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‘Se tivesse conseguido vaga antes, quem sabe?’; colapso leva a mortes em fila de espera por leitos

Em São Paulo, idosa morreu na fila da UTI; família perdeu três parentes neste mês. No Rio Grande do Sul, paciente faleceu dentro da ambulância que o levaria a hospital

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela e Eduardo Amaral
Atualização:

O sistema de saúde em todas as regiões do País está sob uma pressão inédita diante do pior momento da pandemia de covid-19, com aumento de casos, internações e mortes. A situação tem feito com que pacientes morram antes de conseguir acessar um leito de atendimento intensivo, adequado para tratamento de casos graves da doença. 

Em São Paulo, foram mais de 90 mortes nessas condições. Quando a reportagem conseguiu contato nesta quarta-feira, 17, com a auxiliar de farmácia Pâmela Rivitti, de 30 anos, de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, para falar sobre a morte da avó, Dinéia Martins Firmino, de 74 anos, no dia 6, na fila de espera por leito de UTI, a jovem estava em prantos. Ela tinha acabado de receber a notícia da morte de seu avô, José Firmino, de 76, também vítima da covid. Na segunda-feira, já havia morrido pela mesma causa seu tio, Samuel Firmino, de 49 anos. “Não estou conseguindo acreditar, lá se foram os três, um após o outro”, disse.

Dinéia morreu na UPA Akira Tada à espera de vaga em UTI. Ela era diabética e, segundo Pamela, após a morte houve uma mobilização para conseguir vagas para seu avô e seu tio, também internados na unidade, que não tem estrutura de UTI. “Meu tio conseguiu a vaga no Hospital de Parelheiros e até melhorou. A gente achava que ele ia sair de lá, mas teve piora e não resistiu. Ele tinha diabete, mas tratava e estava saudável até pegar a covid.”

"Por falta de vaga na UTI, ela faleceu", diz neta de Dineia, a auxiliarde farmácia Pamela Rivitti, de 30 anos Foto: Acervo pessoal

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O avô de Pamela estava havia duas semanas e ficou à espera de vaga na UTI por uma semana, quando, segundo ela, seu quadro piorou. “Se tivesse conseguido a vaga antes, quem sabe?” 

A prefeitura de Taboão da Serra informou ter contabilizado 14 mortes de pacientes que aguardavam vagas em UTI, além de mais cinco óbitos em que os pacientes já chegaram em estado grave e morreram em horas.

Esperou por 13 horas e morreu na ambulância

Uma espera de 13 horas e 30 minutos em busca de um leito de UTI determinou a morte de João Conte, 81 anos, morador de Boqueirão do Leão, no interior do Rio Grande do Sul. Diagnosticado com covid-19 no dia 27 de fevereiro, o idoso passou os primeiros dias fazendo o tratamento em casa. O quadro se agravou e ele precisou ser internado no hospital da cidade no dia 4 de março. Um dia após a internação, o quadro foi piorando e na madrugada de 6 de março iniciou-se a pequena via-crúcis da família em busca de um leito de UTI.

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Joel André Conte, de 53 anos, filho de João, lembra a busca incessante. “Depois de ele passar mal na sexta, dia 5, começou a novela para conseguir uma internação. Tentamos com o convênio e em contato com outras pessoas, fizemos tudo que era possível desde às 3h, mas a autorização só chegou às 16h30.”

A internação de João foi autorizada no Hospital Bruno Born (HBB), na cidade de Lajeado, a cerca de 48 quilômetros de Boqueirão. O alívio foi momentâneo, já que a ambulância chegou ao hospital para levar João só às 18h30. Mais uma vez, a esperança da família foi substituída pela angústia, pois João precisaria ser entubado antes de ser removido para o HBB. Foram duas horas de trabalho da equipe médica, composta por seis pessoas. Mas o coração do homem de 81 anos, pai de dois filhos, casado há 54 anos, não resistiu. 

Às 20h10 do dia 6, João teve parada cardíaca e morreu na ambulância. “Meu pai pagou plano de saúde para que quando precisasse tivesse atendimento, mas a gente sabe que a situação a situação é complicada e os médicos fazem escolhas, se tem um paciente de 53 anos precisando de UTI e um de 81, a prioridade será de quem tem mais tempo de vida”, diz Joel. 

Agora, Joel torce para que a mãe, de 73 anos, resista. Ela está com covid-19, mas, diferentemente do pai, ainda não foi hospitalizada. A alternativa encontrada pela família e o plano de saúde foi adotar o sistema de home care, com atendimento em casa.

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