Pacientes sem ar e profissionais com medo lutam juntos para sobreviver ao coronavírus

Instituto de Infectologia Emílio Ribas é referência pública em São Paulo e está lotado de pacientes com covid-19

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:

Das 30 pessoas que, na sexta-feira, 24, estavam internadas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, primeiro centro médico paulista a lotar por causa do coronavírus, sete tiveram falência renal e precisam de hemodiálise. O esforço para respirar é tanto que os rins ou o sistema digestivo podem parar de funcionar, de modo que respiradores são apenas um dos equipamentos vitais para sobreviver à doença.

Médicos e enfermeiros fazem procedimento em paciente com mais de 80 anos no Hospital Emílio Ribas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A técnica de hemodiálise Eva Betânia Fiori, de 50 anos, começa a detalhar isso ao Estado. Mas logo marejou os olhos e saiu totalmente do tema. “O mais difícil é perder tanta gente.” Ela perdeu um amigo há alguns dias, enfermeiro do Hospital Heliópolis que contraiu coronavírus. Também já viu a morte de pacientes. E relatou sentir medo de contrair a covid-19, e mais ainda de infectar marido, filhos, nora e neto. “Quando o aparelho (da hemodiálise) apita, temos de nos paramentar (com os equipamentos de proteção) rápido”, afirmou a técnica, ao falar do riscos que enfrenta, sem desistir. 

Mesmo os pacientes que estão na enfermaria, menos graves, chegam no Emílio Ribas com uma série de debilitações por causa da dificuldade de respirar. A fraqueza decorrente do esforço para tomar ar faz com que não se alimentem. Não têm força para mastigar. “Alguns chegam em jejum”, conta a chefe da nutrição clínica do hospital, Miriam Barcha Schlesinger, de 48 anos. 

Enfermeiros do hospital Emílio Ribas preenchem documentação de pacientes. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

No passado, no Emílio Ribas, os nutricionistas sentavam ao lado do paciente, os entrevistavam e definiam a dieta. Agora, dada a facilidade da propagação da doença, a equipe evita entrar nos quartos e escolhe o cardápio com base nos prontuários. Precisamos economizar os EPIs (equipamentos de proteção individual). Às vezes, conseguimos ligar para o paciente e tirar alguma dúvida”, afirmou Miriam. Como não conseguem digerir e estão fracos, os pacientes em geral recebem suplementos alimentares fáceis de engolir e hipercalóricos.

A falta de ar traz um dilema. De um lado, há a necessidade dos respiradores, vitais para ajudar o corpo a receber oxigênio e fazer as trocas de gases que mantém o organismo funcionando. De outro, se forem usados durante muito tempo, enfraquecem a musculatura dos pulmões. Por isso, os pacientes também precisam de fisioterapia. “Eles recebem fisioterapia tanto na UTI quanto na enfermaria”, conta Graziela Ultramari Domingos, chefe dos fisioterapeutas. É quando saem da UTI que o trabalho é mais vital, explica ela.

O hospital

O Emílio Ribas é uma instituição centenária (existe desde 1880) que sempre recebeu pacientes de doenças infecciosas. Tratou varíola, gripe espanhola, meningite, aids. É o lugar do Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo que serve de barreira para doenças que podem se espalhar. 

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A auxiliar de enfermagem Monica Cordeiro, de 45 anos, 22 de Emílio, já estava no centro médico no combate ao último grande surto, de H1N1, de 2009. “A diferença do H1N1 para agora é que, agora, perdemos muito mais gente”, disse a auxiliar, também marejando os olhos. “Os pacientes morrem mais.” Havia para a H1N1 o remédio Tamiflu.

Antes da crise, os pacientes, na maioria, tinham aids, e a preocupação era evitar que os internados se contaminarem com doenças trazidas pelos enfermeiros. “Antes, era a gente que tinha de tomar cuidado para não levar nenhuma doença para eles”, conta Monica. Agora, a preocupação é não se contaminar, levar o coronavírus para a rua e para casa. 

Os funcionários estão trabalhando mais. Têm mais funções, mais gente para cuidar. Eram 12 os leitos de UTI. Se dizem exaustos, mas gostam de trabalhar ali. “Aqui não falta equipamento de proteção individual, temos como nos proteger. É diferente do que está acontecendo na rede municipal”, disse a também enfermeira Flávia Santos, de 43 anos.

