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Por coronavírus, casal brasileiro é hostilizado na África e interrompe viagem pelo mundo

Professor e enfermeira relatam como foram os dias de incerteza sobre o coronavírus na África; eles voltaram ao Brasil em voo de repatriação

Por Guilherme Amaro
Atualização:

Em 6 de março, cinco dias antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar pandemia de coronavírus, um casal brasileiro que viajava a passeio pela África começou a ser hostilizado por pessoas na rua apenas por ser estrangeiro. "Corona" foi o grito que eles ouviram de um homem na cidade de Wadi Halfa, no Sudão. Naquela época, o avanço da covid-19 pelo mundo ainda estava em fase inicial. Pouco tempo depois, porém, o professor Rogério e a enfermeira Camila passaram a perceber que o surto iria interromper a viagem de um ano e três meses pelo continente africano. Em 7 de abril, voltaram ao Brasil em um voo de repatriação que saiu do Egito com 117 passageiros.

O casal Silveira relatou ao Estado como foram os dias de incerteza sobre o coronavírus na África. Eles fizeram a travessia "Cape to Cairo", saindo da Cidade do Cabo, na África do Sul, até Cairo, no Egito, na primeira etapa da volta ao mundo planejada. "A informação chegava muito desencontrada. Ficamos mais assustados quando a situação na Itália ficou crítica. Começamos a ver que estava ampliando, mas não tínhamos a ideia de que nos atingiria", relembra Camila, de 34 anos, que agora está em busca de vaga em algum hospital para voltar a trabalhar em São Paulo. O primeiro caso na África foi confirmado no dia 14 de fevereiro, no Egito, e atualmente o continente tem mais de 10 mil casos e 500 mortes.

Rogério e Camila interromperam a viagem pelo mundo por causa do coronavírus Foto: Arquivo pessoal

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O ato hostil vivido no Sudão passou a ficar recorrente quando o casal cruzou a fronteira com o Egito. Por serem nitidamente estrangeiros, eram alvos de gritos de moradores. "Algumas pessoas cruzavam com a gente e tampavam nariz, e isso foi piorando com os dias. O ápice foi em um mercado na cidade de Assuã, onde um grupo de locais que estava em um café começou a gritar muito alto contra nós", diz Rogério, de 41 anos. 

No Egito, Rogério e Camila se juntaram a mais um casal de brasileiros, que vive na Inglaterra, e uma outra amiga, que havia saído do Brasil. Os cinco embarcaram em um cruzeiro pelo Rio Nilo, partindo em 16 de março. Quando entraram no navio, foram avisados de que o Egito fecharia as fronteiras no dia 19 de março e só abriria no dia 30, prazo que depois foi prorrogado. "Para nós não mudou nada, mas muita gente foi embora e o cruzeiro ficou vazio", recorda Rogério.

Após quatro dias, quando chegaram à cidade de Luxor, eles perceberam que não havia mais movimento nas ruas. O hotel onde tinham os dormitórios reservados não queria hospedá-los. A ficha, então, caiu: era hora de interromper a viagem de um ano e três meses para retornar ao Brasil. "Estava tudo vazio, iríamos virar alvo das pessoas nas ruas. Os familiares começaram a nos pergunta sobre nossos planos, e vimos que não tínhamos parado ainda para pensar no que fazer. Conversamos e decidimos voltar para casa", afirma Camila. 

Os cinco amigos foram para o Cairo e começaram a procurar um jeito de voltar. O casal que mora na Inglaterra conseguiu um voo de repatriação. Rogério, Camila e a amiga compraram passagem para o Brasil, mas todos os voos foram cancelados. Pelo WhatsApp, entraram em contato com a Embaixada do Brasil no Egito e perguntaram sobre a possibilidade de ter um voo de repatriação para brasileiros, assim como o governo britânico havia colocado à disposição. Em 27 de março, a Embaixada enviou formulário para fazer o cadastro dos cidadãos brasileiros no Egito. Após alguns dias, veio a confirmação: o voo sairia de Cairo para São Paulo em 7 de abril. Segundo o ministro da Casa Civil, Braga Netto, o Governo repatriou mais de 16 mil brasileiros até agora.

De volta ao Brasil, Rogério e Camila alugaram um apartamento para ficarem hospedados por um mês. Enfermeira, ela está em diversos processos seletivos para ajudar em hospitais no combate ao coronavírus. Muitos hospitais abriram vagas temporárias para repor profissionais que tiveram de ser afastados por estarem no grupo de risco da covid-19 ou por terem contraído a doença.

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Após um ano e três meses viajando pela África - passando por África do Sul, Namíbia, Botsuana, Zimbábue, Zâmbia, Tanzânia, Ruanda, Uganda, Quênia, Djibouti, Etiópia, Sudão e Egito -, Camila se diz pronta para voltar ao trabalho e ajudar pacientes. "Sou bem tranquila e realista. Não é que vou rezando, vou ciente do que pode acontecer, até porque conheço amigos que eram do meu plantão que foram infectados. Claro que fico preocupada, mas não é o pior dos cenários, porque estamos isolados dos nossos familiares idosos e não temos filhos. Não faz sentido eu não trabalhar nessa situação". Enquanto isso, Rogério cuida da parte de produção digital com o material da viagem para publicar nas redes sociais do casal e já planeja a próxima etapa da volta ao mundo - para depois da pandemia.

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