Por que a USP não pode fechar

Sem ela, as sociedades paulista e brasileira perderão parte importante da sua capacidade pensante e enfrentar sem ciência os efeitos colaterais imediatos, que serão múltiplos, nos deixará no escuro

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Por Marcos Buckeridge
Atualização:

Fechar a Universidade de São Paulo (USP) por causa da covid-19 é a pior coisa a fazer neste momento. Isto porque não só na USP é que está uma parcela significativa da pesquisa médica do país, mas também a pesquisa em diversas outras áreas que são cruciais para ajudar a sociedade a enfrentar esta situação de pandemia acoplada à crise social e econômica que virá.

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Se fecharmos a USP e mandarmos para casa todos os professores, alunos de pós-graduação e pós-doutorandos, eliminaremos elementos cruciais na sociedade capazes de desenhar as estratégias para o enfrentamento cientificamente embasado da crise, seja no campo médico, no biológico, no social ou no econômico. Seria o equivalente a fazer uma lobotomia da sociedade brasileira.

Temos sim que ter planos de contingência, seguindo as instruções dadas pelos órgãos federais, estaduais e da saúde pública da própria USP. Mas a sociedade brasileira não pode prescindir de ter um sistema de pesquisa altamente sofisticado ativo e funcionando neste momento tão difícil.

A USP tem um plano de contingência. Montou um processo de manutenção do que é essencial, pedindo aos professores que mantenham suas classes por meio eletrônico. A partir da segunda, 23, manda para casa todos os servidores que estão no grupo de risco, com mais de 60 anos, com comorbidades e que tenham filhos menores de 10 anos. Além disso, todos os serviços que puderem ser feitos a distância preservarão os demais funcionários.

Fachada do prédio da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Foto: Alex Silva

O problema da covid-19 é, antes de tudo, um problema de saúde. Nossos médicos e especialistas em virologia, epidemiologia e também toda a rede médica de hospitais como o Hospital das Clínicas, do Hospital Universitário, do Hospital de Ribeirão Preto e outros dependem da USP para continuar em atividade.

Outras áreas, além das biológicas e médicas, também têm importância crucial. Por exemplo, os impactos sociais e econômicos precisam ser avaliados em tempo real e modelados para que possamos pelo menos ter uma ideia do que acontecerá no futuro breve – próximo semestre, por exemplo. Precisamos saber como o clima e a poluição podem interferir no espalhamento do vírus. Saber também quais materiais permitem o vírus ficar ativo por mais tempo ou como ele pode ser inativado.

Há sim atividades que devem ser evitadas, como aglomerações em eventos grandes, talvez aulas com grande número de alunos da graduação e outros mais. De fato, isto já está acontecendo e vários cursos vêm sendo dados com sucesso por meio digital. Mas os laboratórios com professores, funcionários e alunos de pós-graduação precisam se manter ativos. Em especial aqueles que trabalham em áreas estratégicas para combater a crise da covid-19.

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O epicentro da covid-19 está em São Paulo, como fica claro pela evolução do número de casos nos últimos dias. E é aqui, na cidade de São Paulo, que está a USP. Já temos grupos de crise formados pela Reitoria. Ao longo de duas semanas, montaram-se grupos pensantes que estão realizando experimentos e análises que deverão ajudar no enfrentamento. Precisamos dos médicos da mesma forma que precisamos dos urbanistas, sociólogos, psicólogos, biólogos, engenheiros, químicos, físicos, meteorologistas, enfim, pesquisadores de todas as áreas. O que está acontecendo é um problema sistêmico e as medidas tomadas como prevenção passam por várias dessas áreas de conhecimento.

Há perguntas importantes que precisarão ser respondidas. Por exemplo: como se comportará o espalhamento da covid-19 na região metropolitana de São Paulo, considerando as desigualdades sociais? Como o poder público irá lidar com isto? Os planos de contingenciamento e de ações não farmacológicas, que são divulgados para toda a sociedade, valem para todos os tipos de habitação? Para todas as regiões da cidade? Como as famílias irão lidar com possíveis isolamentos? Que efeitos a crise do COVID-19, com seu impacto na economia, provocará sobre as empresas e sobre as pessoas? Que efeitos podemos ter no abastecimento da cidade?

Provavelmente, cada grupo de pesquisa da USP terá perguntas pertinentes e respostas, no mínimo parciais, para ajudar a sociedade a enfrentar essa crise com menos efeitos colaterais.

Sim, estamos falando de uma única cidade, São Paulo. Mas é aqui que os efeitos mais agudos da covid-19 poderão (esperamos que não) ocorrer. Por isto, o que fizermos aqui servirá para as outras capitais, quiçá para outras cidades no mundo.

Sem a USP, as sociedades paulista e brasileira perderão parte importante da sua capacidade pensante. Terão que enfrentar o pico agudo da crise só com o socorro de emergência. Enfrentar sem ciência os efeitos colaterais imediatos, que serão múltiplos, nos deixará no escuro.

*Marcos Buckeridge é diretor do Instituto de Biociências e coordenador do Programa USP-Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados

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