Senado cobra cronograma de vacinas contra covid e pode dificultar venda a setor privado

Defensores da antecipação de imunizantes ao setor privado afirmam que governo federal já contratou doses suficientes para o SUS

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Foto do author Daniel  Weterman
Por Mateus Vargas e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - Prestes a abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a conduta do governo federal na pandemia de covid-19, o Senado cobrou respostas do Ministério da Saúde sobre a vacinação da população e a compra de doses pela iniciativa privada. A manifestação do ministério deve mexer com a tramitação do projeto que flexibiliza as regras para compra de imunizantes pelo setor privado. O texto, que já passou pela Câmara, tem o apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

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O Ministério da Saúde não tem apresentado cronogramas atualizados sobre a chegada mensal das vacinas em 2021, nem mesmo as projeções de quando grupos prioritários serão imunizados. Ainda assim, defensores da antecipação de vacinas ao setor privado, como Lira, argumentam que o governo federal já contratou doses suficientes para o SUS.

Líderes do Senado avisaram que a proposta não será votada da forma como foi aprovada na Câmara. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), recebeu o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no sábado, 10, após o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a abertura da CPI. Pressionado pelas empresas, Pacheco pediu a Queiroga um cronograma factível de vacinação de grupos prioritários. O senador busca argumentos para sustentar o discurso de que a entrada da iniciativa privada na campanha de imunização não é uma forma de "furar a fila" da vacinação, pois o SUS já estaria abastecido de doses.

Pelo texto aprovado na Câmara, empresários poderiam comprar vacinas mesmo sem o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que o produto seja autorizado em alguma autoridade “credenciada” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Pouco preciso, o projeto abre margem para a entrada de vacinas de origem duvidosa e estimula negociações em um mercado paralelo, na leitura de especialistas. A presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade Lima, também se manifestou contra a proposta. O próprio ministro Queiroga tem dito que deseja "ver para crer" que as vacinas serão entregues a empresários brasileiros em plena disputa global por doses.

Como mostrou o Estadão, empresários têm negociado a compra de vacinas em mercados paralelos, que oferecem doses a preços baixos, mas sem qualquer garantia de entrega ou aval das fabricantes. A proposta que passou pelos deputados também retira a exigência de doar ao SUS 100% das doses compradas, enquanto grupos prioritários são vacinados. A ideia é permitir que esta cota de doação seja igual ao que for aplicado nos funcionários das empresas que adquirirem as doses.

Vacinação dos profissionais da segurança pública, na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, em São Paulo. Foto: Werther Santana / Estadão 

Após a reunião com Queiroga, o presidente do Senado sinalizou que deseja evitar o confronto com a Saúde. "É muito importante mantermos a união, pacificação, diálogo permanente, para soluções efetivas para o problema maior dos brasileiros, que é a pandemia", disse Pacheco.

Sem insumo

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Queiroga tem feito reuniões com embaixadas, farmacêuticas e entidades ligadas à OMS para tentar antecipar a chegada de imunizantes ao País. Há dificuldade, porém, para receber até mesmo doses excedentes da AstraZeneca nos Estados Unidos, segundo auxiliares de Queiroga. O governo também mira alternativas como o envase de vacinas em laboratórios de medicamentos para animais, mas a leitura na cúpula da Saúde é de que o problema não é a falta de locais de produção no Brasil, mas sim do insumo farmacêutico ativo (IFA). O Brasil depende de ingredientes importados da China, que tem atrasado entregas.

No papel, o ministério aponta que tem mais de 560 milhões de doses garantidas para 2021. Além de as entregas estarem atrasadas, porém, há previsão de vacinas que ainda precisam de aval da Anvisa, como a indiana Covaxin. A agência sanitária negou o primeiro pedido de importação deste imunizante, apontando falta de informações sobre eficácia e segurança.

No começo de fevereiro, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu, em audiência no Senado, que toda a população apta a receber a vacina contra a covid-19 será imunizada ainda em 2021. O compromisso, à época, foi apontado por Pacheco como uma condição para segurar a abertura da CPI.

Para esfriar críticas sobre demora para compra de vacinas, Pazuello também passou a apresentar, a partir de fevereiro, cronogramas de entregas das doses, que jamais se cumpriram. Segundo as primeiras previsões da Saúde, o Brasil encerraria o mês de março com 68 milhões de imunizantes distribuídos. Segundo dados de quinta-feira, 8, foram entregues 47,5 milhões de doses.

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No último dia 8, o Ministério da Saúde disse ao Estadão que não iria mais apresentar cronogramas de entrega das vacinas. A informação teria de ser solicitada a cada laboratório, informou a Saúde. No dia seguinte, a pasta mudou de postura e disse que o cronograma está exposto em seu site. O link indicado pela assessoria de comunicação da pasta, porém, leva a um documento de 19 de março, que já está defasado e foi superado por outros cronogramas apresentado pelo próprio ministério.

Demora

Pressionado pela queda de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro modulou o discurso e passou a defender a vacina, além de negar que um dia rejeitou os imunizantes.

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O governo federal, porém, chegou a desdenhar da demora na compra das vacinas. “Para que essa ansiedade?”, disse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, em dezembro de 2020. No mês seguinte, o mesmo general declarou que o governo iria receber uma “avalanche” de propostas de vacinas e que o Brasil iria ultrapassar a campanha dos Estados Unidos já em fevereiro, o que até agora não ocorreu. Apenas em dezembro um crédito de R$ 20 bilhões foi aberto para contratação das doses, quando o governo já havia rejeitado ofertas para compra da Pfizer e do Instituto Butantan.

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Já o presidente Jair Bolsonaro passou meses, em 2020, rejeitando propostas de compra da Coronavac, imunizante que ele apelidou de “vachina”, por causa da origem chinesa, e “vacina de João Doria”, em referência ao governador paulista, seu inimigo político. Bolsonaro afirmou ainda que não compraria esta vacina mesmo após o registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele atribuiu a decisão ao argumento de não ter “segurança” sobre a vacina, por causa da origem chinesa.

Em março, o Ministério da Saúde procurou justamente a Embaixada da China para pedir socorro. A pasta apontou risco de a campanha de imunização parar no País "por falta de doses, dada a escassez da oferta internacional", e pediu a compra de 30 milhões de vacinas da Sinopharm.