Taxa de morte materna pela covid no Brasil dobra em 2021; nº de vítimas na pandemia é de 979

Pico de mortes de gestantes e mães que acabaram de dar à luz em março é superior ao registrado em junho do ano passado; governo recomendou adiar gravidez

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Por Julia Marques e Jefferson Perleberg
4 min de leitura

As taxas de morte materna pela covid-19 no Brasil dobraram este ano na comparação com 2020. Em média, foram 108 mortes mensais em 2021, ante 54 no ano passado. O cálculo considera dados do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe) divulgados pelo Ministério da Saúde e leva em conta os meses de março a dezembro do ano passado e janeiro a abril deste ano. Desde o início da pandemia, o Brasil registrou 979 mortes de grávidas ou mulheres que acabaram de dar à luz diagnosticadas com a covid-19.

Nesta sexta-feira, 16, o secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Raphael Câmara Medeiros afirmou que a pasta recomenda às mulheres adiar a gravidez, se possível, enquanto durar o pico da pandemia da covid-19 no Brasil. Especialistas apontam que grande parte das mortes maternas pela covid-19 é decorrentes de falhas na assistência a grávidas e mulheres que acabaram de dar à luz.

Ministério da Saúde pede que mulheres não engravidem durante o pico da pandemia Foto: Pixabay/@free-photos

Só entre janeiro e abril deste ano, pelo menos 433 gestantes e puérperas morreram em decorrência da covid-19, segundo dados do Sivep-Gripe divulgados pelo Ministério da Saúde - em todo o ano passado, foram 546 mortes de grávidas e mulheres que acabaram de dar à luz.

Levantamento do Estadão no Sivep-Gripe mostra que os óbitos maternos este ano atingiram o pico em março - os dados de abril ainda não estão consolidados. Foram 263 mortes em março, mais do que o dobro do registrado em junho do ano passado (111), durante o pico da primeira onda da covid-19.

Segundo Medeiros, apesar da falta de estudos, "a visão clínica de especialistas mostra que a variante nova tem ação mais agressiva nas grávidas". "Antes estava mais ligada ao final da gravidez e puerpério e hoje já vemos evolução mais grave no segundo trimestre e quiçá, por vezes, até no primeiro trimestre." 

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Dados sobre as mortes de gestantes e puérperas, porém, revelam falhas na assistência a esse público - um quarto das gestantes que morreram este ano não receberam atendimento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), segundo levantamento do Estadão. De acordo com os dados do Sivep-Gripe, a proporção de grávidas que morreram no início da gestação não se alterou em relação ao verificado no ano passado. Em 2020 e neste ano, a maior parte dos óbitos ocorreu no último trimestre de gestação. 

Há casos de mulheres que moram longe de centros urbanos com assistência adequada. A distância até receber atendimento complica a evolução da doença. Em casos de mortes maternas identificados pelo Estadão, mulheres foram testadas com exames de baixa qualidade e demoraram a receber atenção médica específica para a covid-19. Algumas deram à luz intubadas e nem chegaram a conhecer as crianças.

Especialista reforça importância do pré-natal e vacinação

“É prudente acompanhar o número de casos, aumento do contágio e gravidade de internações por covid, antes de tomar a decisão de engravidar”, diz a ginecologista e coordenadora científica de obstetrícia da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, Silvana Maria Quintana, que destaca ser uma decisão exclusiva da família.

Segundo ela, “mulheres com idade avançada, que fazem algum tipo de tratamento e não podem esperar, podem optar pela gestação com acompanhamento médico”. Silvana ainda reforça a importância do pré-natal. “Temos visto casos de gestantes com medo de sair, deixando de fazer pré-natal e tendo complicações durante a gestação como descontrole da pressão. Deve-se manter o acompanhamento médico em dia, até para evitar situações que levem a agravamento do quadro da mãe, caso venha a contrair covid.” 

Elaine Candido, ginecologista e obstetra, médica do Hospital Pérola Byington, diz que toda variante é prejudicial para a grávida. “Existe risco por haver imunossupressão fisiológica da gestação, ou seja, a condição de gravidez deixa a mulher mais frágil, há sobrecarga para o organismo materno. O que pode gerar quadros mais graves com uma cepa mais agressiva", explica.  Para ela, a variante atinge mais as gestantes por ser mais contagiosa. "Estamos todos suscetíveis a transmitir o vírus, consequentemente o risco dele chegar até grávidas acaba sendo maior." 

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O ministério recomenda que grávidas com comorbidades como diabete, hipertensão e obesidade recebam a vacina, segundo portaria de 15 de março. As recomendações permitem a vacinação de grávidas, lactantes e puérperas com comorbidades, mas consideram que a decisão deve ser tomada por elas após avaliação de risco e benefícios com auxílio médico. Grávidas sem doenças prévias podem tomar a vacina se fizerem parte de outros grupos prioritários do Plano Nacional de Vacinação. São grupos prioritários, por exemplo, profissionais da saúde, professores e agentes de segurança, com ou sem comorbidades. Ainda não há data prevista para grávidas sem comorbidades de categorias profissionais não prioritárias.

Projeto prevê dispensa do trabalho, mas ainda falta sanção

Gestantes também enfrentam dificuldades para conseguir dispensa do trabalho, o que aumenta o risco de infecção. Nesta semana, o Senado aprovou um projeto de lei que determina o trabalho remoto para funcionárias gestantes durante a pandemia. O texto foi enviado para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o projeto aprovado, a empregada gestante deverá permanecer afastada de atividades de trabalho presencial, sem redução no salário, no período de emergência decretado pelo Ministério da Saúde em função da covid, sem data para terminar.

Não é prevista punição ou multa para empresas que descumprirem a norma. Nesse caso, porém, elas podem ser acionadas na Justiça com ações trabalhistas. Parte dos parlamentares, no entanto, vê risco de empresas pequenas ligadas a atividades presenciais, como de cozinha, não terem recursos para manter suas funcionárias grávidas em trabalho remoto. 

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