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Santa Catarina adota protocolo para escolher qual paciente terá prioridade em vaga de UTI

Com hospitais cheios há mais de 1 mês, Estado é primeiro a adotar regras sugeridas por entidades médicas para decidir quais pacientes com covid que estão na fila de urgência serão transferidos e quais terão cuidados paliativos

Por Giovana Girardi e Fábio Bispo
Atualização:

Há mais de um mês com hospitais completamente lotados, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina decidiu adotar um protocolo de triagem para decidir quais pacientes com covid-19 que aguardam na fila de UTI serão transferidos e quais vão receber um tratamento paliativo. A expectativa é que essa decisão possa ser seguida nos próximos dias por outras secretarias de saúde, diante do colapso do sistema emvárias cidades e Estados do País.

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Santa Catarina vai seguir os critérios de prioridade de atendimento definidos pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência, pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos.

As entidades lançaram em maio do ano passado uma lista de recomendações sobre como alocar os recursos a fim de salvar o maior número de vidas caso fosse necessário fazer escolhas em um momento de esgotamento do sistema. Esse momento já chegou a vários lugares nas últimas semanas.

Na sexta-feira, os conselhos de secretários de saúde estaduais (Conass) e municipais (Conasems) se reuniram para discutir o problema e viram uma apresentação do protocolo pela médica intensivista Lara Kretzer, primeira autora do documento da Amib. Coordenadora da Residência em Medicina Paliativa da Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Direito pela Universidade de Londres, ela está na linha de frente do atendimento aos pacientes com covid desde o início da pandemia e lembrou que essas escolhas já estão sendo feitas diariamente neste momento em que  há mais pessoas precisando de recursos do que o disponível.

Medicamento será aplicado somente em ambiente hospitalar. Foto: EDUARDO VALENTE/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO

"Recomendamos que, se essas decisões têm de ser tomadas porque o colapso já aconteceu, que pelo menos sejam transparentes, com base em critérios elaborados por quem tem expertise técnica, mas que também passaram por escrutínio de juristas e profissionais de bioética", explica Lara. 

A ideia é que todos estejam sujeitos aos mesmos critérios, de modo a evitar inconsistência ou perda de credibilidade. O protocolo foi enviado aos intensivistas do País, mas o momento atual pede a adoção pelo poder público, defende a médica. "A gente precisa compartilhar o peso dessa decisão. Ela não pode ficar somente nos ombros dos profissionais de linha de frente que estão super desgastados com a carga de trabalho e com tanto sofrimento e morte. Não é justo que eles tenham de definir isso sozinhos", diz.

Critérios para a triagem

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"O nosso objetivo é sempre salvar o maior número de vidas. A base da pirâmide (de atuação) é reduzir a transmissão com as medidas de higiene, uso de máscara, distanciamento com rigor dependendo da fase da pandemia. Depois vem ampliar a oferta de leitos, de atendimento, as medidas de contingência. Mas quando isso tudo é superado, como é o caso agora, é preciso acionar a triagem. A gente esperava nunca ter de usar esse protocolo", afirma.

Lara explica que, uma vez que o objetivo é salvar o maior número de vidas, é preciso identificar entre os pacientes quais vão ter mais chances de sobreviver com os recursos escassos. O primeiro critério observado é o da gravidade da doença aguda, quantos órgãos foram afetados e quão gravemente.

O segundo fator avaliado é se a pessoa tem outras doenças de base, crônicas e muito avançadas. "Avaliamos se aquele paciente estaria caminhando para o fim de sua vida antes mesmo da covid", diz. O terceiro critério é o de funcionalidade – quão bem a pessoa está fisicamente para aguentar não só a doença como o próprio tratamento em UTI, que é bastante agressivo. 

"A missão do sistema de saúde é fazer o atendimento centrado na pessoa. O horrível é que, no momento em que não podemos atender todo mundo, temos de deslocar a decisão do nível individual para o nível de população. Só vou salvar mais vidas se identificar quem tem mais chance de sobreviver. É uma decisão muito cruel, que vai contra todas as conquistas dos últimos anos."

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Santa Catarina

Dados de Santa Catarina repassados ao Ministério Público mostram que, oficialmente, foram 233 mortes registradas na fila de UTI só em janeiro, fevereiro e março. No Estado, terão preferência aos leitos de UTIs os pacientes que se enquadram na chamada “prioridade 1”: que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem limitação de suporte terapêutico. 

Na sequência, vem o grupo 2, dos que necessitam de monitorização intensiva, "pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem limitação de suporte terapêutico". Os pacientes com limitações para intervenção terapêutica, com baixa probabilidade de recuperação ou em fase terminal são os que têm menos chances de chegar à UTI. A indicação é encaminhar para cuidados paliativos.

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