Pesquisadores se mobilizam para aumentar oferta de testes no Brasil

Expectativa é de que com apenas uma gota de sangue do paciente seja possível saber se ele tem o novo coronavírus e em qual estágio; ideia é que experimentos estejam prontos para a atual onda da covid-19 e ação mobiliza algumas das principais universidades brasileiras

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Por Giovana Girardi
Atualização:

SÃO PAULO - Um dos principais desafios do enfrentamento do coronavírus hoje no Brasil é testar tantos casos suspeitos. As autoridades de saúde estabeleceram que só serão testados os casos graves – por causa da capacidade limitada de laboratórios e dos altos custos. Mas nem isso é simples, e ainda impede que se tenha uma noção real do tamanho da epidemia. Diante desse quadro, pesquisadores estão se mobilizando para aumentar a capacidade do País contra a doença, superando até as dificuldades provocadas por seguidos cortes de verba.

Leda lidera a tentativa de criar um teste sorológico para detectar a infecção – em vez do genético (PCR), como é feito hoje; preço pode ser reduzido Foto: Coppe/ UFRJ

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Nos últimos dias, começaram a surgir diversas iniciativas para convocar voluntários para ajudarem a fazer os testes em si, aproveitar insumos que seriam usados em outras pesquisas, atrair laboratórios privados. Por outro lado, há uma corrida para tentar desenvolver testes mais baratos e rápidos.

Um dos esforços é da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tenta criar um teste sorológico para detectar a infecção – em vez do genético (PCR), como é feito hoje. Se der certo, a expectativa é que com apenas uma gota de sangue do paciente será possível saber se ele tem o coronavírus e em qual estágio.

A pesquisa é liderada por Leda Castilho, coordenadora do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ, que começou a trabalhar nesse assunto no começo de fevereiro, tão logo cientistas chineses sequenciaram o genoma do coronavírus que afetava o país desde dezembro.

Seu grupo está produzindo em laboratório uma cópia de uma proteína da espícula (aquelas pontinhas do vírus). Com esse material, será possível detectar se o paciente desenvolveu anticorpos para a covid-19, já que eles reagiriam à proteína. 

“O corpo, ao ser infectado, produz anticorpos ao tentar se defender. E produz de diferentes tipos: tem um específico para a mucosa, um outro produzido poucos dias após o contágio – em geral, quando os sintomas aparecem – e tem outro produzido cerca de duas semanas após a contaminação. Pretendemos identificar os três tipos. O que vai permitir saber se a pessoa está contaminada ou já esteve recentemente e ficou sem sintomas, por exemplo. Se não reagir com nenhum deles, a pessoa provavelmente estará com outra doença”, diz.

Ali são preparadas células para testes de substâncias Foto: Lucio Freitas Jr

Leda não quis dar uma estimativa de quando o teste poderá estar pronto, mas diz esperar que seja antes de três meses – a tempo de ser usado ainda nesta onda da covid-19. Em média, para outras doenças, a diferença de preços do PCR para exames sorológicos é de 1/3 a 1/4.

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Ação imediata

Mas enquanto uma nova estratégia não surge, os esforços são para aumentar a capacidade de testagem no sistema atual – que identifica se o coronavírus está ativo. Na Universidade de São Paulo, foi criada nesta semana uma rede colaborativa com laboratórios de 17 unidades da USP para ajudar nos diagnósticos.

Uma das linhas de atuação é ajudar a atender às demandas do Hospital Universitário, que estava apresentando dificuldade de resposta. Testes começaram a ser conduzidos nesta semana no Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências Biomédicas, e, a partir de amanhã, serão feitos também pela Plataforma Pasteur-USP, que entrou em operação em fevereiro. 

“Isso é importante para evitarmos que ocorram novos casos como o da Prevent Senior (operadora do hospital onde houve as primeiras mortes por coronavírus no Brasil), em que a primeira vítima nem tinha sido diagnosticada”, afirma Luís Carlos Ferreira, diretor do ICB e coordenador da plataforma Pasteur-USP. “A gente precisa de rapidez para saber se alguém que chega ao hospital está com coronavírus e agir de acordo.”

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Para entrar rapidamente em ação, enquanto reagentes ainda estavam sendo comprados, os pesquisadores começaram a pedir esses e outros insumos necessários aos testes para outros laboratórios e pesquisadores. “Pedimos ajuda a quem pudesse colaborar e foi uma surpresa. Logo tivemos resposta de mais de cem pessoas. Desde estudantes se colocando à disposição para trabalhar até laboratórios oferecendo reagentes.”

