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OMS combate uma epidemia além do Coronavírus - uma 'infodemia'

Organização Mundial da Saúde vem trabalhando com redes sociais como Facebook, Twitter, Pinterest e também com o Google para combater a disseminação de fake news sobre a doença

Por Matt Richtel
Atualização:

SÃO FRANCISCO - Com a ameaça do coronavírus crescendo, Aleksandra Kusmanovic sentou-se diante do seu computador, em Genebra, na segunda-feira, e enviou um importante e-mail de saúde pública. Ela trabalha na Organização Mundial da Saúde (OMS) e seu trabalho é avaliar e conter algo que vem se propagando globalmente, e não se trata do perigoso vírus, mas de informações falsas perigosas.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, e o presidente do comitê de emergência,Didier Houssin, durante reunião do grupo Foto: Christopher Black/OMS/Reuters

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Seu objetivo é acabar com o que seus colegas dentro da organização estão chamando de “infodemia”.

Ela enviou o e-mail a um contato no Pinterest, rede social focada no compartilhamento de imagens e sediada em São Francisco, perguntando se o site ajudaria a OMS a combater a propagação de desinformação, mentiras e rumores sobre o novo vírus.

E a empresa aceitou. A partir da noite de quinta-feira, quando os usuários do Pinterest realizarem buscas sobre o vírus, eles terão um link para uma página de “destruidores de mitos” da OMS.

Desde que o vírus eclodiu, Kuzmanovic e seus colegas mantêm contato regular com os maiores e mais poderosos difusores de informação - como Facebook, Twitter e Google, e outros influenciadores, em todo o globo.

Na próxima semana, Andrew Pattison, diretor de soluções digitais da Organização Mundial da Saúde, viajará para Menlo Park, Califórnia, para visitar a sede do Facebook, que organizou uma reunião de 20 grandes companhias de tecnologia, incluindo Uber e Airbnb, quando ele irá solicitar mais ajuda. “Gostaria de ver o Airbnb dando conselhos a pessoas que viajam sobre o coronavírus”, disse ele.

Pattison pretende se reunir também com dirigentes da Amazon em Seattle, na esperança de que a gigante do e-commerce forneça informações de saúde precisas quando as pessoas comprarem coisas como máscaras de proteção ou respiradores, ou mesmo livros que já vêm circulando sobre a crise e que podem conter informações incorretas. Os esforços da OMS são uma nova tentativa de amplo alcance para reinventar o que tem sido uma luta fracassada contra a desinformação.

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Fábrica produz máscaras de proteção contra contaminações virais na Tailândia Foto: Rungroj Yongrit/EPA/EFE

Nas duas últimas semanas, empresas de tecnologia que trabalham com a OMS têm postado links para o conteúdo da organização, tornando mais difícil encontrar informações falsas em buscas ou em noticiários e, às vezes, removendo o conteúdo completamente.

As empresas, como Google, Facebook e Twitter, não deram entrevistas a respeito, mas confirmaram que o trabalho que vem realizando com a OMS se insere nos seus esforços para combater as falsas informações sobre o coronavírus. Elas também estão trabalhando independentemente da OMS com objetivo de eliminar a desinformação sobre o vírus.

E vêm se deparando com uma série de afirmações falsas, como a de que o coronavírus foi criado como uma arma biológica ou foi financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates para aumentar a venda de vacinas. Ou então que a pessoa pode se curar comendo alho ou ingerindo uma mistura de água sanitária (o que pode levar a uma insuficiência hepática). Essas ideias, como o próprio vírus, são facilmente transmitidas de modo inconsciente ou insidioso e se espalham quase que invisivelmente através do vasto mundo virtual.

A realidade é que o coronavírus é uma infecção respiratória que se propaga rapidamente e que teve origem em Wuhan, na China. A maioria dos casos e quase todas as mortes ocorreram na China, embora o vírus tenha chegado a dezenas de países nas últimas semanas.

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A desinformação sobre o vírus tem sido impulsionada por ideólogos que não confiam na ciência e em medidas comprovadas, como vacinas, e por aquelas pessoas que buscam tirar proveito para aumentar o tráfego na internet com histórias absurdas e ganhar com isso, vendendo “curas” ou produtos para saúde e bem-estar.

Os trabalhos preliminares de coordenação em torno do coronavírus começaram há dois anos, quando Pattison se dirigiu ao diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesys, e sugeriu um esforço concentrado para se unir a gigantes da rede social com o fim de combater a desinformação no campo da saúde. 

