Remédio para quem não está doente

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Tem muita gente que acha que ir ao médico sem estar se sentindo mal só serve para uma coisa: sair de lá com a indicação de um remédio. A crença nunca foi tão real - as mesmas drogas usadas para curar doenças começam a ser recomendadas também para preveni-las. A tendência é polêmica. Mas quem a defende conta com vários estudos clínicos que têm comprovado a eficácia, em casos específicos, da aplicação precoce de medicamentos. A mudança vem ocorrendo principalmente nas áreas de cardiologia, psiquiatria e oncologia. "A prevenção é um dos principais focos da indústria farmacêutica. Vem aí uma geração de medicamentos capaz de agir nos fatores de risco e não mais só nos sintomas", diz João Fittipaldi, diretor-médico da Pfizer. O psiquiatra Guido Palomba, diretor da Academia de Medicina de São Paulo, polemiza: "Os laboratórios querem achar mais um nicho para lucrar". As famosas estatinas, por exemplo, que já eram usadas para combater o colesterol, começam agora a ser indicadas por quem não tem o problema, mas corre risco de doenças cardíacas. "Usado preventivamente, o remédio faz com que o colesterol não se acumule nas artérias, impedindo que os vasos endureçam", explica Raul Dias dos Santos, do Instituto do Coração. O executivo Dhenisvan Ferreira Costa, de 49 anos, por exemplo, é saudável. Mas recebeu a indicação médica para tomar o remédio pelo fato de ter parentes com problemas cardíacos. "Meu colesterol é normal, fiz tomografia e sei que sou zerado. Mas meu pai já teve enfarte e meu irmão tem colesterol alto", diz ele. Costa se encaixa no chamado padrão de risco médio, ou seja, tem entre 10% e 20% de chance de sofrer alguma doença cardíaca ao longo de dez anos. "Esse perfil começou a ter a atenção médica há menos de dois anos", conta Santos. "Hoje se sabe que metade dos enfartes vem de riscos baixos e médios. Os benefícios do remédio, nesses casos, é maior que o risco." Riscos baixos e médios envolvem alguns sinais, como idade acima de 55 anos, tabagismo e fazer parte de grupo de risco. Um dos motivos de grande entusiasmo com a ampliação no uso das estatinas é justamente o fato de os efeitos colaterais serem raros. Mas existem. Tanto que pacientes que as tomam são submetidos a exames anuais para monitorar sua toxidade no corpo. "Entre os principais efeitos colaterais, as estatinas podem alterar as enzimas do fígado e dos músculos. Mas o índice não chega a 3%", diz Marcus Bolívar Malachias, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas. Câncer de Mama - Os oncologistas vão ter em breve mais uma novidade na medicina preventiva. No próximo congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, de 2 a 6 de junho em Atlanta, serão exibidos os resultados do efeito do raloxifeno, do laboratório Eli Lilly, na prevenção do câncer de mama. Hoje ele é indicado somente para o tratamento desse câncer e da osteoporose. Estudos preliminares com 19 mil mulheres na fase pós-menopausa, patrocinado pelo Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos, indicam que tomar o remédio por quatro anos diminui o risco do câncer de mama pela metade. Para ter o benefício preventivo do remédio, o paciente deve se enquadrar no chamado Modelo de Gail, uma espécie de cálculo para identificar o perfil de quem tem alto risco de ter câncer de mama, como a idade da paciente e data da primeira menstruação - quanto mais cedo, nos dois casos, maior o risco. "Assim que os trabalhos forem concluídos, vamos entrar com pedido de alteração na indicação do remédio nas agências reguladoras", avisa Juliana Oliveira, pesquisadora da Lilly. Porém, os efeitos colaterais, tanto dessa droga como do tamoxifeno, remédio com ação semelhante e que já havia mostrado eficácia na prevenção do câncer de mama, podem ser severos, como câncer do endométrio, de colo de útero e trombose. A pressão arterial também entrou recentemente no rol dos estudos sobre a eficácia profilática dos remédios. Estudo publicado há dois meses no New England Journal of Medicine com o princípio ativo candesartan, já indicado para hipertensão, mostrou que pessoas com pressão entre 12 por 8 e 13,9 por 8,9 têm 15,6% menos chance de sofrer de hipertensão em relação aos que tomaram placebo. O índice máximo aceito como normal pelos médicos é até 14 por 9. O trabalho durou quatro anos e avaliou um grupo de 772 voluntários com idade média de 48 anos. "Quem está no limite permitido só deve diminuir a pressão com remédios se houver um fator de risco, como diabete e colesterol alto. Se estiver livre de outros problemas que possam ajudar no aumento da pressão, mudar os hábitos de vida já é suficiente", conclui Malachias. Esquizofrenia - Pacientes esquizofrênicos têm também sido tratados cada vez mais precocemente. "A intervenção com antipsicóticos no início dos sintomas pode reduzir entre 20% e 30% as chances da doença", conta Mario Louzã, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Entre os sintomas iniciais estão apatia, dificuldade de atenção e isolamento. "Apenas metade dos pacientes com os sintomas iniciais de esquizofrenia vão ter a doença." Os antipsicóticos alteram a concentração de neurotransmissores, substâncias responsáveis pelas trocas de informações do sistema nervoso. "Ainda existe uma questão ética para receitá-lo dessa forma clinicamente (sabendo que só metade dos pacientes vai desenvolver a doença)", diz Louzã.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.