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Por que nos emocionamos quando ouvimos música?

Especialistas dizem que além da subjetividade da emoção e do sentimento, padrões musicais também afetam e influenciam áreas do cérebro ligadas à memória e à espacialidade, por exemplo

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Por Danilo Casaletti
Atualização:

Em 1974, a cantora Elis Regina comentou com Gilberto Gil que tinha dificuldade de alhear-se do sentimento que uma canção carrega. Gil, então, fez e entregou para que ela gravasse O Compositor Me Disse. Por meio da letra, Gil aconselhava a cantora a se ligar na respiração – a parte técnica do canto – e não se entregar ao que a letra dizia. O próprio compositor percebeu que Elis não teve êxito. Sentia-a tensa e emocionada conforme a gravação avançava.

Djavan também falou da força de uma canção em Seduzir (1980): “Cantar é mover o dom/ Do fundo de uma paixão, seduzir/ As pedras, catedrais, coração”. De Nietzsche vem a frase: “A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio”. E mais. Além de atribuir a essa arte uma importância para a vida e o pensamento humano, em seu livro O Nascimento da Tragédia o filósofo escreveu: “Somente a partir do espírito da música entendemos a alegria diante do aniquilamento do indivíduo”.

O poder musical levou o filósofo Nietzsche a afirmar que 'a vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio' Foto: ETHEL BRAGA - 9/7/202

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Música é emoção, sentimento. Mas, além dessa subjetividade, há uma questão física. O processamento musical se dá em múltiplas áreas cerebrais, relacionadas à memória, espacialidade e nas funções atencionais e emocionais. Diante disso, é (quase) impossível sair imune de uma experiência sonora.

Processo cerebral

“Mesmo quando você ouve música com função recreativa, ela será processada no cérebro, que vai transformar as vibrações sonoras, que são resultantes do deslocamento das moléculas de ar, em estímulos que terão sentido, ressonância e empatia na estrutura cerebral”, diz o neurologista e pianista Mauro Muszkat, coordenador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Interdisciplinar Infantil (Nani) da Unifesp.

Esse encadeamento citado pelo especialista se dá nas áreas não verbais do cérebro. Desde regiões bastante antigas, como o cérebro reptiliano, responsável pelas emoções; o hipocampo, importante para as memórias familiares; o cerebelo, que faz com que os ritmos respiratório e cardíaco sejam ativados; a amígdala cerebral, estrutura ligada às reações emocionais; até as mais novas, as do neocórtex, que processam sensações.

A amígdala cerebral, segundo Muszkat, tem um valor importante no processamento da música. Ela modula, regula, mantém e interrompe emoções e expectativas musicais. E, nela, ainda há um rótulo emocional, muitas vezes negativo, de medo, por exemplo, ou agressivo, como a raiva. Nesse caso, a música pode equilibrar ou desequilibrar essas emoções.

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O treinamento musical, ou a exposição prolongada à música, também está ligada à plasticidade cerebral, que proporciona a preservação dos neurônios. A experiência é tão relevante que há diferença entre quem não tem treino musical, que processa as melodias preferencialmente no hemisfério cerebral direito, e os músicos, em que há uma transferência dessa função para o hemisfério cerebral esquerdo.

A percepção dessas emoções também guarda relação com a tonotopia – o arranjo espacial de onde sons de diferentes frequências é processado no cérebro. Os tons mais graves trazem certo relaxamento. Os agudos, por sua vez, evocam um sentido maior de vigilância.

Para o compositor, doutor em música e coordenador da graduação musical da Faculdade Santa Marcelina, Sergio Molina, a emoção é algo que os compositores e intérpretes podem ou não buscar. “Há uma confusão entre ouvir uma música e ficar emocionado com ela e achar que isso aconteceu porque o compositor também estava nesse estado quando a fez. Na verdade, há valores culturais que são atribuídos e que determinam com que o ouvinte tenha esse tipo de sensação”, diz.

Ritmo e harmonia

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Segundo Molina, na parte da construção musical, o que gera a emoção é a amálgama da melodia com harmonia, quando a movimentação dos acordes permite um ápice de tensão. O ritmo ficaria responsável por causar o entusiasmo. A orquestração, o timbre, a qualidade da voz do cantor e a letra completam a lista. “Na canção popular romântica, por exemplo, um expediente muito usado, que vai de Roberto Carlos a Marília Mendonça, é contar histórias de situações comuns da vida das pessoas. Essa identificação causa emoção. É a memória afetiva”, diz. 

De compositores como Chico Buarque, Caetano Veloso e Chico César, Molina destaca a construção poética, na qual a relação entre as palavras e sua sonoridade é capaz de despertar o sentimento.

Para o doutor em Psicologia Clínica pela USP e autor do livro Ensaio Sobre o Infinito: Música e Psicanálise, Tiago Sanches Nogueira, o compositor – e quem de alguma forma está em contato com a música – recebe no seu corpo o que é chamado de estímulos pulsionais, ligados ao conceito de pulsão descrito por Freud. Um conceito complexo que está na fronteira entre corpo e mente. “De alguma maneira, o artista sempre empresta algo dele para uma criação. A emoção pode não chegar idêntica ao público, mas há a ideia de afetar o ouvinte, que a recria. É um prisma por onde a luz passa e se abre, como na capa do disco do Pink Floyd.” 

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Um estudo divulgado no ano passado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que listou as 13 principais emoções despertadas pela música, segundo o que foi observado em 2.500 entrevistados que receberam a missão de encontrar vídeos musicais no YouTube e classificá-los de acordo com os sentimentos que despertavam. São elas: diversão, alegria, erotismo, beleza, relaxamento, tristeza, sonho, triunfo, ansiedade, medo, irritação, indignação e empolgação. 

Quando procuramos a função da música do ponto de vista filogenético não encontramos um valor maior do que essa capacidade que ela tem de trazer estados afetivos grupais, sintonizar emoções em grupos. Nela, há um valor de sobrevivência equivalente à linguagem e à sexualidade

Mauro Muzcat, neurologista

Muszkat prefere ir além. Para ele, é muito difícil colocar subjetividade dentro de palavras. As sensações podem ser muito diversas. “Não há só tristeza ou alegria. Há também a sublimidade, a transcendência. Você pode utilizar palavras poéticas para descrever suas emoções com a música, que não são a da vida cotidiana, não são utilitárias, e sim estéticas”, explica. 

Como se trata de experiências singulares, há indivíduos que não possuem reatividade emocional com a música, que são indiferentes ou que têm experiências muito negativas com elas, até mesmo de determinadas tonalidades, embora sejam casos mais raros. Ela tem, de fato, capacidade de despertar emoções.

“Quando procuramos a função da música do ponto de vista filogenético não encontramos um valor maior do que essa capacidade que ela tem de trazer estados afetivos grupais, sintonizar emoções em grupos. Nela, há um valor de sobrevivência equivalente à linguagem e à sexualidade. É um fenômeno generalizado. Não há culturas que não tenham música”, diz o neurologista.

Aproveite a experiência

  • Ouça intensamente, com a emoção plugada. Se você ouvir superficialmente, como música de fundo, você não tirará o máximo dos efeitos que ela causa. Ouvir atentamente contribui para sua plasticidade cerebral” , diz o neurologista Mauro Muszkat.
  • Busque seu caminho próprio de escuta. Não se contente com o que é oferecido pela mídia. Sempre tenha curiosidade. Ao variar os estilos, você vai treinar sutilezas na sua audição. Percebendo essas diferentes nuances, você irá começar a se emocionar com outros tipos de música”, explica o compositor Sergio Molina.

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