Na quinta, o Estado publicou um artigo do neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ e do Instituto D’Or, em que ele disse que só a ciência poderia oferecer respostas para a testagem em massa. Na sexta, mais de uma dezena de grupos de pesquisa responderam relatando o que estão fazendo para ajudar.

Um deles é da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que também está colocando seus cientistas para ajudar na capacidade de diagnóstico do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) do Estado. 

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“A universidade tem vários professores que dominam as técnicas de biologia molecular que se voluntariaram para aumentar a força de trabalho. Mas a falta de insumos tem sido um problema em todo o mundo, então vários pesquisadores que tinham reagentes em seus laboratórios ou máscaras estão colocando esse material à disposição”, relata Selma Jeronimo, diretora do Instituto de Medicina Tropical da UFRN.

A pesquisadora conta que em apenas alguns dias, empresários locais doaram R$ 1,3 milhão, o que permitiu a compra de 25 respiradores.

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Cientistas se unem a empresários para encontrar soluções

No Rio Grande do Sul, o esforço para melhorar a resposta do País aos desafios do novo coronavírus vai além da academia. Um grupo composto por pesquisadores, médicos, empresários, comunicadores, entre outros profissionais, está pensando estratégias para tentar ajudar no combate à doença. 

“Criamos inicialmente uma espécie de observatório, mas logo evoluímos para uma força-tarefa operacional”, conta o pesquisador Guido Lenz, diretor do Centro de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador da área de Biologia Molecular e Celular, ele se uniu a empreendedores privados de laboratórios de diagnóstico molecular e médicos para identificar os gargalos de testagem do novo coronavírus. O desafio, diz, “é prover os recursos necessários e na escala necessária para testes”.

Lenz defende que só o trabalho que vem sendo feito pelos governo não deverá ser suficiente e haverá necessidade de uma contribuição de redes colaborativas. “Em uma guerra não se desperdiçam apoios”, afirma. O plano é articular empresas produtoras de insumos, importadores, laboratórios de diagnóstico molecular e a academia a se preparem para cenários que possam não ser “muito alentadores”, diz o pesquisador.

A ideia de unir os esforços foi do empreendedor José Cesar Martins, que há dez anos tinha montado um think tank para “discutir problemas de alta complexidade”. A este grupo, se uniram mais pessoas na última semana para tentar achar soluções para o coronavírus.

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“Somos cerca de 15 pessoas, a maioria cientistas. Nosso desafio do momento é pensar em como fazer o tal achatamento da curva, de modo que a infraestrutura receptiva possa dar conta e ninguém que precise de atendimento fique de fora. Para isso, precisa de prevenção, e precisa de testagem”, afirma.

Ele explica que o esforço do grupo agora é estabelecer quais são as possibilidades de aumentar a oferta de testes no Estado. “Hoje os diagnósticos estão centralizados nos laboratórios estaduais, mas temos vários laboratórios menores de microbiologia, de biologia molecular que poderiam aumentar a resposta. Eles têm acesso aos reagentes e talvez possam ajudar. Nesse primeiro momento, estamos juntando todo mundo para ver qual seria essa capacidade”, explica Martins.

“Nosso temor é de que, se a crise vier no pior quadro possível, claramente não teremos capacidade instalada. Então, já que estamos todos isolados em casa, em vez de ficar assistindo vídeo, resolvemos trabalhar e pensar em soluções”, diz.

Eles estão em contato com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre para identificar gargalos onde podem ajudar e estão acionando mais pessoas para contribuir de modo voluntário. “O pessoal dos hospitais está fazendo o impossível, com altíssima qualidade, mas as carências são visíveis. Nosso objetivo é complementar isso, principalmente aumentando a capacidade de testagem. Quem topa participar, vai fazer pro bono, sem contar com o governo para nada”, diz.

Ele afirma que vários laboratórios privados que existem no Estado já estão oferecendo suas instalações. O próprio Centro de Biotecnologia da UFRGS está iniciando uma investigação dos insumos que tem disponíveis para ver se eles também podem contribuir com o diagnóstico do coronavírus. Se forem válidos, será mais uma arma nessa guerra.