Queimadas na Amazônia geraram custo adicional de ao menos R$ 1,5 mi ao SUS

Estudo da Fiocruz aponta que número de crianças de até 10 anos internadas em áreas afetadas pelo fogo dobrou

PUBLICIDADE

Foto do author Marcio Dolzan
Por Marcio Dolzan , Giovana Girardi e Fátima Lessa
Atualização:

RIO / CUIABÁ - Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado na manhã desta quarta-feira, 2, aponta que as queimadas na Amazônia causaram o dobro de internação de crianças por problemas respiratórios. Isso gerou um custo excedente de pelo menos R$ 1,5 milhão ao Sistema Único de Saúde (SUS) somente para o atendimento de crianças de até 10 anos

O trabalho, que considerou somente os custos extras das queimadas ocorridas em maio e junho deste ano, mostra que o SUS registrou a internação de 5,1 mil crianças, 2,5 mil a mais do que o normal no período, em 96 municípios da Amazônia Legal, em especial nos Estados do Pará, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso.

Brigadistas combatem incêndio um unidade de conservação ambiental emManicoré, no Amazonas. Foto: Gabriela Biló/Estadão - 26/8/2019

PUBLICIDADE

"Nós notamos que, em geral, 6% dos leitos nos hospitais são dedicados à internação por problemas respiratórios, mas nesse período dobrou, chegou a 12%, sobrecarregando os hospitais", disse ao Estado o sanitarista Christovam Barcellos, da Fiocruz, que coordenou o estudo.

De acordo com o estudo, viver em uma cidade próxima a focos de calor aumenta a probabilidade de se internar por doenças respiratórias em 36%.

Para este período, em cinco dos nove Estados da região houve aumento no número de mortes de crianças hospitalizadas por problemas respiratórios. Em Rondônia, por exemplo, o número de mortes subiu de 287 a cada 100 mil crianças com menos de 10 anos entre janeiro e julho de 2018 para 393 no mesmo período deste ano. Em Roraima, o salto foi de 1.427 para 2.398, respectivamente.

O período de maio e junho foi escolhido por ser o último com dados disponíveis no SUS, mas a expectativa é que os custos tenham sido ainda mais altos porque as queimadas continuaram em elevação a partir de julho. Em agosto, chegaram ao pico no bioma amazônico, com 30.901 focos, ante 10.421 em agosto do ano passado – alta de 196%. 

"O que esperamos é que esses impactos possam ser ainda maiores. Até o final do ano teremos uma análise mais completa, mas o que fica evidente é que as queimadas têm um forte impacto sobre a população da Amazônia, além de afetar o ambiente local e o global, com as emissões de gases de efeito estufa", disse ao Estado o físico Paulo Artaxo, da USP, que também assina o informe.

Publicidade

Além disso, a pesquisa leva em conta apenas os leitos operados pelos SUS, mais um indicador de que o impacto das queimadas na saúde deve ser muito maior. "Neste momento, a pesquisa considera apenas crianças de até 10 anos, mas há ainda os idosos, adultos com problemas respiratórios e população indígena, que tem praticamente um serviço de atendimento de saúde à parte", assinala Barcellos.

A fumaça das queimadas afetam de modo diferente os grupos etários, apontam os pesquisadores, sendo mais suscetíveis as crianças e idosos ou aqueles com doenças crônicas, como a asma e outras doenças inflamatórias.

"As crianças são mais suscetíveis à poluição, por possuírem um sistema imunológico ainda em desenvolvimento e o aparelho respiratório em formação. Além disso, crianças passam mais tempo ao ar livre que os adultos e inalam mais poluentes", escrevem os pesquisadores no informe divulgado nesta quarta. "Durante exercício físico, aumenta 5 vezes a deposição de partículas no pulmão. A exposição à poluição atmosférica agrava inflamação das vias aéreas e aumenta a atividade autoimune", continuam.

Problemas de saúde

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O vigilante Mathias da Silva esteve no meio do fogo por diversas vezes. Morador do bairro Jardim Novo Araguaia, próximo à BR-364, no Alto Araguaia (MT), distante cerca de 419 km de Cuiabá, ele já foi surpreendido com três focos em volta do bairro onde reside. Somente neste ano, pelo menos seis incêndios foram registrados ao longo da estrada. 

Na última vez, a mulher de Mathias, Solange Silva, estava sozinha em casa com os dois filhos quando o fogo entrou no quintal de casa. O filho de 9 anos ficou mais de 15 dias doente, diagnosticado com broncopneumonia. Solange também foi afetada: desenvolveu bronquite e sinusite. A filha mais nova, de três anos, também apresentou problemas respiratórios.

A dona de casa Nize Ferreira, de 22 anos, mora em uma fazenda em Barra do Garças, a 523 km de Cuiabá. Ela ficou com a filha de 1 anos e 10 meses internada por complicações respiratórias. “Ela, que já tem problema de saúde, ficou pior por causa da seca e da fumaça. Aqui, em Barra, parecia que a gente tava dentro de um nevoeiro”, relembra. "Minha filha ficou no hospital por cinco dias e outros dois dias esteve na UPA.”

Publicidade

A pesquisa levou em consideração as queimadas que ocorrem no chamado de Arco do Desmatamento, que inclui os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, parte do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins, em geral, de maio a outubro.

"Os focos de calor se concentraram em áreas próximas a estradas como a BR-230 (Transamazônica), BR-163 e BR-364 e em áreas com desmatamento recente. Alguns destes focos se encontram nas bordas de Terras Indígenas, que ainda parecem desempenhar um papel de proteção contra as queimadas e o desmatamento", escrevem os autores no informe divulgado nesta quarta.

O impacto dos resíduos de fumaça, porém, podem atingir pessoas a muitos quilômetros dos focos de incêndio. "Essa fumaça pode percorrer centenas de quilômetros. Porto Velho não tinha nenhum foco de queimada, mas foi sobrecarregada de fuligem. O aeroporto de lá chegou a ser fechado por falta de visibilidade", ressalta Barcellos.

O pesquisador destaca que os números servem de alerta para um melhor aproveitamento das unidades de atenção básica à saúde – boa parte dos casos de internação, segundo ele, poderia ser evitada se houve um melhor atendimento nos postos de saúde.

"O SUS tem que ir para rua. Não pode esperar que as pessoas cheguem ao hospital, tem que ir às comunidades, fazer busca, reforçar os serviços de saúde do indígena, orientar sobre como se comportar nesses casos, fazer um primeiro socorro dentro de casa, procurar posto de saúde", aponta. "Na Amazônia, as distâncias são muito grandes, às vezes um atendimento pode levar dias só com deslocamento."

Os dados constam no informe técnico elaborado pelo Observatório de Clima e Saúde, projeto coordenado pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fiocruz, que contou também com cientistas da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).

O SUS tem que ir para rua. Não pode esperar que as pessoas cheguem ao hospital, tem que ir às comunidades, fazer busca, reforçar os serviços de saúde do indígena

Christovam Barcellos, sanitarista da Fiocruz

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.