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Por validade curta, Haiti receberá 30 mil em vez de 1 milhão dos testes encalhados no Brasil

Como revelou o Estadão, a doação será feita no momento em que o governo Jair Bolsonaro ainda tenta se livrar de cerca de 4,7 milhões de unidades que terão de ser incinerados entre 21 de abril e o começo de junho

Por Mateus Vargas
Atualização:

BRASÍLIA - O Ministério da Saúde enviará 30 mil exames do tipo RT-PCR ao Haiti em vez de 1 milhão, como era discutido entre o país caribenho e a equipe do general Eduardo Pazuello. A redução da entrega deve-se à curta validade dos testes. Como revelou o Estadão, a doação será feita no momento em que o governo Jair Bolsonaro ainda tenta se livrar de cerca de 4,7 milhões de unidades que terão de ser incinerados entre 21 de abril e o começo de junho, intervalo em que expira a validade do produto encalhado.

Uma equipe de Pazuello esteve no Haiti com amostras dos exames para negociar a doação. A possibilidade de entregar até 1 milhão de unidades foi tratada pela Saúde como um ato humanitário, mas poderia jogar sobre um dos países mais pobres da América a responsabilidade de lidar com largo estoque prestes a vencer. O processo de detecção da doença exige também outros itens, que incluem cotonetes "swab", tubos coletores, reagentes de extração do RNA e outros insumos que nem sequer o Brasil conseguiu comprar em grande escala.

Exame do tipo RT-PCR para detecção da covid-19 Foto: Matias Delacroix/ AP

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O Haiti tem 12,3 mil casos da covid-19 confirmados e 247 mortes. O governo local não informa o número de testes do tipo RT-PCR que já foram feitos. Trata-se do exame mais preciso para detectar o vírus ativo no organismo. O produto avalia em laboratório o material coletado com um cotonete do nariz e da garganta dos pacientes.

O Ministério da Saúde afirma que o pedido de doação foi feito pelo governo haitiano. O Brasil tem fortes laços com o Haiti e chefiou uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no país caribenho, entre 2004 e 2017. Nesse período, generais que apoiam ou mesmo ocupam cargos no governo Bolsonaro comandaram as tropas internacionais, como os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o comandante do Exército, Edson Pujol. A Saúde também participou de ações para reconstruir o sistema de vigilância sanitária, destruído pelo terremoto de 2010.

O Estadão revelou em novembro que o Ministério da Saúde tinha 6,8 milhões de exames RT-PCR encalhados, que venceriam a partir do mês seguinte. A validade do produto foi renovada por mais 4 meses pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após parecer favorável da fabricante do exame.Três meses mais tarde, cerca de 2 milhões de unidades foram distribuídas pela equipe de Pazuello, mas há também testes encalhados nos Estados. Isso porque, segundo dados da Saúde, foram feitos 11 milhões de exames moleculares durante a pandemia frente à cerca de 15 milhões de unidades já distribuídas.

O número de exames RT-PCR feitos até agora na pandemia é menor do que a metade da meta anunciada pelo próprio governo Jair Bolsonaro para ser cumprida até dezembro de 2020: mais de 24 milhões de análises.

O Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal (MPF) no DF cobram explicações da Saúde sobre o estoque de exames com validade curta. Como mostrou o Estadão, a área técnica da Saúde alertou a gestão Pazuello diversas vezes, desde maio, sobre o risco de os exames vencerem.

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Além de negociar a doação ao Haiti, o Ministério da Saúde ofereceu a entrega dos testes para hospitais filantrópicos que atendem pelo SUS. A curta validade, porém, fez com que as entidades rejeitassem a proposta. a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) alertou as entidades sobre o risco de os estoques terminarem no lixo. “São testes com prazo de validade até abril de 2021”, destacou ofício de janeiro da confederação obtido pela reportagem. “Dessa forma, recomendamos às instituições que pleitearem a doação dos mesmos que o façam com responsabilidade, para que não passemos a concentrar em nós e nas nossas instituições a responsabilidade pelo vencimento dos testes.”

Em nota de janeiro, a CMB disse que muitos hospitais devem rejeitar a proposta. “Os testes são necessários e bem-vindos, mas infelizmente nem todos os hospitais possuem equipamentos compatíveis para atender as especificações técnicas de análise do material coletado e leitura dos resultados do teste PCR.”

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