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Pesquisa relaciona vírus da hepatite C com número de parceiros sexuais

Estima-se que portadores de VHC no País sejam até 3,5% da população; não existe vacina disponível

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Por Redação
Atualização:

SÃO PAULO - O vírus da hepatite C (VHC), descoberto em 1989, já infectou cerca de 170 milhões de pessoas em todo o mundo, mas 40% dos eventos de transmissão não têm causa conhecida.

 

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Um novo estudo, liderado por pesquisadores brasileiros e realizado com amostras de sangue de pacientes do Estado de São Paulo, mostra pela primeira vez que fatores sociais podem ter um papel central nos padrões de disseminação do vírus.

 

O trabalho, publicado na edição desta quinta-feira, 24, da revista científica de acesso livre PLoS ONE, revela que os diversos genótipos do vírus entraram em território paulista em diferentes momentos e tiveram taxas de crescimento distintas.

 

A pesquisa indica ainda que a transmissão está relacionada com a rede de contatos sociais entre os indivíduos, direcionando-se para grupos com determinado tipo de comportamento.

 

O trabalho é um dos resultados da Rede de Diversidade Genética Viral (VGDN), formada por dezenas de laboratórios espalhados pelo Estado de SP que estudam as variedades genéticas de vírus. Lançada em 2000 como decorrência do Programa Genoma Fapesp, a rede é financiada pela fundação.

 

De acordo com Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), autor principal do artigo e um dos coordenadores da VGDN, o estudo se baseou em sequências genéticas extraídas de amostras de sangue de 591 pacientes de cidades paulistas.

 

"O padrão predominante dos estudos de epidemiologia tem um viés clínico, mas procuramos entender qual é o papel da interação social na disseminação da doença. Um dos dados que tínhamos à disposição era o número de parceiros sexuais dos pacientes e, a partir daí, percebemos claramente que o número de contatos sexuais - que reflete a conectividade das pessoas nas malhas sociais - é claramente um fator fundamental para a transmissão do vírus", disse Zanotto à Agência Fapesp.

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Estima-se que os portadores do VHC no Brasil correspondam a até 3,5% da população. Não existe vacina disponível para a hepatite C e o tratamento para a doença consiste em antivirais que têm baixa eficácia e provocam efeitos colaterais. "Por isso é tão importante entender a dinâmica de transmissão do vírus e investir em prevenção", disse Zanotto.

 

O estudo mostrou que o subtipo 1b do VHC é o mais antigo e avançou mais lentamente que os subtipos 1a e 3a, em múltiplas classes sociais e faixas etárias. Por outro lado, os subtipos 1a e 3b estão associados a pessoas mais jovens, infectadas mais recentemente, com taxas mais altas de transmissão sexual.

 

"A dinâmica da transmissão do VHC em São Paulo varia de acordo com o subtipo e é determinada por uma combinação de idade, exposição ao risco e características da rede social. Os fatores sociais têm um papel fundamental nas taxas e nos padrões de disseminação. A definição desses grupos de risco será fundamental para orientar políticas públicas de prevenção", disse Zanotto.

 

Segundo o cientista, ao utilizar o número de contatos sexuais como indicador do tamanho da rede social em que os pacientes estão inseridos, foi possível observar que os subtipos mais recentes do vírus circulam entre indivíduos com mais conexões, potencializando o número de pessoas expostas.

 

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"Outro aspecto observado é que os pacientes com maior número de conexões praticam mais comportamentos de risco, como uso de drogas e sexo desprotegido. A associação entre a transmissão, a alta conectividade social e a transmissão do vírus não havia sido observada até agora porque a maior parte dos trabalhos se restringia a analisar dados provenientes de grupos de risco, mas nós optamos por uma amostra aleatória", explicou.

 

Os diferentes subtipos do VHC entraram no Estado de São Paulo em diferentes momentos, segundo o estudo. O subtipo 1b infectava pessoas nascidas antes da década de 1930. Já o subtipo 3a entrou em cena no meio da década de 1950 e começou a se espalhar rapidamente.

 

"No passado, o vírus foi disseminado principalmente por transfusão de sangue contaminado. Mas em 1990 foram implantados os testes anti-VHC em bancos de sangue e ele continuou se espalhando. O uso de drogas injetáveis é certamente importante para a transmissão, como a transfusão sanguínea já foi. Mas constatamos que grande parte dos novos casos não envolve essa prática, e o vírus continua se espalhando", disse Zanotto.

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O subtipo 1a teve seu crescimento acelerado por volta de 1990, mesmo com o fim da contaminação por transfusão de sangue e, segundo o estudo, já é o segundo subtipo mais comum, devendo superar em breve o subtipo 1b.

 

"O subtipo 1a está associado às pessoas jovens com muita conectividade sexual. Outras características comuns nesse grupo são o uso frequente de drogas, prática de sexo desprotegido, tatuagens e encarceramento", afirmou.

 

Estratificação comportamental

 

O estudo detectou ainda uma correlação do crescimento acelerado dos subtipos mais recentes com a densidade populacional do Estado de São Paulo no período em que os vírus foram introduzidos.

 

"O aumento populacional favorece o maior número de conexões sociais. Como em qualquer rede social, essas conexões se estabelecem por associação preferencial. Isso é, as pessoas estabelecem mais relações com quem tem comportamentos parecidos. Por isso, têm mais chances de se conectar a indivíduos que já são muito conectados", disse Zanotto.

 

O cientista explica que a distribuição do número de parceiros sexuais segue uma lei de potência que indica grande assimetrias nos padrões de conectividade entre os indivíduos. "A maior parte das pessoas tem entre duas e cinco conexões nessa rede de contatos sexuais. Mas alguns indivíduos chegam a ter alguns milhares de conexões. Diferentes subtipos de vírus infectam esses diferentes grupos", afirmou.

 

Segundo Zanotto, o estudo mostrou que as políticas de prevenção devem ser voltadas para os indivíduos que estão altamente conectados. "Não podemos garantir que a conectividade sexual explique a disseminação da hepatite C, mas há uma clara correlação. Não sabemos se a sexualidade é um indicador, ou uma via de transmissão, mas onde há fumaça há fogo. Se o sexo não é o fator de transmissão, trata-se pelo menos de algum fator associado à grande conectividade sexual. O fato é que há uma clara estratificação comportamental nos padrões de transmissão", disse.

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