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Sem a economia de energia da repetição das atividades, os dias seriam esgotantes

O lado ruim é a monotonia, que tentamos quebrar celebrando as sextas-feiras e programando agendas para os finais de semana

Foto do author Daniel Martins de Barros
Por Daniel Martins de Barros
Atualização:

Recentemente vi uma piada com a lista de reclamações a serem feitas ao longo do ano. No verão, reclamar do calor; no inverno, do frio. No carnaval, falar mal da festa ou falar mal de quem fala mal da festa. Mais tarde, há eleições e Copa do Mundo, com reclamações para todos os gostos. E assim vamos, de discussão em discussão, até chegar às uvas passas no arroz na ceia de Natal.

Senti falta de um tema na lista: reclamar da rotina. Mas talvez não estivesse ali justamente por não criar intriga, afinal, todo mundo fala mal dela. É compreensível. Fazer todo dia as mesmas coisas, nos mesmos horários, falar com as mesmas pessoas, ouvir os mesmos comentários, reprisar as mesmas respostas, chega uma hora que cansa. Esse é um dos motivos para existirem festas, férias, finais de semana. Eventos que quebram a rotina aparecem como âncoras da nossa atenção a mobilizar nossos afetos de tempos em tempos.

Fazer todo dia as mesmas coisas, nos mesmos horários, falar com as mesmas pessoas, ouvir os mesmos comentários, reprisar as mesmas respostas, chega uma hora que cansa Foto: Freepik

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É como se estivéssemos numa estrada reta, no meio de uma planície com uma paisagem monótona – o cérebro vai entrando em modo automático, reduzindo a atenção e os níveis de alerta –, até que surge algo inesperado: um animal na estrada, uma curva, mudanças na paisagem, uma montanha no horizonte, o que for.

A monotonia acaba e despertamos, ao menos momentaneamente, voltando ao estado de alerta e atenção. Os engenheiros sabem da importância de quebrar a monotonia das estradas e testam intervenções como sonorizadores, placas, refletores – tudo para tirar o cérebro do piloto automático.

Nosso dia a dia é bem parecido com a estrada monótona. A repetição das atividades de maneira cíclica e previsível reduz a necessidade de atenção e tomada de decisão – como já sabemos mais ou menos o que vamos comer, onde vamos sentar, com quem vamos falar e sobre quais assuntos, não precisamos gastar tanto tempo e energia nessas tarefas. O lado ruim – de que as pessoas reclamam – é a monotonia, que tentamos quebrar celebrando as sextas-feiras e programando agendas para os finais de semana. O lado bom é que, sem essa economia de energia, os dias seriam simplesmente esgotantes.

Imagine se a cada momento do dia tivéssemos de analisar as variáveis envolvidas em cada decisão, deliberar prós e contras, pesar os fatores para então escolher o que fazer. 

Se não delegássemos muitas coisas para nosso piloto automático, o cérebro estaria continuamente envolvido nesse trabalho, consumindo mais energia do que teríamos disponível. E chegaríamos ao fim do dia acabados.

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Então já podemos criar um time para defender a rotina. As definições de polêmica foram atualizadas.

* É PROFESSOR COLABORADOR DO DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP

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