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Pesquisa mostra como célula elimina proteínas oxidadas

Segundo estudiosos, a proteína danificada no organismo pode causar diversas neuropatologias, como Alzheimer e Parkinson

Por Agência Fapesp
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O surgimento do oxigênio e do metabolismo aeróbico na Terra permitiu aos seres vivos aproveitar a energia dos alimentos de forma muito mais eficiente. Essa conquista evolutiva, porém, teve um preço: deixou as células sujeitas à ação de substâncias oxidantes. Esses subprodutos da respiração aeróbica interagem com proteínas, lipídios, carboidratos e ácidos nucleicos fazendo com que essas macromoléculas percam sua função. Tal processo pode levar à morte celular e, nos seres mais complexos como os humanos, ser a base de doenças como câncer, artrite, aterosclerose, Parkinson e Alzheimer. Mas os organismos, felizmente, desenvolveram mecanismos para se proteger dos danos oxidativos. Um deles foi recentemente descoberto por pesquisadores brasileiros e mereceu destaque na capa da revista Antioxidants & Redox Signaling, uma das mais importantes na área. O estudo, financiada pela Fapesp na modalidade Auxílio à Pesquisa Regular e coordenada pela pesquisadora Marilene Demasi, do laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantã, mostrou a estratégia usada pela célula da levedura Saccharomyces cerevisiae para acelerar a degradação de proteínas oxidadas. “Além de perder função, a proteína danificada por substâncias oxidantes tende a se agregar e hoje sabemos que isso é a causa de diversas neuropatologias. A melhor defesa das células é degradar essas moléculas”, explicou Demasi. A missão de livrar as células de proteínas indesejadas, sejam elas oxidadas ou não, cabe a um complexo proteico chamado proteassomo. “Ele regula diversas funções, como a resposta a estímulos internos e externos, a divisão e a morte celular. Essa regulação é feita por meio da degradação das proteínas envolvidas em todos esses processos”, explicou Demasi. Esse sistema, contou a pesquisadora, se mantém ao longo da cadeia evolutiva em todos os organismos eucarióticos, ou seja, que possuem células com núcleo isolado do citoplasma por uma membrana e diversas organelas. Está presente, portanto, desde seres unicelulares até plantas e animais. “Sabíamos que em situações de estresse oxidativo o proteassomo passa por um processo chamado glutatiolação e queríamos entender o motivo. A pesquisa mostrou, pela primeira vez, que o proteassomo glutatiolado é capaz de degradar as proteínas oxidadas com maior velocidade e menor gasto energético para célula”, contou Demasi. A glutatiolação, explicou a pesquisadora, é um tipo de modificação oxidativa que afeta os resíduos do aminoácido cisteína existentes no proteassomo. “Mas esta é uma modificação oxidativa não deletéria e reversível, que funciona como mecanismo de proteção da célula”, afirmou.

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Abrindo os portões

Para que o proteassomo reconheça as proteínas a serem eliminadas durante os processos normais de regulação celular, esses alvos são marcados com uma outra proteína chamada ubiquitina. Os cientistas sabiam, no entanto, que quando se tratava de degradar proteínas oxidadas essa sinalização era desnecessária. Para entender exatamente o que ocorre dentro do proteassomo, os pesquisadores recorreram à microscopia eletrônica de transmissão e à uma técnica conhecida como small angle X-ray scattering (SAXS), desenvolvida pela equipe do professor Cristiano de Oliveira, do Instituto de Física da USP. O método permite analisar a molécula em solução e fazer medidas a partir de modelagem estrutural. “O proteassomo tem uma estrutura cilíndrica, com abertura nas extremidades. Mas essas entradas normalmente ficam fechadas. Conseguimos mostrar que, quando o proteassomo está glutatiolado, esses portões se abrem permitindo a entrada da proteína oxidada”, contou Demasi. Também foi possível confirmar, por meio da espectometria de massa, que apenas duas das 32 cisteínas existentes no proteassomo sofrem glutatiolação - e justamente aquelas relacionadas à abertura e ao fechamento da câmera catalítica, que é o local onde as proteínas entram para serem degradadas. Essa parte do trabalho foi feita em colaboração com a equipe do professor Fabio Gozzo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Uma das duas cisteínas que encontramos glutatioladas é altamente conservada ao longo da cadeia evolutiva, ocorrendo desde a levedura até o homem”, ressaltou Demasi. “Esse é um resultado muito importante, pois ninguém havia mostrado antes que o proteassomo sofre regulação redox.” O trabalho foi realizado no âmbito do Projeto Temático " Aspectos biológicos de tióis: estrutura protéica, defesa antioxidante, sinalização e estados redox ", coordenado pelo biólogo Luis Eduardo Soares Netto, do Instituto de Biociências da USP. Demasi e Netto também são ligados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma).

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