Saúde lança aplicativo para estimular uso de medicamento sem eficácia comprovada contra covid-19

App destinado a profissionais de saúde recomenda prescrição de medicamentos como hidroxicloroquina, cloroquina e ivermectina

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Por Mateus Vargas
4 min de leitura

BRASÍLIA - No momento de disparada de mortes pela covid-19 no País, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aposta em nova arma ineficaz para o controle da pandemia. O general lançou em Manaus (AM), nesta semana, o TrateCOV, um aplicativo que estimula a prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. O uso do programa é restrito a profissionais de saúde.

Segundo o próprio ministério, após o diagnóstico, que é sinalizado pelo aplicativo a partir de uma pontuação definida pelos sintomas do paciente, o TrateCOV sugere a prescrição de hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina. O tratamento muda conforme os dados apresentados pelo paciente, segundo a pasta. 

Mesmo sem eficácia comprovada no tratamento de covid-19, uso da cloroquina é defendido por Bolsonaro. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Estes medicamentos não têm eficácia comprovada contra a covid-19, são rejeitados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), mas viraram aposta do governo Jair Bolsonaro no combate à doença. Durante a crise sanitária, o presidente desestimulou o uso de máscaras e do distanciamento social, mas mandou turbinar a produção da cloroquina e buscou doação de hidroxicloroquina, medicamentos hoje encalhados nos estoques do governo federal. O aplicativo também indica o uso do corticóide dexametasona, que é recomendado pela SBI para casos mais graves.

O ministério afirma que o uso do TrateCOV poderá ser "ampliado para outras regiões do país". "A ação do Ministério da Saúde tem como objetivo fornecer mais um mecanismo que dará maior segurança e agilidade no diagnóstico da Covid-19, visando reduzir o risco de internações e óbitos", diz a pasta em nota. 

Mais de 340 médicos de Manaus foram habilitados para usar o aplicativo. O Estadão fez uma simulação no site do TrateCOV, disponibilizado pelo governo. Apontando um caso hipotético de paciente com sintomas recentes da covid-19, como febre e falta de ar, a indicação do aplicativo é o “tratamento precoce”e a realização de um exame do tipo RT-PCR.

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O médico, então, teria de sinalizar se o paciente vai ou não receber o “tratamento precoce”. Se a resposta for “não”, é preciso justificar a escolha, por exemplo, pela “recusa do paciente”, “contraindicação médica” ou “falta do medicamento”. Se a resposta for "sim", são indicados os medicamentos sem eficácia comprovada para a covid-19. 

Em Manaus, Pazuello afirmou, na segunda-feira, 11, que o pilar da estratégia do ministério contra a pandemia é o "tratamento precoce". No vocabulário da pasta e nos documentos oficiais, este tratamento significa a prescrição da cloroquina, entre outros medicamentos. "Diagnóstico não é do teste. Não aceitem isso. É do profissional médico.

O tratamento, a prescrição, é do médico, e a orientação é precoce", disse Pazuello. "A medicação pode e deve começar antes desses exames complementares. Caso o exame lá na frente der negativo, reduz a medicação e tá ótimo. Não vai matar ninguém", completou. 

A capital do Amazonas vive novo colapso de Saúde e não tem oxigênio para todos os pacientes da covid-19. Em nota, a Saúde afirma que enviou 131 respiradores ao Estado, 1.500 cilindros de oxigênio e recrutou profissionais de saúde para permitir a abertura de novos leitos de UTI.

Ainda em Manaus, a equipe de Pazuello fez visitas a unidades de atendimento do SUS. Além de escutarem sobre a crise na cidade, os representantes do ministério deram orientações sobre a suposta evidência de benefícios do "tratamento precoce", segundo apurou o Estadão. A equipe da Saúde foi reforçada por cerca de 10 médicos de outras cidades, entusiastas do "tratamento precoce", que viajaram à capital do Amazonas a convite do ministério. 

Dias antes do périplo pelas unidades de saúde em Manaus, a secretária nacional Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, avisou ao município que as visitas serviriam para estimular adoção do "tratamento precoce". Em ofício enviado à Secretaria de Saúde local, Pinheiro ainda escreveu que seria "inadmissível" Manaus não prescrever antivirais sem eficácia comprovada. O documento foi revelado pela Folha de S. Paulo e obtido também pelo Estadão

Sem citar qualquer prova, o presidente Jair Bolsonaro disse que a crise de saúde em Manaus deve-se à falta do “tratamento precoce”. Bolsonaro desestimula a adoção de medidas eficazes contra a pandemia, como uso de máscara e distanciamento social.

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“Não faziam tratamento precoce. Aumentou assustadoramente o número de mortes. Mortes por asfixia, porque não tinha oxigênio. O governo estadual e municipal deixou acabar oxigênio”, disse o presidente a apoiadores na terça-feira, 12.

Por ordem de Bolsonaro, o Laboratório do Exército fez mais de 3,2 milhões de comprimidos da cloroquina. Em novembro, estavam encalhadas mais de 400 mil doses. O País também recebeu cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da farmacêutica Sandoz, mas até a metade de dezembro não conseguiu distribuir nem 500 mil unidades. Além da baixa procura, o fármaco foi enviado em caixas com 100 ou 500 comprimidos e precisa ser fracionado - com custo repassado a Estados e municípios.

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