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'Precisamos deixar politização da covid-19', diz empresário

Pércio de Souza, do Instituto Estáter, reúne grupo de especialistas para discutir o avanço do novo coronavírus; ideia é oferecer soluções diante do cenário e da escala de casos

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Por Redação
Atualização:

Um grupo de especialistas reunidos pelo empresário Pércio de Souza, do Instituto Estáter, analisa o quadro brasileiro da pandemia de covid-19 e discute alternativas para a condução do enfrentamento da crise de saúde pública. Com cenário de quarentena em São Paulo, mais de 100 mil infectados e quase 8 mil mortos no País, a ideia é oferecer sugestões de medidas para o combate da covid-19.

Integrado também pelo empresário, o grupo se chama“O dia seguinte” e reúne Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião de transplante de fígado do Osvaldo Cruz, Carlos Carvalho, pneumologista do Incor e professor da USP, Claudio Rossi, psiquiatra ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Dráuzio Varella, médico oncologista, Esper Kallás, infectologista do HC e professor da USP , Paulo Gadelha, ex presidente da Fiocruz, e Pérsio Arida, matemático e economista. Falando ao Estado, Pércio de Souza argumentou que há no País uma radicalização no debate sobre como fazer o combate da covid-19e uma perda de tempo sobre a eficácia do isolamento social.

Pércio de Souza ésócio-fundador da Estáter Gestão e Finanças Foto: Arquivo - Daniel Teixeira/AE (17/05/2011)

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“A principal mensagem é que precisamos deixar a radicalização e politização da covid-19 de lado e focar em discussões construtivas sobre a melhor forma de minimizar o efeito para a população em geral e criar uma plataforma racional para o plano de curto e longo prazo para enfrentar o vírus. Pela característica perene do vírus, que não será erradicado mas sim ambientado, a estratégia de combate à covid-19 deve ser traçada como uma maratona. Os vencedores serão conhecidos ao final da prova e não nos primeiros 10 km."  

Radicalização

Fico com a impressão que perdemos um grande tempo com algumas discussões etéreas e deixamos a questão central esquecida. Um exemplo é o debate sobre qual a extensão da eficácia do isolamento. Uma discussão que domina conversas de especialistas, políticos, leigos, enfim toda a sociedade. Mas esquecemos de fazer uma visita às favelas e ver que a média de casas é de 26m² onde moram seis pessoas. Boa parte das casas sem janelas. Em casas maiores, de 40m², moram de oito a dez pessoas. Impossível os moradores ficarem 30 ou 60 dias confinados ali. Pior, nós que moramos em casas ou apartamentos espaçosos ficarmos acusando de irresponsáveis aqueles que precisam circular para fazer a vida ou simplesmente ficar fora de casa. Não adianta perdermos tempo com essa discussão. Temos que assumir medidas que diminuam a aceleração da contaminação cientes deste limitante. E, mais importante que isto, abrir o horizonte e deixar o foco central na demanda. Precisamos trabalhar na ponta da oferta. Na expansão do número de leitos de UTIs, na organização dos hospitais, na definição de regras para eventual distribuição de profissionais para regiões mais afetadas, criação de incentivos para esses profissionais que estão na frente de batalha, no treinamento, enfim, no desenvolvimento de um plano de ação considerando as necessidades de cada região.

Base de dados e causa raiz

A literatura sobre o comportamento da covid-19 está sendo feita agora, desde dezembro quando começou na China e mais extensiva a partir da Itália onde os dados começaram a ser mais públicos. Portanto, a base de dados/conhecimento é muito nova. Não acredito em modelos matemáticos que consigam reproduzir de forma confiável com base em dados e amostragem tão restritos e ainda em formação. Os estudos alarmistas de entidades e mesmo especialistas acreditaram em modelos, mas estavam desconectados da verificação da realidade. O pânico gerado por um estudo internacional equivocado que mostrava potencial de um milhão de mortos no Brasil, se por um lado trouxe o efeito positivo de chamar a atenção para a infecção, distorce a percepção do real perigo do vírus e quase impossibilita no curto prazo o combate pragmático. No Instituto Estáter e no nosso grupo de debate, nos dedicamos a trabalhar por verificação tentando entender e interpretar os dados de cada evolução, semana-a-semana da infecção. Tivemos em mente um conceito comum na engenharia que é tentar fazer a RCA, sigla em inglês para “análise da causa raiz”. Que é entender a origem do problema, aquilo que vai além do que aparenta. Focamos primeiro em mortalidade, porque no final do dia, é o que mais importa.

