Perfeccionismo: a fórmula certa para o sofrimento

Muitas vezes associada à motivação e ao bom desempenho, essa característica pode causar transtorno de ansiedade e até depressão

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Por Isabella Abreu
Atualização:

Culturalmente, o perfeccionismo é muitas vezes visto como algo positivo. Autointitular-se perfeccionista pode parecer um autoelogio. Eles costuma ser a resposta clássica para a famosa pergunta de entrevista de emprego: “Qual é o seu principal defeito?”. Ainda que essa característica tenha seu lado benéfico – como nos motivar a dar o nosso melhor e a não nos acomodar –, a busca pela perfeição pode se tornar uma obsessão e trazer problemas de saúde, como transtorno de ansiedade e depressão.

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O fato de o perfeccionismo ainda ser bastante exaltado consiste em uma armadilha problemática, na visão de Natália Orti, psicoterapeuta da The School of Life, instituição que propõe o desenvolvimento da inteligência emocional por meio de programas e cursos. “Em uma sociedade que supervaloriza o desempenho máximo e nos ensina a definir nosso valor pelo que produzimos, nos iludimos com a percepção de que o perfeccionismo possa parecer positivo ou valioso”, afirma a especialista.

Natália ressalta que perfeccionismo não é sinônimo de ser uma pessoa com boa disposição, iniciativa, bons níveis de dedicação ou mesmo de busca pela qualidade. “A pessoa perfeccionista em geral está experimentando intenso sofrimento associado a perceber-se distante e incapaz de desempenhar algo cuja referência é um padrão idealizado e, por vezes, inalcançável”, diz.

A psicóloga Marcela Mansur Alves, coordenadora do Laboratório de Avaliação e Intervenção na Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (Lavis-UFMG), explica que pessoas com altos níveis de perfeccionismo costumam buscar padrões de desempenho muito elevados, na maior parte das vezes, de forma rígida.

Associado a isso, tendem também a ter autocrítica excessivamente severa sobre a performance desempenhada e a ter autovalor atrelado ao alcance dos padrões estabelecidos. São pessoas que procuram evitar falhas, erros e possibilidade de fracasso a todo o tempo.

Segundo Yuri Busin, psicólogo e doutor em neurociência do comportamento, a pressão para sermos “perfeitos” começa ainda na infância. “No período escolar, as crianças são recompensadas por estarem ‘certas’ nas aulas e pelo bom desempenho em atividades extracurriculares. Elas ganham a atenção e a admiração dos outros quando conquistam algo de forma excepcional e sem cometer nenhum erro”, explica.

Durante a adolescência, lembra Busin, os jovens são influenciados pelas redes sociais e tendem a acreditar que existe uma forma perfeita de ser e de fazer as coisas. “A ilusão é de que existe um padrão de beleza e de comportamento que deve ser seguido à risca. E, na idade adulta, as empresas exigem padrões altos de qualidade em seus processos, com a obrigação da melhoria contínua”, afirma o psicólogo.

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Problemas que o perfeccionismo causa

São diversas as consequências negativas do perfeccionismo. “Manter ideais de perfeição sobre o que quer que seja resulta em muito mais ansiedade e dificuldade em lidar com as frustrações inerentes à realidade, em reconhecer um desempenho suficientemente bom e em se contentar com o que é possível; aumenta o autocriticismo para níveis intoleráveis; nos afasta de sermos empáticos e compassivos conosco e com os outros; e prejudica nossas interações sociais”, enumera Natália, da The School of Life.

O perfeccionista pode procrastinar por medo de fracassar; isso causa prejuízos nos estudos e no trabalho Foto: Brett Jordan/Unsplash

Além disso, o perfeccionismo tem forte correlação com a procrastinação. “O perfeccionista procrastina na tentativa de não fracassar. Isso pode gerar vários problemas em diferentes aspectos na vida: nos estudos, no trabalho, nos cuidados com a casa e até na aparência. Perfeccionistas possuem estratégias para alcançar o sucesso, mas possuem poucas habilidades para lidar com fracasso”, completa a psicóloga Marcela, da UFMG.

Em seu livro A Coragem de Ser Imperfeito (Ed. Sextante), a pesquisadora Brené Brown trata de alguns mitos sobre o tema. “Perfeccionismo não é se esforçar para a excelência. Perfeccionismo é um movimento defensivo. É a crença de que, se fizermos as coisas com perfeição e parecermos perfeitos, poderemos minimizar ou evitar a dor da culpa, do julgamento e da vergonha”.

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A autora lembra também que o perfeccionismo não é autoaperfeiçoamento. “O empenho saudável é focado em si mesmo – ‘como posso melhorar?’. Enquanto o perfeccionismo é focado nos outros – ‘o que vão pensar se eu não entregar o perfeito?' Perfeccionismo é, em essência, tentar obter aprovação. A maior parte dos perfeccionistas cresce sendo louvada por suas conquistas e seu bom desempenho (notas, boas maneiras, regras cumpridas, trato com as pessoas, aparência, esportes)”.

Brené ressalta que o perfeccionismo não é a chave do sucesso. “Ao contrário, ele dificulta a conquista, pois muitas vezes paralisa a vida e leva a perda de oportunidades.”

Como mudar o comportamento

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Identificar isso em nós mesmos e os prejuízos que o perfeccionismo pode trazer para nossa vida é fundamental para a mudança, afirmam os especialistas no assunto. E, sempre que possível, é recomendado o acompanhamento de um psicólogo para auxiliar ao longo desse processo.

Algumas atitudes podem ajudar a vencer o perfeccionismo. Veja abaixo sugestões de como atacar o problema:

  • Dê a si mesmo a permissão para errar

A primeira é dar a si mesmo a permissão para errar. Alguns de nossos aprendizados mais valiosos vêm de um olhar não julgador sobre os erros que cometemos. Por isso, errar é um excelente mecanismo de aprendizado.

  • Valorize suas conquistas

Em vez de se culpar pelas falhas, foque nas suas habilidades, nas suas vitórias e no seu potencial. Lembre-se dos desafios que já venceu e use os que surgirem para continuar evoluindo.

  • Experimente fazer coisas em que não se é bom

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Para um perfeccionista, isso é algo difícil. Mas é o indicado para exercitar o “músculo” do antiperfeccionismo, apontam os especialista. A dica é escolher fazer algo que você sabe que não fará bem, mas simplesmente aceitar isso e seguir em frente. Vale qualquer coisa: dança, canto, artesanato, jardinagem.

  • Estabeleça limites

É preciso saber parar. Até que ponto você pode otimizar um trabalho sem atrapalhar sua conclusão? Uma boa ideia é definir um tempo máximo para a realização de determinadas tarefas e um número limite de vezes para a execução de certos processos – por exemplo, revise o relatório até três vezes, faça alterações na apresentação no máximo cinco vezes e assim por diante.

  • Aceite ser 'suficientemente bom'

Esse termo foi criado nos anos 1950 pelo psicanalista britânico Donald Winnicott, especializado em relações entre pais e filhos, em contraposição a uma idealização da suposta mãe perfeita. O conceito, no entanto, pode ser aplicado à vida em geral.

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