‘Sangrei muito. Nunca mais pude engravidar’, relata vítima de aborto clandestino

A enfermeira X., de 38 anos, passou por dois procedimentos de interrupção da gravidez na adolescência

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Por Clarissa Thomé
Atualização:

RIO e RECIFE - A enfermeira X., de 38 anos, passou por dois abortos na adolescência. O primeiro numa clínica luxuosa no Leblon, na zona sul do Rio. O segundo, sem apoio, numa casa no subúrbio, em bairro que não soube precisar. “Era um lugar sujo, horrível e me trataram mal o tempo todo. Como se eu tivesse culpa, como se fosse bem feito eu passar por aquilo. Senti uma dor miserável. Sangrei muito. Nunca mais pude engravidar” , conta a mulher, que se emocionou a recordar os episódios em entrevista ao Estado.

X. e o namorado continuaram juntos. E ele nunca a perdoou pelo aborto Foto: Xavi Gomez/Getty Images

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A primeira gravidez ocorreu aos 15 anos, do primeiro namorado, oito anos mais velho. Ele queria ter o filho. X, não. Sem coragem de falar para o namorado que não levaria a gravidez adiante, pediu ajuda para a mãe. “Eu era muito nova. Disse que queria fazer o aborto”.

X. e o namorado continuaram juntos. E ele nunca a perdoou pelo aborto. Insistiu para que ela engravidasse de novo. Dizia que ficariam juntos, se casariam e formariam uma família. “Um ano depois, minha mãe morreu e eu engravidei de novo. Foi horrível. O segundo aborto não foi uma decisão minha. Foi decidido numa reunião entre meu pai, minha tia e minha irmã”, ela conta. “Meu corpo todo doía. E eu só sentia solidão. São essas as palavras que me vem à cabeça quando lembro aquele período: solidão e dor”. O namoro terminou depois do segundo aborto. O rapaz engravidou outra jovem e se casou. 

Amiga. Já Valéria tinha 16 anos quando engravidou de seu namorado, também adolescente. Com medo da reação dos pais, ela procurou a mãe de uma amiga, que era enfermeira, para buscar ajuda. Fez o aborto em uma clínica clandestina na cidade de Paulista, na Região Metropolitana do Recife. Estava com sete semanas de gestação. Pagou o equivalente a dois salários mínimos, na época. Hoje, aos 26, ela se prepara para casar, e ainda sofre as consequências provocadas pela infecção contraída durante o procedimento. Não pode mais engravidar.

“Fiquei três meses internada, um deles na UTI. Meus pais obviamente descobriram que eu havia abortado e sofreram muito. Eu não me arrependo do aborto em si. Mas me arrependo de não ter conversado com meus pais e procurado um local seguro. Isso mexeu com toda a minha vida. Vou me casar em dois meses e não posso ter filhos biológicos”, contou.

Víuvo. O engenheiro H.L, 34 anos ficou viúvo há dois anos. A mulher, J.L morreu, aos 30 anos, em decorrência de complicações do aborto feito em uma clínica clandestina do Recife. “Estávamos nos preparando para ir morar fora do Brasil. Ela havia passado na seleção de um mestrado bastante disputado na Inglaterra e estava muito feliz. Eu já tinha conseguido a transferência na empresa onde trabalho e faltavam apenas dois meses para a mudança. Estava viajando, quando recebi a ligação de minha sogra”, revelou.

Só descobriu o que havia acontecido 12 horas depois de receber a notícia da morte da companheira, quando conversou com os médicos que a atenderam em um dos maiores hospitais privados da cidade – o útero e outros órgãos foram perfurados na intervenção clandestina. “Minha mulher não morreu simplesmente. Ela foi assassinada e eu nem sabia que estava grávida. Imagino que ela achou que um bebê, naquela altura, iria mexer com todos os planos da mudança, do mestrado. Com a morte dela, morri também.”

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