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Resultado da RCA

Foi aí que nos deparamos com um ponto que chamou a atenção. No Reino Unido a mortalidade está muito próxima da Itália, mas não houve falta de UTIs. Avançamos para França, que teve um pico também semelhante à Itália, mas sem falta de leitos. Para esses países, portanto, a conclusão é que foi indiferente a estratégia dominante de achatamento da curva. Quando avançamos nos números, verificamos que mesmo na Itália, inclusive Lombardia que foi mais afetada, a partir das primeiras semanas após expansão das UTIs, a mortalidade continuou e mais mortes aconteceram fora do que nas UTIs. Nos EUA, o mesmo se repete num número ainda maior, perto de 80%. Trouxemos essa constatação para nosso grupo e Esper Kallás e Carlos Carvalho começaram a identificar que os infectados, principalmente aqueles do grupo de risco, desenvolvem uma redução da oxigenação e, quando eles se dão conta, o nível já está muito baixo. A maioria morre a caminho dos hospitais. Por outro lado, os que chegam vivos, chegam em estado crítico, com comprometimento de órgão vitais e para os que sobrevivem a consequência é uma demora de duas a três semanas para a recuperação. Por outro lado, muitos pacientes, aparentemente aqueles que estão no acompanhamento ambulatorial, verificando oximetria e eventualmente submetidos a respiradores não invasivos antes de queda aguda, se recuperam sem passar pela UTI. Ou, quando necessário entubamento, os casos onde é implementado antes do agravamento das condições do paciente, têm demonstrado a necessidade de um período mais curto de internação. Algumas experiências internacionais têm visto que aqueles submetidos ao tratamento tempestivo, antes da queda aguda, podem se recuperar muito mais rápido, em três a cinco dias. Se isto for confirmado, essa mudança poderia reduzir de 15 para 5 dias o tempo médio nas UTIs, o que representaria triplicar a capacidade de atendimento sem investimento adicional. Isto naturalmente sem considerar as questões terapêuticas e prescricionais que consideramos muito complexas para apresentarmos qualquer palpite.

Grupo o dia seguinte

Formamos o grupo no final de março para nos ajudar no debate e criar uma espécie de conselho consultivo para acompanharmos a evolução da infecção com dois objetivos: minimizar o impacto principalmente nas classes menos favorecidas e criar um plano de longo prazo. Nos debates do grupo mantemos e incentivamos o contraditório e a troca de experiências e ideias. Não há necessidade de consenso ou uma visão única. Levamos os dados e debatemos alternativas a partir daí. O grupo é formado pelo Bem-Hur, cirurgião de transplante de fígado do Osvaldo Cruz, Carlos Carvalho pneumologista do Incor e professor da USP e, Claudio Rossi, psiquiatra ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Dráuzio Varella médico oncologista, Esper Kallás infecto do HC e professor da USP , Paulo Gadelha, ex presidente da Fiocruz, Pérsio Arida, matemático e economista e eu, como engenheiro.

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Leitos de UTI

Como diz Claudio Rossi, o psiquiatra do nosso grupo, a questão não é que o sistema vai colapsar. O SUS no Brasil já é colapsado em relação a UTIs. Principalmente no Norte e Nordeste. Como exemplo, no Amazonas, pelos dados disponíveis, há nove leitos para cada 100 mil habitantes. No Ceará, seis. Com uma fórmula simplificada que calculamos com base na experiência da Itália, com duas semanas de internação média, a necessidade para tratamento apenas da covid-19 levaria a uma demanda entre dez a 20 leitos por 100 mil. Significaria, em ambos os casos, mais que dobrar as UTIs daquelas regiões. Claro que iniciativas que reduzam a necessidade de UTIs como falei anteriormente, são importantes. Mas ainda assim tínhamos que ter começado em março um plano de ação mais efetivo para enfrentar essa carência. Tentar controlar apenas a demanda, está se mostrando insuficiente.

Dados e comparação para o Brasil

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Acompanhamos a evolução em 16 países. Comparamos a evolução em semanas epidemiológicas, testamos impactos de redução de mobilidade e evolução da tal curva PIF, que é sigla em inglês para Quadro do Intervalo Pandêmico. Há muitas questões a serem respondidas. Não entendemos por que sul da Itália, por exemplo, foi tão menos intenso representando cerca de 1/10 do Centro Norte. O mesmo acontece nos EUA onde a infecção prevalece em dez estados que representam 22% da população. Estas questões ainda são enigmas. Mas há outros indícios que podemos usar. A curva dos países continentais tendem a ser um conjunto de curvas regionais. Isto aconteceu nos EUA e está acontecendo no Brasil. Portanto pode levar a equívoco avaliar o consolidado. É como ver a temperatura média de quem está com a cabeça no forno e as pernas no congelador. Em São Paulo e Rio, os estados mais populosos, deveríamos tratar como duas curvas, pela segregação de moradias. A primeira foi da classe A (consideramos bairros com IDH acima de 0,82). A segunda está começando agora, três semanas defasada. E a intensificação e demanda de hospitalizações começaram há cerca de uma semana. Portanto os óbitos deverão se intensificar, pela experiência em outros países, a partir desta e chegando ao pico nas próximas duas ou três semanas. No Brasil, a pandemia está, por enquanto, poupando as regiões sul e centro-oeste, além de Minas Gerais entre os estados mais populosos. Assim como outros países, não há ainda explicação e tão pouco sabemos se isto é fator de risco para próximas ondas. Mas certamente é um indício que, ao contrário dos países europeus, a estratégia de combate no Brasil deverá ser regional, de acordo com o momento epidemiológico e grau de contaminação.