'Se tivesse sido tratada rápido, estaria aqui', diz homem que perdeu mulher por covid após o parto

Cantora de 39 anos morreu em Manaus em janeiro; Ministério da Saúde recomendou adiar gravidez por causa da doença

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Por Julia Marques
Atualização:

A cantora Roci Mendonça, de 39 anos, estava grávida e teve dois testes negativos antes de obter a confirmação da covid-19, no fim de dezembro do ano passado. O parto foi em um hospital de Manaus, mas ela não resistiu às complicações da doença e morreu em 9 de janeiro. Ela é uma entre quase mil grávidas e mães que acabaram de dar à luz no Brasil vítimas da doença durante toda a pandemia. Neste ano, as taxas de morte materna dobraram em comparação a 2020

“Se tivesse sido tratada rápido, ela estaria aqui”, diz o marido, o coreógrafo e dançarino Raony Silva, de 28 anos. “É muito complicada a situação do SUS em Manaus, é muita gente. A demanda de pessoas que pegaram na segunda onda foi muito grande.” Diante da escalada de mortes de mulheres nessa situação, o Ministério da Saúde recomendou o adiamento da gravidez. 

Raony Silva, de 28 anos, perdeu a mulher por causa da covid-19 no AM Foto: Arquivo pessoal

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Roci continuou a dar aulas de canto durante a gestação - o viúvo não sabe dizer onde a mulher pegou o vírus. “Quando teve a baixa da primeira onda, a gente se descuidou. Não só a gente, mas praticamente toda a população de Manaus”, conta Silva. Com tosse e febre, Roci procurou assistência, mas os primeiros testes rápidos que fez deram negativo e ela foi mandada para casa. Só depois de fazer um exame do tipo PCR (o padrão-ouro para detectar a infecção ativa), é que a doença foi confirmada.

A mulher deu à luz no dia 31 de dezembro em uma cesariana. O bebê, Max, nasceu prematuro, com pouco mais de 2 quilos. Silva conta que a mulher só conheceu a criança por meio de fotos que ele mostrou. Dias após o parto, o quadro de Roci pirou e ela teve de ser internada em uma UTI. Depois, foi intubada. A mulher teve paradas cardiorrespiratórias e não aguentou passar por sessões de hemodiálise. Também infectado, Silva tentava se recuperar da covid-19 em casa.

“Fui o último a saber da morte dela. Para mim ainda não caiu a ficha, parece que ela está viajando. Sinto muita falta”, conta. Ele ia sozinho à maternidade para acompanhar o desenvolvimento do filho, que também ficou na UTI. Quando chegava, a enfermeira perguntava pela mãe da criança e ele tinha de falar: “ela não resistiu”. 

“Tive de me recuperar para ir à maternidade, para cuidar do meu filho, aprender durante uma semana a cuidar, pegar, dar banho, fazer dormir, fazer tudo. Eu tinha muito medo de segurar um bebê recém-nascido.” Hoje, Max está com três meses e é um bebê saudável. O pai publica a rotina de cuidados na internet. “Para as pessoas verem que eu estou me esforçando bastante.”

Mortes maternas pela covid-19 revelam falhas na assistência. Relatos de viúvos coletados pelo Estadão indicam demora no atendimento de grávidas e puérperas pela covid-19. Há casos de contaminação durante o parto, dificuldade para conseguir leitos para situações de alta complexididade e testagem falha, com testes rápidos que podem dar resultados negativos, como ocorreu com Roci. 

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Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe) mostram que um quarto das gestantes que morreram neste ano vítimas da covid-19 não chegaram a ser internadas em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

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