Museu do Hospital de Isolamento, que combateu a varíola em 1880 e deu origem ao atual Emílio Ribas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Parte da razão de o Emílio ter lotado tão rápido é a pouca quantidade de vagas. São 30 leitos de UTI, e antes da crise eram apenas 12. O hospital passa por reforma desde 2013, o que reduzia a capacidade de atendimento. Há um mês, dois dos nove andares estavam fechados. 

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Agora, as obras aceleraram. O oitavo andar, que havia sido projetado para ser enfermaria, foi adaptado para virar uma das novas UTI. Cada quarto tem dois leitos, com os equipamentos necessários a uma terapia intensiva. Na UTI antiga, do terceiro andar, os quartos são câmaras de vidro, individuais. 

No térreo, o aspecto de prédio em reforma é mais claro. UTIs e enfermarias são alas com aspectos parecidos com locais da rede privada, mas no térreo há chão em concreto cru e paredes sem reboco.

É no térreo que fica o pronto-socorro, que nesta segunda-feira passará a ser “portas abertas” – ou seja, atenderá pessoas sem encaminhamento prévio para atendimento da covid-19.

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“O paciente fará a ficha aqui na recepção, e mostrará seus documentos pelo vidro, sem que a atendente pegue neles. Depois, aguarda na espera pela triagem”, explica a auxiliar de enfermagem Antonilma Argolo, de 53 anos, funcionária do Emílio Ribas há 15. “Ele pode ser orientado para ir embora ou ser encaminhado para o terceiro andar, onde fica a enfermaria.” 

Nilma, como se apresenta, detalha que a mudança deve afetar outros pacientes. “Ontem, veio aqui um paciente com HIV, que estava com uma ferida na região genital. Nós tivemos de encaminhá-lo para outro hospital”, conta. Antes do coronavírus, ali seria o melhor lugar para ser atendido.

UTI

Com 40 leitos de UTI em operação e mais 10 a caminho, os funcionários esperam que a nova infraestrutura se mantenha após a crise do coronavírus. “O Emílio Ribas deverá ser o último hospital a ser desmobilizado”, disse o infectologista Ralcyon Teixeira, diretor da divisão médica do hospital. 

Teixeira conversou com o Estado dentro da UTI do terceiro andar, na frente de um dos quartos. Dentro dele, havia um homem de 52 anos, ora acordado, ora de olhos fechados. “O corpo resiste ao respirador”, conta o infectologista, o que faz com que os pacientes fiquem muitas vezes sedados. A observação na UTI é se o paciente consegue ficar acordado sem o aparelho. É o indicativo de que pode ir para o quarto. Metade dos pacientes tem menos de 60 anos, idade que faz a fronteira entre o grupo de risco do coronavírus e o restante da população. 

Funcionários colocal EPI para transitar pelocentro de triagem para casos suspeitos de Covid-19. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Isolados e sozinhos, os pacientes não têm contato com o mundo de fora. “Cada paciente recebe em média 20 visitas diárias”, contou Teixeira. São visitas para medicação, alimentação e higiene. Os enfermeiros entram em grupos, tanto para otimizar o trabalho, que é pensado antes da entrada no quarto, quanto para economizar os EPIs. 

“Eles perguntam quando vão melhorar”, conta Teixeira, 16 anos de infectologia e 10 de Emílio Ribas, “Quando estão na enfermaria, querem saber se terão de ir para a UTI”, diz. o resultado é uma diferença entre sentimentos: esperança vinda dos pacientes intensivos, temor dos que estão na enfermaria, segundo o médico. 

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Nem os pacientes na enfermaria recebem visitas sob os atuais protocolos do Emílio Ribas. O contato é feito por intermédio dos médicos. Até a semana passada, os familiares tinham de se dirigir ao hospital para receber informações. A partir desta semana, graças à doação de celulares recebida de uma empresa varejista, os médicos deverão fazer chamadas de vídeo para conversar com os parentes no momento da visita. O familiar poderá falar com médico e matar a saudade do parente na mesma conversa.

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