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Projeto pioneiro em Ourinhos vai medir necessidade de revacinar população contra covid

Experimento inédito na América Latina é conduzido em parceria com cientistas do exterior; ideia é prever também se o paciente vai desenvolver a forma grave da doença

Por Giovana Girardi
Atualização:

Um experimento inédito na América Latina que começa a ser desenvolvido na cidade de Ourinhos, no interior de São Paulo, poderá identificar de forma mais rápida o perfil imunológico de pessoas que foram contaminadas com covid-19 ou já vacinadas, o que abre a possibilidade de avaliar se elas precisarão ser revacinadas. 

Brasil tem doses para vacinar um terçoda população prioritária contra covid no 1º trimestre Foto: Marcelo Chello/Estadão

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Essa é uma das expectativas de um projeto global da Universidade do Nebraska e do Imperial College de Londres – que no Brasil conta com a parceria da Unesp de Botucatu – para testar, no contexto da pandemia, um novo dispositivo desenvolvido nos Estados Unidos que funciona como um laboratório portátil de resultado em cinco minutos. A ideia é também conseguir antecipar se a pessoa pode desenvolver um quadro mais grave da doença. Em outra vertente, pesquisadores querem antecipar se bebês gestados na pandemia podem desenvolver problemas quando adultos.

De baixo custo, ele é capaz de fornecer, entre outras informações, não somente se a pessoa tem anticorpos contra o coronavírus Sars-CoV-2, mas quantos e se ainda são protetores, o que pode ajudar a traçar seu perfil imunológico e identificar sua eventual vulnerabilidade a novas variantes do vírus.

O equipamento, em desenvolvimento pela empresa Novilytic, é projetado para medir uma série de diferentes parâmetros moleculares em apenas uma gota de sangue de um furinho no dedo. Não há necessidade de mandar o material para um laboratório. A leitura dos resultados pode ser feita com um aparelho celular. 

A bióloga Juliana Floriano, pesquisadora da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu e do Imperial College, explica que o experimento poderá ajudar a visualizar o que ocorre com o perfil imunológico das pessoas.

“Poderemos ver com dados quantitativos se a imunidade é duradoura ou se com o tempo perdemos isso. Hoje as análises sorológicas mais comuns são qualitativas, dizem se é reagente ou não, se tem IgM (anticorpo que aparece alguns dias após a contaminação) ou IgG (de longa duração). Mas esse dispositivo vai permitir medir também as quantidades”, diz. Se forem muito baixas, a pessoa pode precisar ser revacinada.

No estudo piloto, o objetivo é quantificar esses anticorpos, mas no longo prazo, se o estudo for bem sucedido e se a oferta de dispositivos for possibilitada com financiamento – hoje o grupo tenta obter recursos junto aos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) –, a ideia é fazer análises mais complexas.

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O equipamento tem a capacidade de identificar dezenas de proteínas presentes naquela gota de sangue em pouco tempo, o que pode ajudar a medir outros parâmetros não só da covid como de outras doenças, como dengue, por exemplo, que é um problema tão sério quanto a covid em várias partes do Brasil.

“A comunidade médica em todo o mundo está muito preocupada com os problemas de comorbidades em relação à covid. Também sabemos que salvar uma vida tem relação com o tempo. Com esta nova tecnologia, temos a habilidade de identificar muitas moléculas em minutos. Imagine se com uma única gota de sangue e um tempo de cinco minutos um médico pudesse saber se um paciente foi exposto à gripe ou a covid. Isso é gigante. Porque as duas doenças são similares, mas têm um tratamento diferente”, explicou ao Estadão o pesquisador Jiri Adamec, da Universidade de Nebrasca e um dos fundadores da Novilytic.

Instituto Butantan é um dos responsáveis pelo desenvolvimentoda Coronavac Foto: Amanda Perobelli/ Reuters

“Alternativamente, a mesma gota de sangue e mais 5 minutos pode identificar a covid-19 e também uma doença cardíaca de risco potencialmente alto (por ser capaz de medir alterações provocadas pelas doenças, por exemplo). O médico então trataria o paciente com rapidez e precisão, sem ter de esperar horas, dias ou semanas para ver os sintomas. Essa é a promessa do dispositivo”, diz Adamec. 

A ideia, nesse caso, é conseguir predizer se aquele paciente pode ter um quadro mais grave e já agir antecipadamente.

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O projeto tem como objetivo validar a capacidade de o dispositivo fazer essas análises sanguíneas em várias partes do mundo. Além do Brasil, serão feitos testes em pelo menos outros sete países: África do Sul, Áustria, Cingapura, Itália, Inglaterra, Polônia e República Checa.

Em Ourinhos, o projeto, que contou com a colaboração do prefeito Lucas Pocay (PSD), vai coletar amostras de plasma (material usado no dispositivo) de dois mil pacientes acima de 18 anos que passarem pelo Hospital Covid e pela Santa Casa. Adamec e colegas estão neste momento buscando financiamento dos NIH e de fundos privados para aumentar a produção dos dispositivos para fornecer para os testes. Segundo Juliana, na cidade as amostras já estão sendo coletadas e guardadas em um freezer para iniciar os testes tão logo os dispositivos cheguem ao País. 

“Geração covid”

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Juliana também está aproveitando o estudo em Ourinhos para alimentar um biorepositório com amostras perinatais (de antes e após o nascimento) com o objetivo de entender o impacto da doença a médio e longo prazo em bebês gestados quando a mãe teve covid-19.

“Queremos checar se pode ocorrer algo que foi observado após a gripe espanhola, de 1918. Anos depois se percebeu que os bebês que estavam no útero durante a pandemia apresentaram posteriormente alterações cardíacas e mortes precoces. Nossa hipótese é que isso também possa ocorrer agora, uma vez que a covid-19 também afeta a saúde cardiovascular”, afirma Juliana.

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Este trabalho será feito em parceria com pesquisadores do Imperial College, com quem já vinha sendo realizado um trabalho anterior de saúde materno-infantil. O foco, nesse caso, são os chamados exossomos, vesículas secretadas pelas células que trazem informações importantes sobre processos patológicos do nosso corpo.

“Nosso objetivo e esperança é identificar biomarcadores que podem ajudar a prever, monitorar e tratar alterações no coração e nos vasos sanguíneos de bebês da geração covid conforme eles crescem até a fase adulta. As mães também serão estudadas”, explicou ao Estadão a pesquisadora Costanza Emanueli, da British Heart Foundation e do Imperial College.

O biorepositório, desenvolvido com recursos da Fapesp (agência de fomento à ciência de São Paulo), pode armazenar amostras de alta qualidade para um estudo de pelo menos 20 anos, provendo informações importantes sobre a pandemia e o impacto na saúde de mães e filhos.

“Novas sequelas de covid-19 estão sendo rotineiramente detectadas, de modo que manter amostras relevantes preservadas garante o desenvolvimento de estudos que podemos nem ter imaginado ainda”, complementa Contanza.

“A expectativa é encontrar pequenas mudanças que possam prever o aparecimento de patologias no futuro (biomarcadores), na idade adulta, que possam prejudicar a qualidade de vida dos pacientes ou até a morte  prematura”, diz a pesquisadora, de modo a poder tratá-las antes que causem problemas mais graves.

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