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'Se não morrer de gripe, morro de fome', diz garçom mexicano

Com norma que restringe uso de restaurantes e academias, capital mexicana parece filme de zumbi

Por Daniela Pastrana e de O Estado de S. Paulo
Atualização:

Sentados nas únicas cadeiras que ainda estão na calçada, os funcionários da Creperie de la Paix aguardam instruções dos proprietários do restaurante, um dos mais antigos de Condesa, bairro de classe média. Nem mesmo tiraram o uniforme de trabalho.

 

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"Se não morrer de gripe, vou morrer de fome", diz um dos garçons mais jovens. A piada não encontra eco entre seus colegas.  Ao lado de amontoado de mesas,  um cartaz escrito à mão informa que, por determinação oficial, só aceita encomendas para viagem. É a ordem mais recente da prefeitura para fazer frente à epidemia de gripe suína.

 

Mas ao meio-dia ninguém parou para fazer pedido algum  na Creperie, e em nenhum outro restaurante do bairro. "A crise econômica já nos pegou forte e agora isso... Nós vivemos das gorjetas e não sabemos o que vai suceder", diz outro funcionário com ar sombrio.

 

O bairro de Condesa, que na última década se transformou no centro cosmopolita da Cidade do México, ontem parecia um bairro fantasma. Suas ruas estão vazias, os toldos exteriores dos bares estão levantados e dezenas de trabalhadores, protegidos com máscaras cirúrgicas, estão na calçada, esperando um milagre e que alguém pare para comprar alguma coisa.

 

Observa-se o mesmo cenário em todo o Centro, recuperado pela administração passada; no elegante bairro de Polanco e nas áreas tradicionais de San Ángel e Coyoacán, como também no corredor hoteleiro de Paseo de la Reforma, onde os patrões já anunciaram um corte de 50% do pessoal. Tudo está "morto". Sepultado por decreto até seis de maio.

 

Fernando Campo, coproprietário da emblemática Fonda Garufa (o restaurante que deu início ao "boom" do bairro de Condesa na década de 90) tem motivos para se sentir mal: a decisão de fechar todos os restaurantes e bares da cidade significou a paralisação das atividades de 25 mil locais que geram uma receita diária superior a um milhão de pesos e da qual dependem mais de 500 mil famílias.

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"Creio que as autoridades não estão nos dizendo tudo", diz ele, que afirma ter se resignado a "viver do estoque que tem" nos próximos dias.

 

Essa suspeita de que vem ocorrendo algo mais grave do que o governo quer admitir, provocou na segunda-feira à noite uma corrida aos supermercados. As pessoas chegaram de madrugada para comprar água, atum, lataria, verduras e remédios.

Mas foi um dia de "compras de pânico", estranha, silenciosa e ordenada. Porque nesta cidade o medo conseguiu mais do que os regulamentos, e o fechamento dos espaços públicos foi acompanhado pelo temor do contágio.

 

Só os mais desatentos se cumprimentam  na rua. Ninguém se abraça. Ninguém se beija. As pessoas conversam o mínimo necessário, sempre usando a máscara cirúrgica. Não há academias de esporte, teatros ou cinemas abertos. Até a Televisa, a principal produtora de programas de TV do país, suspendeu as gravações de cenas com beijos e contato físico das telenovelas. A cidade parece um filme de zumbis.

 

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As pessoas estão atentas a cada nova notícia e a sensação de que alguma coisa não se harmoniza com a versão oficial se reforça quando o ministro da Saúde, José Ángel Córdova confunde os dados sobre o número de pessoas infectadas e de mortos. Ninguém acredita nele. Nem que sejam apenas sete mortes confirmadas e que a epidemia já está sendo controlada.

 

Num mercado de frutas e verduras do bairro Nápoles, onde está o World Trade Center, os proprietários comentam com seus clientes a queda da atividade da Central de Abasto da Cidade do México, mercado atacadista e o segundo centro econômico mais importante do país, depois da Bolsa de Valores do México (com transações comerciais superiores a oito bilhões de dólares anuais).

 

"Diminuiu muito a clientela", disse o homem de bigode e quase careca, que as pessoas chamam de Güero."É que (os compradores) estão com muito medo".

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