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Paciente internado há 500 dias sonha com vida fora de hospital psiquiátrico

Dependente químico, 'João' está há 500 dias em hospital do interior paulista; internação inicial duraria apenas um mês e meio

Foto do author Fabiana Cambricoli
Por Luiz Fernando Toledo e Fabiana Cambricoli
Atualização:
'Quero viver minha vida'. Em 16 meses, João ganhou 35 quilos; quando sair, ele deseja voltar à academia Foto: TUCA MELGES

João (nome fictício), de 32 anos, faz planos para quando deixar o hospital psiquiátrico. “Vou comer um pratão de frango grelhado com batata doce, comprar suplementos e voltar a fazer academia.” O ritmo acelerado tem motivo: desde que foi internado na Associação Hospitalar Thereza Perlatti, em Jaú, pelo vício em crack e maconha, ele conta ter engordado 35 quilos. Já são mais de 500 dias sob os cuidados da equipe médica. O paciente não tinha ideia de que ficaria tanto tempo no mesmo lugar para se tratar. Desde então, divide a rotina entre as atividades terapêuticas e os exercícios físicos. “Nos braços eu estou bem. O problema é perder a barriga”, diz o paciente, depois de levantar alguns pesos.

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João chegou ao hospital por medida judicial depois de, sob efeito de drogas, agredir o irmão em casa por um desentendimento que considerou “fútil”. Ficaria 45 dias para o processo de desintoxicação, mas sucessivos pedidos da mãe à Justiça fizeram com que o prazo aumentasse para “tempo indeterminado”, expressão que tem se tornado cada vez mais comum nas internações que chegam ao hospital de Jaú. Assim como ele, um total de 23 pacientes com alta médica permanecem internados no local.

“Eu quero sair. Preciso me testar, sei que não vou mais usar droga. Preciso ficar perto da minha família, retomar a minha vida. Já dei muito desgosto para a minha mãe”, lamenta João.

Mas a mãe do rapaz parece não ter tanta certeza da melhora. É ela a responsável por pedir à Justiça que a internação compulsória continue. “Já briguei muito com ela. Quando chegou a 90 dias, tive um surto e falei para os médicos que eu ia embora. Demorei para entender que eu precisava de ajuda.” A reportagem pediu ao hospital que convidasse a mãe para a entrevista, mas não obteve retorno. “Quando o paciente fica sabendo que não pode sair, ele se revolta porque já cumpriu o tratamento. Eles ficam com raiva da família e há até o risco de prejudicar outros pacientes novos”, diz a superintendente técnica do hospital, Suzana Ragazzi.

Outro problema é o da demanda reprimida: enquanto João ocupa uma vaga sem indicação médica, outros 68 municípios da região encaminham, mensalmente, ao menos 60 pacientes que precisam de uma internação no local, mas não podem entrar por falta de vagas. “Não podemos ser usados como cárcere privado”, diz o psiquiatra Carlos Manuel Cristóvão.

Infância. O caminho das drogas chegou cedo para João. Nascido em um bairro da periferia de Jaú, experimentou cigarros aos 7 anos e, aos 11, pulava os muros da escola para fazer “bico” de olheiro para traficantes da vizinhança. Em troca, recebia chocolate, refrigerante e até cerveja. Aos 14, teve o primeiro contato com o crack e se viciou. Depois, teria idas e vindas com a droga.

A dependência, segundo ele, veio de traumas da infância. “Minha família tinha uma casa, dois terrenos e um bar. Tudo para termos uma vida boa. Mas meu pai cheirava cocaína e, por várias vezes, vi ele bater na minha mãe.” Em um dos episódios, conta João, ele próprio foi alvo das agressões. “Ele (o pai) deu um soco em mim e eu fiquei desacordado”, relata.

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Quando conseguiu o primeiro emprego formal, em um restaurante, ia a pé para economizar o vale-transporte e gastá-lo com drogas. O álcool também entrou na rotina. “Fui até internado uma vez (por causa do alcoolismo), por 15 dias, mas de forma voluntária.”  O último exame feito pelo paciente a pedido do juiz para avaliar sua liberação foi em dezembro de 2016, mas, até agora, a clínica não obteve o resultado. “Sei que estou melhor e quero viver minha vida”, diz João.

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