PUBLICIDADE

SP teve hiperepidemia de diarreia no primeiro ano da crise hídrica

Foram registrados 315 mil casos em 2014 no Estado; pico ocorreu em fevereiro, quando começou redução de pressão nas tubulações

Por Paula Felix
Atualização:

SÃO PAULO - O ano em que São Paulo imergiu na crise hídrica também foi marcado por uma hiperepidemia de diarreia aguda, que dura de 2 a 14 dias e pode causar cólicas e febre. Dados divulgados pela Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar, vinculada à Secretaria Estadual da Saúde, mostram que 315 mil casos foram registrados no Estado em 2014, uma média de 863 ocorrências por dia.

PUBLICIDADE

O levantamento foi apresentado em maio deste ano durante evento na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), quando Eliana Suzuki, diretora do departamento que também é ligado ao Centro de Vigilância Epidemiológica classificou a situação como “hiperepidêmica” e a relacionou ao problema de falta d'água. Em nota enviada na última sexta-feira, 24, a secretaria informou que os dados “são preliminares” e que “qualquer conclusão é precipitada, alarmista e pode levar a um pânico desnecessário”.

Intitulada "Agravos para a Saúde Humana Decorrentes de Águas Não Potável", a apresentação revela que o pico de diarreia aguda aconteceu em fevereiro, quando o índice superou em 70% a média de casos para o período - foram 34 mil ante os 20 mil calculados entre 2008 e 2013. Só na capital, foram 9.900 registros na sétima semana do ano, o que representa mais que o dobro (110%) da média do período, que é de aproximadamente 4.700 ocorrências.

Estado de São Paulo teveuma média de 863 ocorrências de diarreia por dia Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Naquele mês, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) lançou o programa de bônus para estimular a economia e iniciou o racionamento de água noturno por meio da redução da pressão nas tubulações, com o objetivo de diminuir a produção do Sistema Cantareira, que já estava em situação crítica. A manobra provoca cortes no abastecimento e expõe a rede pública ao risco de contaminação por infiltração do lençol freático.

Em fevereiro deste ano, quando o racionamento já começava no início da tarde, um dirigente da Sabesp admitiu ao Estado que as manobras operacionais podem deixar parte da rede despressurizada em pontos altos da cidade. No mesmo mês, o diretor metropolitana da Companhia, Paulo Massato, afirmou que isso só aconteceria em caso de rodízio. Em abril, a reportagem mostrou que ao menos cinco ruas no Jardim Paulistano, na zona norte paulistana, receberam água da Sabesp contaminada, e alguns moradores ficaram com diarreia.

Volume morto do manancial. No evento de maio, Eliana lista como uma das causas da propagação de diarreia aguda algumas ações adotadas pela Sabesp, como a redução da pressão e a captação de água do volume morto do manancial. Outro motivo apontado por ela foi a migração dos consumidores para fontes alternativas, como caminhão-pipa e poços artesianos, que aumentam o risco de consumo de água de má qualidade.

“Se vê, claramente, que o número de casos de diarreia está muito maior. A gente evidencia que, com a falta de água e consequência que isso traz, 2014 foi hiperepidêmico”, disse Eliana. Segundo ela, a crise hídrica também comprometeu a higiene alimentar e pessoal, o que contribui para a ocorrência do problema. “Com menos água, se lava menos os alimentos, mesmo os restaurantes diminuem o controle.”

Publicidade

Cólica. No final do ano passado, a agente de inclusão digital Mônica Diniz da Silva, de 40 anos, passou quatro dias com diarreia aguda. Ela é moradora do Jardim Ângela, na zona sul da capital.

“Foi entre novembro e dezembro. Lembro que estavam mexendo em várias tubulações aqui na rua. Não avisavam antes, ficávamos sem água e ela voltava com barro e com cheiro ruim. Nós íamos para o médico e ele falava para comprar água ou ferver. A água vinha direto da rua e temos filtro, mas, quando vem a sede, a gente bebe de qualquer lugar."

Mônica diz que ela, o marido e o filho de 2 anos apresentaram os sintomas. "Tive febre e muita cólica. Eu até pensei que era dengue, mas depois parou e não tive mais (diarreia)." Após o episódio, ela conta que comprou uma caixa d'água de 350 litros e parou de acompanhar as interrupções do fornecimento de água. "O pessoal daqui diz que falta, mas eu não sei os dias exatamente."

Dados preliminares. A Secretaria de Estado da Saúde afirmou, em nota, que "não é válido relacionar a situação hiperepidêmica de doenças diarreicas agudas com a crise hídrica". Segundo a pasta, os dados apresentados em maio "são análises meramente preliminares e que podem não ser confirmadas quando de sua finalização”.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A pasta informou ainda que os dados isolados não são suficientes para a realização da análise, pois eles precisariam ser cruzados com relatórios municipais “de investigação de possíveis surtos”, que ainda não foram finalizados, e com informações das concessionárias que fornecem água para todo o Estado.

Em entrevista ao Estado na última sexta-feira, a diretora da Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar da secretaria, Eliana Suzuki, preferiu reclassificar a situação como um “aumento de casos” e não mais como "hiperepidemia". “O trabalho ainda está em investigação. A gente consegue ver um aumento no número de casos nesse período que deixei mais evidente na palestra.”

Ela voltou a afirmar que há várias hipóteses para o ano passado ter superado a média de casos de diarreia aguda. “O que foi colocado na palestra é que a gente teve uma percepção do aumento de diarreia em 2014 e (isso) pode estar associado à crise hídrica. Com a redução da água, a higiene pessoal pode ficar escassa ou as pessoas podem buscar outra alternativa de água, como o caminhão-pipa. O que eu quis passar naquele algoritmo é que tudo é um risco. Na redução, temos consequências, mas não se pode afirmar que a água está vindo contaminada.”

Publicidade

A diretora explicou que o trabalho de monitoramento de casos é rotineiro e que a pasta tem realizado, desde o ano passado, uma intensificação dos trabalho de orientação nos municípios. “Cada vez que tem um aumento, acionamos o município e entramos com um alerta de suspeita de surto para verificar qual pode ter sido o problema e para dar orientações para manipulação de alimentos e prevenir os próximos casos.”

Procurada, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) não se manifestou. /COLABOROU FABIO LEITE

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.