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Pazuello cita cenário improvável de vacinação em dezembro e divulga plano incompleto de logística

Ministro disse que conseguiria adiantar imunização contra a covid-19 se Pfizer entregasse as doses

Por Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mudou o discurso sobre o começo da imunização no Brasil e afirmou que, se houver autorização de uso emergencial, as doses podem ser aplicadas já em dezembro. Ele ponderou que é provável começar a campanha nacional entre janeiro e fevereiro, data, mesmo assim, mais otimista que a apresentada pelo ministério na semana anterior. Em entrevista à CNN Brasil, Pazuello ainda entregou o plano de logística para a vacinação, que ele disse estar "pronto", mas o documento ainda passa por revisão e só deve ser divulgado na próxima semana.

O começo da vacinação em dezembro é improvável, segundo integrantes do próprio Ministério da Saúde. Além de o governo federal ainda depender da compra de milhões de seringas e agulhas, não há pedido de registro ou uso emergencial de vacinas nas mãos da Anvisa. Pazuello apontou que a Pfizer poderia conseguir esse aval da agência reguladora, mas a própria empresa, que ainda aguarda assinatura de contrato com o ministério, diz que dificilmente trará doses ao País em dezembro. A previsão mais otimista do laboratório é começar a importação em janeiro e, nos primeiros três meses, acumular doses suficientes para vacinar cerca de dois milhões de habitantes.

Pazuello diz quese Pfizer conseguir adiantar entrega, vacinação emergencial pode começar em dezembro Foto: Frank Augstein/AP Photo

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A declaração de Pazuello foi vista entre gestores do SUS como resposta a críticas sobre a lentidão para fechar contratos de compra de vacinas que estão em fase mais avançada de desenvolvimento. Alguns governadores têm negociado a compra do imunizante e das seringas de forma paralela para evitar um prejuízo similar ao dos testes e respiradores, que o ministério entregou em menor número do que havia prometido.

A mudança de tom do ministro também foi lida como reação ao governador João Doria (PSDB), desafeto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que fixou 25 de janeiro como data para o começo da imunização no Estado, mesmo sem ter pedido registro da Coronavac à Anvisa. A vacina é desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã.

A entrega do plano de logística durante a entrevista surpreendeu até auxiliares de Pazuello. Em audiência na Câmara dos Deputados, o secretário Nacional de Vigilância Sanitária, Arnaldo Medeiros, minimizou o gesto e disse que foi uma apresentação “simbólica”, pois o documento ainda passa por mudanças. A população privada de liberdade, por exemplo, foi retirada do grupo prioritário para vacinação que havia sido apresentado na última semana. Já agentes penitenciários seguem no plano. Dentro do ministério, a entrega, mesmo que “simbólica”, foi considerada um erro de comunicação de Pazuello, pois abriu margem para a imprensa, parlamentares e gestores locais do SUS cobrarem o documento que ainda está sendo finalizado.

Em nota, o ministério reconhece que o plano está sob revisão e afirma que o documento será apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à população durante um evento, sem citar datas.

A fala de Pazuello também joga mais pressão sobre a Anvisa para a aprovação de vacinas. Dirigentes e técnicos da agência já manifestavam incômodo por Doria apontar datas para imunizar a população mesmo antes de o Butantã apresentar dados finais sobre a Coronavac para a agência. "Se consultarem minhas entrevistas anteriores, sempre disse ter esperança de ter a vacina no primeiro semestre de 2021, mas nunca fixei um mês e muito menos um dia. Para os que fazem, eu desejo boa sorte. Enquanto isso, continuamos trabalhando com o mundo real, que é o mundo científico", disse o presidente da Anvisa, Barra Torres, em entrevista à Jovem Pan na segunda-feira, 7.

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A Anvisa tem até 60 dias para avaliar o registro de vacinas para a covid-19. Este tempo cai, se a empresa optar pela "submissão contínua" de documentos, para 20 dias por "bloco" de informação entregue à agência. O órgão espera ser ainda mais célere para aprovar o uso emergencial das vacinas. Nesse caso, é preciso definir com o governo federal ou estadual um público-alvo para a imunização, que só pode ser feita no SUS. O tempo de análise, porém, é travado se houver algum questionamento da agência. Há ainda lei deste ano que dá para a Anvisa um prazo de 72 horas para responder sobre a entrada no País de produtos para a covid-19, como vacinas, que já tem registro nas autoridades sanitárias da Europa, EUA, Japão e China. A agência entende que pode até negar a entrada e cobrar mais documentos, mas, caso não se manifeste, o registro é dado automaticamente após este prazo.

Pazuello diz que compra a Coronavac se houver registro

Na entrevista à CNN, Pazuello também mudou o tom sobre a compra da Coronavac. Ele confirmou que o imunizante será comprado, caso receba registro da Anvisa: "Eu coloco isso, tem sido repetido pelo presidente da República, a vacina que estiver registrada na Anvisa, garantida a sua eficácia e segurança será comprada para todos os brasileiros. Sim, essa é a resposta (sobre a compra da Coronavac)." 

A compra da vacina desenvolvida pelo Butantã é um assunto espinhoso para Pazuello desde outubro, quando ele foi desautorizado por Bolsonaro e teve de recuar de proposta de compra do produto, que chegou a chamar de "vacina brasileira". Em reunião com governadores feita no Palácio do Planalto, na terça-feira, 8, Pazuello disse que, além do registro, teria de conferir a demanda e o preço da Coronavac para decidir sobre a compra. Mais tarde, o ministro disse em pronunciamento que cabe ao governo federal planejar a imunização no País, cobrou união, mas ignorou a Coronavac. 

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Em audiência na Câmara dos Deputados, o secretário da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), Paulo Henrique Fraccaro, reforçou que o ministério ainda precisa planejar a compra de seringas. A pasta pretende comprar mais de 300 milhões unidades por meio de edital para indústria nacional e importadores, além de fazer uma aquisição via Organização Pan-Americana de Saúde de outras 40 milhões de unidades. "Não adianta querer comprar tudo de uma vez só", disse Fraccaro. Ele afirmou que o ministério precisa ser claro no cronograma e permitir que mais de uma empresa possa ganhar o edital, para dissolver as entregas. O representante disse ainda que Estados já tem feito compras próprias de seringas, o que pode dificultar uma entrega centralizada. A Abimo, em nota, afirma que desde julho alerta sobre a necessidade de organizar a compra deste insumo. O ministério afirma que não haverá atraso nas compras. 

O governo Jair Bolsonaro aposta na vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca. A Fiocruz trabalha para incorporar a tecnologia e produzir as próprias doses desse imunizante. Mas os pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento da vacina já reconheceram erros nos testes iniciais e a necessidade de ampliar ensaios clínicos para medir a eficácia, o que deve atrasar o registro.Além disso, a pasta espera receber doses para 10% da população brasileira por meio da Covax Facility, consórcio internacional liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Somando o acordo com Oxford/AstraZeneca e a Covax Facility, o governo espera ter 300 milhões de doses de vacinas em 2021. O acordo ainda não assinado com a Pfizer estima outras 70 milhões, mas apenas 8,5 milhões no primeiro semestre. A expectativa é de que a imunização seja feita em duas doses. 

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