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Sarampo causa 'amnésia imunológica' por até três anos

Em artigo na Science, cientistas mostram que o vírus abre portas para doenças oportunistas por muito mais tempo que se imaginava

Por Fabio de Castro
Atualização:
Autores afirmam que a vacinação contra o sarampoimpede que diversas outras doenças infecciosas tirem proveito do enfraquecimento do sistema imunológico Foto: Estadão

SÃO PAULO - Já se sabia que o vírus do sarampo abala o sistema imunológico das crianças temporariamente, deixando-as expostas ao contágio de outras doenças oportunistas. Até agora, os cientistas acreditavam que essa vulnerabilidade se estendia por um ou dois meses após a infecção. Mas um novo estudo mostra que o sarampo pode enfraquecer as defesas do organismo das crianças por até três anos - deixando-as altamente suscetíveis a outras doenças mortais ao longo desse tempo. A pesquisa, realizada por cientistas da Universidade de Princeton (Estados Unidos), será publicado nesta sexta-feira, 8, na revista Science.

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Com base nas conclusões do artigo, os autores afirmam que a vacinação contra o sarampo não oferece proteção apenas contra o vírus dessa doença, mas também impede que diversas outras doenças infecciosas tirem proveito do enfraquecimento do sistema imunológico causado por ela. De acordo com eles, a descoberta ajuda a explicar porque as campanhas de vacinação contra o sarampo têm impedido muito mais mortes do que se previa.

"O sarampo acaba aumentando a predisposição das pessoas às doenças mais prevalentes na população. Na maior parte, são infecções respiratórias bacterianas, como a pneumonia, a sepse, a bronquite e a bronquiolite. Mas o sarampo também abre caminho, em menor número, para doenças como diarreia e disenteria", disse ao Estado o autor principal do artigo, Michael Mina, da Universidade Emory, que participou do estudo como pesquisador pós-doutorando em Princeton.

Segundo Mina, o estudo apresenta provas epidemiológicas de que o sarampo leva o organismo, por longo tempo, a um estado de "amnésia imunológica". As células de memória do sistema imunológico - capazes de identificar as partículas infecciosas que já tiveram contato com o organismo - são parcialmente exterminadas. 

"Já sabíamos que o sarampo ataca a memória imunológica - e que a doença enfraquece o sistema imunológico por algum tempo. Mas esse artigo sugere que a supressão imunológica dura muito mais do que se suspeitava", disse uma das autoras do estudo, Jessica Metcalf, professora de Ecologia e Biologia Evolutiva de Princeton. "Em outras palavras, se você pegar sarampo, ao longo de três anos você poderia morrer de algo que não seria capaz de matá-lo sem a infecção por sarampo", afirmou ela.

De acordo com Mina, a descoberta sugere que a vacinação contra o sarampo traz benefícios bem maiores que a proteção contra a própria doença. "É uma das intervenções com melhor custo benefício para a saúde global", disse ele sobre as campanhas de vacinação.

Segundo Mina, o estudo foi motivado por uma pesquisa feita por Rik de Swart, da Universidade Erasmus (Holanda), que encontrou profundas associações entre sarampo e esgotamento de células de memória. O trabalho holandês demonstrava que o vírus do sarampo ataca linfócitos T - células fundamentais para a "memória imunológica" -, gerando um estado de "amnésia imunológica". Depois de cerca de um mês, essas células de memória voltavam a agir, mas, em vez de proteger contra as infecções memorizadas anteriormente, ficavam direcionadas exclusivamente contra o sarampo.

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A partir dessa informação, Mina e sua equipe levantaram uma hipótese: se a amnésia imunológica de fato ocorre por causa do sarampo, isso deveria ficar evidente ao examinar dados populacionais - e examinando esse tipo de dado, seria possível dizer em quanto tempo o sistema imunológico se recupera depois do sarampo. 

Assim, os cientistas examinaram dados populacionais detalhados dos Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales e Dinamarca - os únicos países onde havia estudos com todas as variáveis necessárias para a análise. Eles estudaram a mortalidade entre crianças de um a nove anos, na Europa, e de um a 14 anos, nos Estados Unidos, em épocas anteriores e posteriores às vacinações. As análises revelaram uma correlação muito forte entre a incidência de sarampo e as mortes por outras doenças em um período de cerca de 28 meses depois da infecção. A conclusão se aplicava a todos os grupos etários nos três países, antes e depois dos períodos de vacinação.

"Agora também queremos analisar o impacto de longo prazo da 'amnésia imunológica' na morbidade e na doença. E precisamos explorar as consequências das nossas conclusões para os países com poucos recursos, onde o sarampo causa uma mortalidade muito mais imediata", afirmou Mina.

 

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