Rompimento de regras de segurança no caso dos lotes da Coronavac deve ser apurado; leia análise

Quem falhou? A Anvisa, o Butantan ou a fábrica chinesa? Quais as consequências dessa falha? Parte dos 12 milhões de doses da Coronavac chegou a ser aplicada antes da suspensão definida pela Anvisa no sábado passado

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Por Gonzalo Vecina
Atualização:

Tempos difíceis os que vivemos! Para passá-los, empresto de Lima Barreto o título de seu livro: Os Bruzundangas. Neste país em que a vigilância sanitária acaba com um jogo da seleção nacional por um detalhe legal, em que na semana da pátria o que mais se discute é como acabar com a pátria, tudo pode acontecer.

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As normas legais são vilipendiadas a ponto de se discutir se, depois de infringidas, não vale a pena ignorá-las. Essa foi a observação que tive que ouvir de um jornalista sobre esse evento – já não estavam todos dentro do Brasil e dentro do campo? Então, o que poderia ocorrer do ponto de vista da disseminação do Sars-CoV-2 já estava em curso, ou seja, às favas a portaria ministerial que impunha quarentena a viajantes chegados do Reino Unido. Não é à toa que se discute para que serve o Supremo. São os doutores de ocasião que menciona Lima Barreto.

Pois bem, algo semelhante ocorreu com 25 lotes de vacina Coronavac, oriundas da China de alguma fábrica ligada à Sinovac. A vacina tem autorização emergencial para ser aplicada no Brasil. Mas deve ser proveniente de fábricas inspecionadas pela Anvisa. Ou recebem o Insumo Farmacêutico Ativo de uma fabrica chinesa inspecionada e são envasadas no Brasil em fábrica do Butantan aprovada pela Anvisa.

Funcionários do Instituto Butantan manuseiam frascos contendo doses da vacina Coronavac. Foto: REUTERS/Amanda Perobelli - 22/01/21

Tudo isso é de conhecimento dos diretamente envolvidos – Butantan e Anvisa. Mas foram recebidos 12 milhões de doses da vacina já envasados, que chegaram ao Brasil, foram desembaraçados no aeroporto e foram distribuídos e em parte aplicados em brasileiros de maneira ilegal e, portanto, insegura! E agora tardiamente os remanescentes desses lotes foram interditados.

A planta onde o envase foi realizado na China não foi inspecionada, a regra é clara. Quem falhou? A Anvisa, o Butantan ou a fábrica chinesa? Quais as consequências dessa falha? O rompimento das regras de segurança é extremamente grave e deverá ser apurado e os responsáveis deverão ser punidos.

Mas a questão importante que sobrará será a relativa falta de transparência desse conjunto de operações. Sinto que essas autoridades, em particular as paulistas, querem se impor às determinações legais federais e ignorá-las. O Brasil enfrenta uma grave crise de governança e se está contestando a autoridade do Ministério da Saúde sobre o SUS e sobre o PNI. Esse não é o caminho – as regras devem ser respeitadas ou contestadas pela via legal e não serem sumariamente desrespeitadas.

A esses descalabros somem-se as questões relativas à terceira dose, particularmente sobre que vacina usar e que estão sendo transformadas em uma disputa política e técnicos da saúde estão emprestando seus prestígios a essa disputa ignominiosa!

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O conhecimento disponível não permite decisões irretocáveis em particular sobre que tipo de vacinas deve ser utilizada na terceira dose. Mas existe algum conhecimento produzido em alguns países que, sim, deve ser incorporado e não simplesmente decidir fazer como se está propondo – usar a terceira dose da Coronavac por ser ela a mais disponível. Sim, é um bom produto e está disponível quando é corretamente produzida e entra legalmente no país. Mas as soluções que já estão em uso em outros países que estão mais avançados no uso de vacinas diferentes deve ser ponderada.

As poucas publicações disponíveis e o conhecimento acumulado recomendam que a Coronavac continue sendo utilizada como imunizante nas faixas etárias abaixo de 60 anos e que as doses de reforço nas idades mais avançadas e nos portadores de comorbidades sejam preferentemente de vacinas da Pfizer ou da AstraZeneca.

Assim, temos muitos problemas a resolver – como liberar as vacinas chinesas, que vacinas aplicar, que fazer com os argentinos ilegais? Para não falar dos bruzundangas.

*FUNDADOR E EX-PRESIDENTE DA ANVISA, EX-SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SP E PROFESSOR DE MESTRADO PROFISSIONAL DA EAESP/FGV E DA FSP/USP