'Sem testagem maciça, manter pessoas afastadas é o que precisamos', diz virologista americano

Especialista defende fechamento de lojas e restaurantes e manter as pessoas afastadas de grandes aglomerações para reduzir a disseminação do vírus

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Por Roberta Jansen/RIO
Atualização:

O virologista americano Kurt Williamson, professor do departamento de biologia da Universidade William & Mary, nos EUA, é especializado em estudar as diferenças entre diferentes tipos de vírus. Em entrevista ao Estado, ele fala das similaridades e diferenças entre o novo coronavírus e outros patógenos que ameaçam a humanidade. Ele também compara a atual pandemia à Gripe Espanhola de 1918 e analisa as medidas de isolamento que tomadas em todo o mundo.

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“Já está claro que esse vírus pode ser transmitido pelo que chamamos de ‘dispersão comunitária’. Ou seja, não é só quando uma pessoa tosse na sua cara. O contato casual com uma pessoa infectada pode ser o suficiente”, diz o virologista. “Por essas razões, fechar lojas e restaurantes, manter as pessoas afastadas de grandes aglomerações e eventos sociais é exatamente o que precisamos fazer para reduzir a disseminação do vírus.”

Estado: Quais são as principais diferenças entre o novo coronavírus e o vírus influenza que enfrentamos sazonalmente?

Williamson: O vírus influenza sazonal tende a causar danos às células ciliadas de nossos pulmões. Essas células têm uma espécie de cílios que se abrem e se fecham em um padrão rítmico expulsando o muco e impedindo a poeira e as bactérias de atingirem os nossos pulmões. A infecção pelo vírus influenza prejudica essa nossa habilidade de expulsar o muco dos pulmões.

Como resultado, muitas infecções por influenza progridem para uma infecção bacteriana secundária ou uma pneumonia, que podem ser severas. Felizmente, a pneumonia bacteriana pode ser tratada com antibióticos. O novo coronavírus provoca danos nos alvéolos, diretamente nos pulmões, afetando a nossa capacidade de respirar.

Outra grande diferença é que o vírus influenza circula entre a população há mais de um século. O novo vírus se originou de um salto entre espécies, com uma transmissão direta de uma fonte animal para os humanos.Uma última diferença é que as pessoas geralmente não levam a influenza sazonal a sério, mas agora estão reconhecendo o novo coronavírus como a grave ameaça à saúde pública que realmente é.

Kurt Williamson, virologista e professor do departamento de biologia da Universidade William & Mary, nos EUA Foto: Jessica Pierson/College of William and Mary

Podemos dizer que estamos experimentando uma situação similar à de 1918, durante a Gripe Espanhola?

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É similar em sua rápida disseminação através de todo o planeta, independentemente da sazonalidade. A temporada de gripe sazonal ocorre durante o inverno no hemisfério norte e, depois, durante o inverno no hemisfério sul. Durante a pandemia de gripe de 2018, o mundo todo ficou doente ao mesmo tempo.

Mas há algumas diferenças importantes. A taxa de letalidade do novo coronavírus não é tão alta quando a da pandemia de 1918. Além disso, o novo coronavírus teria se originado de um salto entre espécies, uma transmissão de uma fonte animal para a população humana. Baseado em análise molecular forense, a epidemia de 1918 parece ter se originado de uma mutação em uma cepa de gripe sazonal comum.

O Brasil já está adotando medidas drásticas para conter a epidemia, como fechar lojas, restaurantes e shoppings, e já há orientação para as pessoas ficarem em suas casas, embora o número de casos por aqui ainda seja baixo. O senhor considera essas medidas necessárias?

Essas medidas são totalmente necessárias. Muitos países estão olhando para a Itália com um caso de estudo e muitos especialistas na própria Itália estão dizendo “não façam como nós fizemos”. Quer dizer, não pensem que não é nada, levem isso muito a sério. Um grande problema no tratamento de qualquer infecção viral é que temos muito poucos remédios eficazes no combate às viroses. E não existe vacina para proteger a população contra a infecção.

Então, o melhor plano é não ser infectado. Isso significa mantermos distância uns dos outros.

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Já está claro que esse vírus pode ser transmitido pelo que chamamos de “dispersão comunitária”. Ou seja, não é só quando uma pessoa tosse na sua cara. O contato casual com uma pessoa infectada pode ser o suficiente. Por essas razões, fechar lojas e restaurantes, manter as pessoas afastadas de grandes aglomerações e eventos sociais é exatamente o que precisamos fazer para reduzir a disseminação do vírus.

A OMS e muitos especialistas dizem que a testagem maciça é necessária. Mas autoridades em muitos países, inclusive no Brasil, dizem que não têm testes diagnósticos em número suficiente, nem infraestrutura para testar todo mundo. O que podemos fazer?

Testar todo mundo seria realmente importante para entender quantas pessoas estão realmente infectadas. Essas pessoas poderiam se isolar e receber toda a atenção médica de que precisam. Mas sem o número de kits suficiente para testar todo mundo, voltamos à questão do distanciamento social. Todos nós devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para não sermos infectados. Como vários outros já disseram, se estamos exagerando, nunca saberemos.

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Mas se não fizermos o suficiente, certamente saberemos. Aqui nos Estados Unidos as pessoas que apresentarem sintomas estão sendo orientadas a ligar para seus médicos primeiro, para que eles determinem o que fazer, em vez de simplesmente aparecer no consultório do médico ou no hospital.

Esse é um plano excelente porque, em muitos lugares, as autoridades estão reunindo os casos suspeitos em um só local, e direcionando todos os outros para outros lugares. Desta forma, uma pessoa que tiver que ir ao hospital por causa de uma alergia, por exemplo, não será exposta ao vírus por eventuais pacientes infectados.

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