Pesquisadores enfrentam resistência de moradores em SP para levantamento sobre o novo coronavírus

Cientistas da USP e da Unifesp em seis bairros com maiores taxas de óbitos e casos confirmados têm dificuldade em acessar pessoas que vivem em prédios

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Por Felipe Resk
Atualização:

Cientistas de São Paulo têm encontrado uma dificuldade inesperada para realizar o projeto-piloto que rastreia quantas pessoas já estão imunes ao novo coronavírus na capital paulista: conseguir entrar nos prédios. Com meta para coletar 500 amostras de sangue, pesquisadores e enfermeiros acabaram barrados em metade dos endereços sorteados por questão de segurança ou medo de contaminação.

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A fase de coleta de sangue para testes em laboratório começou na segunda-feira, 4, e estava prevista para durar quatro dias, segundo planejamento inicial. Por causa da dificuldade em acessar os moradores, no entanto, os pesquisadores só conseguiram recolher menos de 300 amostras e tiveram de esticar o prazo para não inviabilizar o levantamento. Agora, a expectativa é de concluir a etapa de visitas até a essa quarta-feira, dia 13.

"Pelo histórico de pesquisas anteriores, a gente já previa uma taxa de não-resposta de cerca de 30%, mas temos encontrado uma resistência muito maior", relata Beatriz Tess, professora e pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). "Chama atenção o fato de não conseguir chegar ao morador. Há uma barreira anterior: o porteiro, o síndico, a admistradora do prédio."

Grafite na região da Avenida Paulista pedem que a população fique em casa durante a pandemia. Foto: Foto: Alex Silva/Estadão - 19/4/2020

A pesquisa é desenvolvida por cientistas da USP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com financiamento do Instituto Semeia, e em parceria com o Grupo Fleury e o Ibope. Com o cenário geral de falta de testes, o estudo se propõe a calcular o porcentual de pessoas que já tiverem contato com o vírus Sars-cov-2, causador da covid-19, e desenvolveram algum tipo de proteção - a chamada imunidade de rebanho.

Para o projeto-piloto, o grupo selecionou, em abril, seis bairros de São Paulo. Três com as maiores taxas de casos até então: Morumbi (632 por 100 mil habitantes) e Jardim Paulista (225), na zona sul, e Bela Vista (298), no centro, áreas nobre da capital. E três com as maiores taxas de óbito: Pari (40 por 100 mil habitantes), Belém (38) e Água Rasa (38), na zona leste, em regiões mais periféricas.

COMO É

A metodologia adotada é de inquérito domiciliar. Com base em dados do IBGE, todos os bairros foram divididos em setores censitários, dentro dos quais há o sorteio para selecionar as residências que farão parte do estudo. Depois, um pesquisador do Ibope e um enfermeiro do Fleury, devidamente paramentados, visitam o local e, uma vez lá dentro, se faz novo sorteio para escolher um morador maior de 18 anos.

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O selecionado tem de preencher um questionário e doar um pouco de sangue, que é retirado por meio de pulsão intravenosa, como ocorre em um laboratório. Pelo rigor metodológico, os pesquisadores não podem simplesmente bater na casa vizinha se houver recusa. A aleatoriedade é importante para aumentar a representatividade da amostra e evitar resultados com viés.

Inicialmente, os cientistas imaginaram que, por medo de doar sangue ou de ser infectado, o maior desafio seria convencer a pessoa a participar - mas descobriram que a previsão estava errada. "O nível de recusa das pessoas, propriamente dito, é de 4%, o que demonstra a vontade de participar", afirma o biólogo Fernando Reinach, colunista do Estado, que reuniu o grupo de cientistas ao redor da proposta. "O problema está no acesso. Esses seis distritos que a gente escolheu são muito verticalizados, então há muito menos residências em que se aborda diretamente a pessoa."

Segundo afirmam os pesquisadores, regiões mais ricas historicamente oferecem mais resistência a pesquisas por inquérito domiciliar. Esse comportamento tem sido percebido no projeto-piloto, mas o grupo também encontra empecilhos nas regiões mais pobres.

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No Pari, por exemplo, imigrantes possivelmente em situação irregular se recusaram a participar do estudo. Alguns dos endereços sorteados correspondiam, ainda, a fábricas clandestinas de roupa, dizem os pesquisadores. Reinach, entretanto, vê com bons olhos a dificuldade enfrentada no projeto-piloto, uma vez que dá oportunidade de fazer ajustes nos procedimentos antes de, de fato, o grupo começar a medir a prevalência da covid-19 na cidade inteira. O início da pesquisa ampla está previsto para junho.

"Aprendemos muito com o piloto. É difícil imaginar que um projeto dessa dimensão não fosse encontrar problemas", afirma. "O importante é que já estamos modificando a maneira como vamos selecionar as pessoas para tornar o estudo mais eficiente na próxima rodada."

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