Hoje uma meia dezena de funcionários da organização em Genebra trabalha no assunto associados com websites digitais e de rede social. E com o tempo o trabalho tem se intensificado. Por exemplo, em agosto do ano passado, Pinterest se uniu à OMS, fornecendo um link para informações precisas sobre vacinas quando as pessoas fazem buscas desse tópico na plataforma.

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Ifeoma Ozoma, gerente de políticas públicas e impacto social no Pinterest, disse que a companhia “trabalhou com a OMS no ano passado com o objetivo de “garantir às pessoas o encontro de informações confiáveis quando isso é realmente importante”.

A OMS não exige dinheiro, e não paga, no caso dessas parcerias, disse Pattison. Mas elas já vêm dando resultados concretos.

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O Google lançou o que chamou de “SOS Alert”, que direciona as pessoas que buscam por “coronavírus” para notícias e outras informações da OMS, incluindo a conta da organização no Twitter, que foi ampliada para incluir informações não apenas em inglês, mas também em francês, espanhol, chinês, árabe e russo. A OMS está trabalhando também com a rede social chinesa WeChat para adicionar um feed de notícias com informações corretas traduzidas em chinês pela OMS.

A organização de saúde tem trabalhado especialmente com o Facebook. A empresa usa especialistas em checagem dos fatos que sinalizam a desinformação que chama sua atenção através de programas de computador que identificam senhas e tendências suspeitas. Essas postagens são ocultadas dos feeds de notícias ou, em casos raros, removidas completamente.

Outras empresas de tecnologia emitiram comunicados públicos de apoio à OMS. Kang Xing Jim, diretor da área de saúde do Facebook, disse que a plataforma social “vem fornecendo informações relevantes e atualizadas, e trabalhando para limitar a difusão de informações falsas e de conteúdo prejudicial com base em diretrizes da OMS”.

Apesar dos esforços, centenas de milhares de pessoas têm consumido dezenas de informações falsas sobre o coronavírus nessas plataformas e em outras, como Reddit e a rede social chinesa TikTok, e outros websites menores. No Tik Tok, apareceram vídeos mostrando a conspiração Gates que foram visualizados mais de 160 mil vezes, mas depois retirados.

O campo para essas informações falsas é fértil, dizem especialistas. Segundo Sarah E. Kreps, professora na Cornell University, as pessoas que propagam deliberadamente informações distorcidas praticam “o capitalismo algorítmico”, espalhando notícia assustadora para se beneficiar.

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Os exemplos são muitos. Infowars, um website de extrema direita que promove teorias de conspiração e fake news, foi banido em vários sites de mídia social, mas continua anunciando remédios pseudocientíficos diretamente através das suas próprias lojas. Uma notícia distorcida sobre o coronavírus apareceu num vídeo do Infowars em 22 de janeiro, onde se afirmava que o vírus podia ser parte de um complô para diminuir a população.

“Os globalistas e o “deep state” (Estado profundo) declararam guerra à humanidade. Eles odeiam a vida humana. Por isso, matam bebês”, dizia o apresentador no vídeo.

Próximo do quadro em que o vídeo aparece, está um anúncio de um produto para gargarejo que, segundo o anunciante, “tem por fim auxiliar seu sistema imunológico como nenhum outro e foi cientificamente provado”.

Entretanto, segundo reportou a Clínica Mayo, o ingrediente mencionado no produto, prata coloidal, não comprovou ser seguro ou eficaz no tratamento da doença. E mesmo a loja do Infowars onde o produto é vendido informa, no momento da venda, que “não tem por finalidade diagnosticar, tratar, curar ou evitar qualquer tipo de doença”.

A diretora de pesquisa no Stanford Internet Observatory, Renée DiResta, que estuda a propagação de falsas narrativas, descreveu essas tentativas de distorção no caso do coronavírus como produto de um “ecossistema de conspiração” que recorre a “posições contrárias a vacinas, teóricos de conspiração e pessoas com modalidades de saúde alternativas que querem promover e ter um incentivo econômico”

“Elas igualam as grandes empresas farmacêuticas a traficantes de drogas e depois lhes dizem como o seu cogumelo ou óleo é o seu meio de curar”. Ao mesmo tempo, disse ela, a coordenação em torno do coronavírus mostra bem a realidade que as redes sociais têm poder de confrontar informações falsas.

“Isso prova que quando as plataformas decidem agir, elas podem ser muito influentes. Isto diminui seu desespero e diz que não temos poder ou capacidade para controlar a informação”. / TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO

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