O tempo é subjetivo, assim como o processo de desenvolvimento da psique humana. Em vez da tradicional linha do tempo, vivemos numa espiral, na qual podemos passar pelas mesmas situações diversas vezes – às vezes de maneira mais intensa do que em outras, mas sempre em movimento. Por isso, uma mesma situação pode passar rapidamente ou mais devagar, a depender do nosso humor e companhia. 

“Um estudo conduzido em lares geriátricos descobriu que as pessoas que dizem que ‘o tempo está passando rapidamente’ tendem a ser mais felizes e ativas, enquanto aquelas que afirmam que o tempo passa lentamente tendem a ser inativas e deprimidas. Ser mais feliz fazia o tempo passar rapidamente? Ou o tempo passou rapidamente porque elas eram mais ativas? Elas estavam felizes porque eram ativas, ou eram mais ativas por serem mais felizes?”, indaga Alan. 

“Passei a pensar no tempo quase como uma linguagem – uma linguagem universal, a língua comum da vida. Somente por meio dele podemos nos conectar; nossa capacidade de compartilhá-lo é o que nos define como espécie social, na verdade, como criaturas vivas.

Ansiedade, relógio biológico, luto, pandemia: em cada situação,o tempo parece correr mais rapidamente ou devagar. Ele pode seraliado ou vilão, mas é possível ao menos (tentar) controlá-lo Foto: Unsplash/Danial Mesbahi

Para fazer o tempo parar

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Meditar, meditar e meditar. Para ficar no aqui e agora, o mindfulness ou meditação ativa é a melhor opção. Para isso, faça somente uma coisa, não duas ou mais, de cada vez e fique 100% atento ao que está fazendo. Para ter um pouco mais de controle do tempo, estabeleça metas diárias e mensais.

Para fazer o tempo voar

Faça uma chamada de vídeo com seus melhores amigos, prepare sua comida favorita ou dance pela sala sozinho. Normalmente, quando dizemos “uau, o tempo realmente passou voando”, o que queremos dizer é “perdi a noção do tempo”, o que acontece quando estamos muito felizes ou mais ocupados, como se não houvesse tempo suficiente para fazer todas as coisas que precisamos fazer. Sensação, aliás, bem comum no fim de ano.

Para assistir e discutir sobre o tempo

Beleza Oculta (GloboPlay), de David Frankel, e Questão de Tempo (Star+), de Richard Curtis. Em clássicos como De Volta Para o Futuro, Click, Matrix ou Feitiço do Tempo dá para perceber a adoração humana por falar sobre a passagem dos dias. Para quem é de documentário, vale a pena conferir Quanto Tempo o Tempo Tem? (Netflix), de Adriana Dutra e Walter Carvalho. 

Para refletir

É comum procrastinarmos tarefas – seja no trabalho, estudos ou na vida pessoal. Acontece que isso só contribui para a ansiedade, uma vez que vemos a lista de atividades só aumentar. Para ajudar, se pergunte quanto afetará seu futuro terminar ou não aquela tarefa, adiar aquele encontro ou desmarcar um compromisso. “A pandemia é um lembrete bastante enfático de que a vida é finita e pode ser efêmera. Ao mesmo tempo, nos convida a selecionar todas as experiências que podemos ter na vida, aquilo que seja mais significativo”, afirma Laércio.

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